Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

100.10.026315-0. Mandato – poderes especiais – Cessão de direitos – ITBI – Aditamento

Processo 100.10.026315-0 – Protocolo 235.037

Interessado: D.G.R (K.D, adv.).

Mandato – poderes especiais. Cessão de direitos – ITBI. Aditamento.

1) Para a cessão de direitos de aquisição (compromisso de compra e venda) é necessário mandato com poderes expressos e especiais, nos termos do art. 661, § 1º do CC.

2) – Para o registro da cessão de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda, é necessária a comprovação de recolhimento do ITBI, nos termos do art. 2º, inc. IX do Decreto Municipal de SP 51.627, de 2010;

3) – O aditamento ao instrumento particular deverá ser firmado pelas partes e por testemunhas.

  • Protocolo – 235037 – título e suscitação da dúvida.
  • Protocolo 235.037 – Mandato – poderes especiais. Suscitação da dúvida.
  • Processo 100.10.026315-0 – desistência da dúvida – homologação

Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo ao requerimento formulado por Demócrito G.R, por seu advogado Dr. K.Dj, nos termos do art. 198 da Lei 6.015/73, vem suscitar dúvida, pelos motivos e fundamentos seguintes.

Procedimentos preliminares

Em 25 de junho de 2010, este registro acolheu (em reingresso) o instrumento particular de cessão de direitos celebrado entre G.D e sua mulher B.A e D.G.R, tendo por objeto direitos relativos ao imóvel matriculado sob número 84.296.

O título foi prenotado sob número 235.037, em data de 27 de maio, permanecendo a prenotação válida até solução deste procedimento.

Examinado, o acesso do título esbarra nos seguintes óbices:

1) – Necessidade de mandato com poderes especiais para a cessão de direitos (art. 661, § 1º do CC);

2) – Apresentação da guia de recolhimento do ITBI (art. 2º, inc. IX, do Decreto Municipal 51.627[1], de 2010);

3) – Datação e assinatura das partes e testemunhas no aditamento feito no instrumento privado.

Passo a examinar cada uma das exigências, apresentando a Vossa Excelência o entendimento deste Registrador.

Mandato – poderes especiais e expressos

Os vendedores são representados no instrumento particular por M.H.BY, nos termos da procuração lavrada em 8 de janeiro de 2009 no 1º Tabelião de Notas da Capital de São Paulo (livro 3.875, fls. 317).

A controvérsia cinge-se a definir a extensão do mandato conferido a M.H.B.Y.

Reza o art. 611 do vigente Código Civil:

Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1º Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

A questão passa, portanto, por definir o que sejam poderes especiais e expressos e, ato contínuo, verificar se a procuração outorgada preenche esta exigência legal.

Em primeiro lugar, destaque-se que a redação da procuração lavrada no 1º Tabelião de São Paulo sugere mandato para simples administração: são conferidos “os mais amplos, gerais e ilimitados poderes para gerir e administrar todos os bens deles outorgantes”.

A verba tabelioa incorre em certa imprecisão ao circunscrever os limites dos poderes no âmbito da gerência e administração dos bens, atraindo, tal mandato, para a órbita do caput do art. 661 (“o mandato em termos gerais só confere poderes de administração”). Tal mandato pode ser expresso, mas não é específico. Averbe-se que se não desconhece, em doutrina, a perfeita regularidade de atos de alienação que são inerentes aos poderes de administração (por todos: CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado. Direito das Obrigações. Vol. XVIII, 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993, 159-160 passim).

Para alienação ou oneração de bens imóveis a lei exige mandato com a conjugação de poderes especiais e expressos. Poderes especiais, na lição de Serpa Lopes, consistem na “individualização de cada um dos poderes conferidos, com um caráter de especificidade”. Já poderes expressos quer dizer que a manifestação de tais poderes há de ser revelar “exteriormente de um modo a ser compreendida direta e inequivocamente, não se permitindo uma interpretação por deduções”. (SERPA LOPES. Curso de Direito Civil. Fontes das obrigações: contratos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 250).

A procuração em tela de fato é expressa, isto é, revela claramente o seu âmbito de incidência, mas peca pela sua inespecificidade, já que impera, aqui também, um princípio de especialidade dos poderes, que devem incidir sobre bens perfeitamente especializados e individuados.

A lição de  Pontes de Miranda, sempre relembrada, merece ser transcrita por sua clareza e precisão:

Mandato expresso e mandato com poderes especiais são conceitos diferentes. É expresso o mandato em que se diz: ‘com poderes para alienar, hipotecar, prestar fiança’. Porém não é especial. Por conseguinte, não satisfaz as duas exigências do artigo 1.295, parágrafo 1º, do Código Civil que fala de ‘poderes especiais e expressos’. Cf. Código Comercial, artigo 134,  in fine. Poderes expressos são os poderes que foram manifestados com explicitude. Poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados. Não pode hipotecar o imóvel “a” o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem se dizer qual o imóvel: recebeu poder expresso, mas poder geral, e não especial. Cf. 4ª; Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 20 de abril de 1944 (R. dos T., 151, 651).” (Tratado. T. XLIII, Rio de Janeiro: Borsoi, 1963, p. 35, § 4.679, n. 3).

O próprio Clóvis remarcou sua posição de maneira clara ao comentar o art. 1.295 do código de 1916 (com a mesma redação agora reproduzida no art. 661 do vigente):

O mandato geral, ainda que declare que o mandante terá todos os poderes, libera administratio, somente confere os da administração ordinária. O mandato para conferir direitos, que excedam da administração ordinária, deve ser especial, isto é, devem os poderes referir-se, expressa e determinadamente, ao negócio jurídico.

1.a – O mandato relativo a todos os negocios do mandante, omnium rerum não se restringirá aos atos de simples administração, desde que expressamente conferir poderes para os diferentes atos que os exigem especiais”. (BEVILAQUA. Clóvis. Código Civil comentado. Vol. V, 2º tomo – obrigações, São Paulo: Francisco Alves, 1926, p. 41).

Carvalho Santos acompanha a doutrina. Diz o grande advogado que a questão da exigência de mandato com podres expressos e especiais não apresenta tão grande dificuldade:

O Código exige não só poderes expressos, mas também especiais, o que vale dizer: para que o mandatário possa alienar bens do mandante faz-se mister que expressamente a procuração lhe confira poderes para tanto, com referência a determinado ou determinados bens especializados, ou concretamente mencionados na mesma procuração (op. cit. p. 165).

Como se vê, a necessidade de conferência de poderes expressos e específicos é da tradição do direito brasileiro. Mesmo quando se admita procuração em que todos os imóveis do mandante autorizadamente possam ser alienados, tal circunstância especial deverá ser apontada no instrumento (cfr., a propósito, as observações de Carvalho Santos, op. cit., p. 163 e 164).

Jurisprudência

O Conselho Superior da Magistratura enfrentou a questão, tendo o V. Órgão decidido pela negativa do registro nos casos em que o alienante terá sido representado por procuração com poderes expressos, porém inespecíficos.

Trata-se da Ap. Civ. 524-6/3. O eminente relator destacou que o art. 661 exige a conjugação cumulativa de poderes especiais e expressos para alienação de imóveis. Citando a lição de Pontes de Miranda, acima transcrita, remata:

Conclui-se, pois, que os poderes especiais e os poderes expressos, referidos no § 1º do artigo 661 do Código Civil, têm significados diversos.

Estes últimos são os referidos no mandato (exemplo: poderes para vender, doar, hipotecar, etc). Já aqueles correspondem à determinação específica do ato a ser praticado (exemplo: vender o imóvel ‘A’, hipotecar o imóvel ‘B’, etc). E o ordenamento jurídico, como já visto, exige a presença de ambos na procuração com o escopo de se alienar bens.

Isso mais se avulta quando a hipótese envolve a venda de imóveis, cujo alto valor que, em regra, tais negócios encerram, já impõe, por si só, redobrada cautela, ainda que outorgante e outorgado sejam entre si casados.

Daí decorre o entendimento de Carvalho Santos, citado por Arnaldo Marmitt:

Da necessidade dos poderes expressos e especiais para poder o mandatário alienar bens de propriedade do mandante resulta, também, a necessidade de constarem na procuração os bens a serem vendidos, devidamente individualizados, a não ser que os poderes abranjam todos os bens do mandante (Mandato, Aide Editora, 1ª edição, 1992, p. 182.3).

No mesmo sentido, decidiu o TRF da 5ª Região:

O mandato, para conferir poderes que ultrapassem a simples administração ordinária, deve ser outorgado em termos especiais, isto é, os poderes devem referir-se, especificamente, determinadamente, ao negócio jurídico que se tem em mira.

(…)

Os poderes conferidos sempre se interpretam restritivamente. Incidência, na hipótese, dos arts. 145, III, e 1.295, § 1º, do Código Civil, anterior às alterações introduzidas pela Lei 10.406/2002 (Apelação Cível nº 303.001-PB, Relator Desembargador Federal Frederico Azevedo, julgada em 11 de dezembro de 2003, por unanimidade).

O mandato, assim, embora contenha poderes expressos para alienar, não atribui poderes especiais para a transação em questão. (Ap. civ. 524-6/3, Serra Negra, rel. Gilberto Passos de Freitas, j. 3.8.2006).

O STJ vem sustentando o entendimento que se fez majoritário na doutrina e na jurisprudência. O mais recente dos acórdãos foi relatado pelo Ministro Luís Felipe Salomão, cuja ementa (parte) é a seguinte:

“3. Para realização de negócio jurídico que transcende a administração ordinária, tal qual a alienação de bens imóveis, exigi-se a outorga de poderes especiais e expressos, com a respectiva descrição do objeto a ser negociado. Precedentes”. (REsp. 262.777-SP, j. 5.2.2009, rel. min. Luís Felipe Salomão).

Além desse recente julgado, podem ser consultados os seguintes arestos: REsp 79.660-RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 25.11.1996, assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL – ALIENAÇÃO DE IMOVEL – PODERES ESPECIFICOS E EXPRESSOS – MATERIA DE FATO.

I – Tratando-se de ato típico de alienação, que transcende da administração ordinária, a cessão de uso exige a outorga de poderes especiais e expressos.

II – A matéria fática da lide, em que se ancorou o aresto recorrido, não pode ser revista em sede de especial (Sum. 7/STJ).

III – recurso não conhecido.

Vários outros julgados antecedentes trilharam a mesma senda, valendo citar os seguintes: REsp 31.392-SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 25.8.1997; REsp 98.143-PR, rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19.2.1998; REsp 170.294-PA, rel. min. Waldemar Zveiter, j. 9.6.1998.

No bojo desses arestos há referência a precedente do Supremo Tribunal Federal (RE 90.779-RJ), da relatoria do ministro Cordeiro Guerra, assim ementado:

Não nega vigência ao art. 1.295, 1º, do Código Civil, o acórdão que anula doação feita com procuração que não especifica o bem a ser doado, nem o donatário, quando o mandatário, às vésperas do desquite, usando procuração genérica com poderes para alienar os bens do casal, doa parte do imóvel da esposa ao filho, à revelia da mandante, com quem era casado pelo regime da sepração absoluta de bens. (RTJ 96/806, RE 90.779-RJ).

Essa orientação jurisprudencial é longeva. Acrescento, para arrimo das teses, o decido pelo STF no antigo Recurso Extraordinário 25.851, de São Paulo, rel. min. Luiz Gallotti, assim ementado:

Procuração. Hipoteca. Poderes expressos.

Para hipotecar, exigem-se poderes especiais e expressos. Art. 1295, § único do Código Civil.

Os poderes impressos constantes de instrumento do mandato só valerão, se forem ratificados pelo outorgante.

Em conclusão, a procuração apresentada não preencher os requisitos legais para sustentar a alienação de direitos representada pela cessão onerosa instrumentalizada pelo contrato privado anexo.

ITBI – cessão de direitos

O recolhimento do imposto sobre transmissão de bens imóveis – ITBI é uma exigência legal. Além do art. 290 da Lei de Registros Públicos, que reza que cumpre aos oficiais de registro proceder a uma rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos pelos atos que lhes forem apresentados, a legislação municipal é clara. Reza o art. 2º do Decreto 51.627, de 13 de julho de 2010:

Art. 2º Estão compreendidos na incidência do Imposto:

(…)

IX – a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda;

O fato gerador do dito imposto é a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis (art. 1º do citado decreto).

A jurisprudência não discrepa na exigência da comprovação do pagamento do tributo. Brevitatis causa:

COMPRA E VENDA – CESSÃO DE DIREITOS – UNIDADE CONDOMINIAL. ITBI – VALOR DO TERRENO – IMPOSSIBILIDADE.

Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de acesso ao registro de escritura pública de venda e compra e cessão de direitos relativos a unidade autônoma condominial. Ausência de recolhimento regular do ITBI no tocante à cessão de direitos. Imposto que, no caso, tem como base de cálculo o valor do negócio ou o valor venal, em ambas as hipóteses referentes ao imóvel, entendido como terreno e acessões (art. 79 do Código Civil). Impossibilidade de recolhimento do ITBI calculado apenas sobre o valor do terreno. Recurso não provido. (Ap. Civ. 884-6/5, j. 8.7.2008, Osasco, Relator des. Ruy Camilo).

Sobre esse óbice silenciaram os interessados, fazendo pressupor a concordância parcial com as exigências formuladas, o que acarretaria a prejudicialidade da dúvida (Ap. Civ. 1.171-6/9, j. 20.10.2009, rel. des. Reis Kuntz).

Formalização do título

Por fim, resta-nos confirmar a exigência formulada por este Registro no concernente ao adendo feito ao contrato particular.

Na verdade, suposta a escassa rigidez formal dos instrumentos particulares, o adendo deve ser considerado propriamente como um instrumento de rerratificação, lavrado em data posterior, sucessivamente à assinatura das partes. Este adendo deve, a exemplo do instrumento retificado, preencher as mesma formalidades legais para ele exigíveis.

Nesse sentido, nos termos do art. 221, II, da Lei 6.015, de 1973, o instrumento particular de rerratificação deve ser datado e subscrito pelas partes e por testemunhas. A firma de todos deverá ser reconhecida.

Cito, dentre várias, precedente do Conselho Superior da Magistratura:

COMPROMISSO PARTICULAR. RECONHECIMENTO DE FIRMAS. INVENTÁRIO. ALVARÁ.

Registro de Imóveis – Concordância com algumas das exigências – Dúvida prejudicada – Compromisso particular – Necessidade de reconhecimento das firmas – Inteligência do artigo 221,II, da Lei 6.015/73 – Falecimento dos alienantes – Irrelevância – Possibilidade de obtenção de alvará no juízo do inventário – Recurso não conhecido, com observação. (Ap. Civ. 57-6/1, j. 31.10.2003, Barueri. Rel. des. LUIZ TÂMBARA).

A exemplo do caso objeto de julgamento nessa apelação, os interessados presumivelmente concordaram com a exigência, não a impugnando na petição endereçada ao cartório, o que faz despontar a possibilidade de prejudicialidade.

Devolvo a qualificação do título a Vossa Excelência para que possa apreciar soberanamente o caso concreto e lhe dar o deslinde adequado.

Com os nossos cordiais cumprimentos.

São Paulo, 14 de julho de 2010

Sérgio Jacomino

5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo.

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