Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

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1024081-02.2014.8.26.0100. previdência complementar – alienação de reservas técnicas

À Exma. Sra.
Dra. Tânia Mara Ahualli,
MM. Juíza da 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo
São Paulo.

SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – Protocolo 273.629.
Processo 1024081-02.2014.8.26.0100

Interessada: IN.

Ementa. Previdência complementar – transferência de reservas técnicas constituídas por bens imóveis. Escritura pública – requisito formal ad substantiam. Não se configurando a hipótese de cisão parcial, com a consequente transferência de patrimônio de uma empresa (cindida) a outra (cindenda) por instrumento particular, a transação pactuada entre as entidades, por suas notas singulares e muito características, ao não se enquadrar claramente nas hipóteses legais exceptivas aludidas no art. 108 do Código Civil, reclama, para sua formalização, a competente escritura pública tabelioa.

Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973, vem suscitar dúvida, a requerimento da interessada, pelos motivos e fundamentos seguintes.

Procedimentos preliminares

Atendendo ao requerimento de 6 de dezembro de 2013, firmado pelo Dr. André Rodrigues Chaves (OAB 55.925-RS), prenotamos as atas de assembleias das sociedades RS Previdência e Investprev Seguros e Previdência S/A, bem como seus documentos acessórios, e procedemos a nova análise do título.

Mantida a devolução, atendendo requerimento do apresentante, Dr. José Flávio Soares, datado de 24 de janeiro de 2014, procedemos ao processamento e à suscitação da dúvida como requerido.

Abaixo alinhamos as razões que fundamentaram a devolução do título, enfrentamos os argumentos lançados pelas interessadas e indicamos os fundamentos legais da denegação do acesso.

Motivos impedientes do registro

As razões que fundamentaram a decisão de denegação de registro foram consubstanciadas na Nota Devolutiva, cujo teor, em síntese, indicava a necessidade de apresentação de atas de assembleias que deliberaram o que nos pareceu ser uma típica cisão parcial da empresa RS Previdência (daqui por diante RS) e Investprev Seguros e Previdência S/A (Investprev).

Embora os títulos não tratem de nominar especificamente a operação de transformação societária contratada, pelas características se poderia chegar à conclusão de que estávamos, de fato, diante de uma cisão parcial.

Porém, não admitindo – como expressamente o fez o interessado – a hipótese de cisão parcial, que permitiria a aplicação do art. 234 da Lei 6.404, de 15.12.1976, resta-nos enfrentar o problema com base na satisfação de uma exigência de caráter formal substancial com espeque no art. 108 do Código Civil.

Fundamentação do pedido de registro

O Sr. procurador da empresa INVESTPREV apresentou petição indicando os fundamentos pelos quais entende que o título mereça registro. Em síntese sustenta o seguinte:

a)      Tratar-se-ia de uma operação de transferência de carteira de planos de previdência complementar, devidamente aprovada pelo órgão regulatório – SUSEP, Superintendência de Seguros Privados.

b)      Tratando-se de transferência de carteira de planos de previdência, a sua efetivação implicaria a transferência de todos os ativos garantidores da RS à cessionária INVESTPREV.

c)      Por se tratar de uma operação atípica, a natureza jurídica da operação realizada se amoldaria, por analogia, à incorporação de imóveis. Nesse caso, aplicar-se-ia a regra do art. 64 da Lei 8.934, de 1994.

d)      Aceito e aprovado o registro da operação pela Junta Comercial e Registro Civil de Pessoas Jurídicas de Minas Gerais, não caberia ao Registro de Imóveis imiscuir-se em questões formais.

e)      A transferência dos ativos garantidores (reservas técnicas) ocorre com a simples tradição (efetiva entrega).

Fundamentos para negativa do acesso do título

O Código Civil prevê em seu art. 108 que, não “dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

Outros dois dispositivos do Código Civil devem desde logo ser lembrados neste contexto: art. 1.227 e 1.245, que rezam que os direitos reais sobre imóveis só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, complementando § 1º do art. 1.245: “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

Não se pode tomar por empréstimo analógico hipóteses que a lei prevê como excepcionais.

Abstraindo-se, portanto, a figura que aparentemente calharia à operação levada a efeito pelas entidades contratantes – cisão parcial – é preciso enquadrar esta operação nas figuras correntias para que se possa aferir, no caso concreto, se a escritura pública será uma incontornável exigência solene ad substantiam, requisito essencial de validade do negócio jurídico. 

Cessão e transferência de carteira de planos de previdência complementar

Consoante se pode depreender da ata de assembleia geral realizada no dia 10.4.2006 (INVESTPREV) e da deliberação do Conselho Deliberativo de 10.4.2006, rerratificada pela reunião do dia 17.7.2006 (RS), as entidades deliberaram a transferência e aquisição da carteira de planos de previdência complementar, apreciando, ainda, a incorporação de “ativos garantidores das reservas técnicas”. Para dar cumprimento às deliberações societárias, foi pactuado, por meio de instrumento particular, a cessão e transferência da carteira de planos de previdência complementar em 11 de abril de 2006. Esta operação foi objeto de aprovação pela SUSEP, consoante teor da carta SUSEP/DECON/GAB/127/07.

Todos os documentos foram devidamente registrados na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (INVESTPREV) e Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Belo Horizonte, Minas Gerais (RS) e se acham acostados neste processo.

Embora o pactuado entre as entidades tenha sido aprovado pela SUSEP, nos termos da Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados CNSP 142, de 2005, a formalização da transferência das chamadas reservas técnicas – constituídas de bens imóveis, dentre outros – não se pode dar, salvo melhor juízo, por meio de singelo instrumento particular.

Os interessados, com supedâneo no art. 64 da Lei 8.934, de 1994, pleiteiam sua aplicação analógica ao caso concreto. Vejamos o teor da lei:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

A ratio legis limita as hipóteses de dispensa de instrumento público à formação ou aumento de capital social na constituição ou alteração de sociedades empresárias. Não estamos diante de uma típica operação de formação ou aumento de capital social; nem mesmo de sociedades empresárias estamos tratando. As entidades são, respectivamente, uma entidade civil com estatuto social registrado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RS) e uma sociedade anônima (INVESTPREV).

Poder-se-ia sugerir que a regra aplicável ao caso concreto seria o disposto no art. 98 da Lei 6.404, de 1976 (Lei das S/A). (Volvemo-nos especificamente para este contexto da Lei das S/A em razão da alusão que os interessados fazem à expressão incorporação de bens imóveis no tocante à transferência das ditas reservas técnicas). Diz o conjunto normativo:

Art. 98. Arquivados os documentos relativos à constituição da companhia, os seus administradores providenciarão, nos 30 (trinta) dias subsequentes, a publicação deles, bem como a de certidão do arquivamento, em órgão oficial do local de sua sede.

(…)

§ 2º A certidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo registro do comércio em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação do capital social (artigo 8º, § 2º).

§ 3º A ata da assembleia-geral que aprovar a incorporação deverá identificar o bem com precisão, mas poderá descrevê-lo sumariamente, desde que seja suplementada por declaração, assinada pelo subscritor, contendo todos os elementos necessários para a transcrição no registro público.

O mesmo obstáculo, já apontado, vislumbra-se claramente no texto acima reproduzido. Não estamos diante de uma hipótese de constituição de uma sociedade anônima – o que evidentemente não é o caso tratado neste processo.

Mesmo se considerássemos, ad argumentandum, que a Junta Comercial e o próprio Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Minas Gerais, ao admitirem o acesso de tais documentos em seus livros de registro estariam, indiretamente, sancionando o acerto da transferência imobiliária, entendo, contudo, que tal escopo refoge completamente às específicas atribuições cometidas aos órgãos do Registro do Comércio e das Sociedades.

Calha, a propósito, citar Modesto Carvalhosa. Comentando o dito art. 98 da Lei das S/A, registra:

A transferência de bens imóveis resolve-se nos termos da legislação aplicável. Não cabe ao Registro do Comércio o exame dos documentos relativos aos bens, sendo função dos fundadores e primeiros administradores verificar a filiação e demais requisitos de domínio e posse que envolvam os bens oferecidos a título de subscrição. Se a constituição é feita por escritura pública, deve ser apresentado ao Registro de Imóveis o traslado da escritura de constituição, na forma dos artigos 167, I, n. 32 e 221, I, da Lei 6.015, de 1973”. (CARVALHOSA. Modesto. Comentários à Lei das Sociedade Anônimas, 2º vol. São Paulo: Saraiva, 1997, p.196).

Bem se vê, como nota o tratadista, que não compete à Junta Comercial deter-se sobre aspectos relacionados com a transmissão e aquisição da propriedade imobiliária.

Parece-me, portanto, que à míngua de expressa previsão legal que possa claramente excepcionalizar a regra do art. 108 do Código Civil, tratando-se de operação singular e que refoge às hipóteses estudadas, entendo que a instrumentalização da transferência das reservas técnicas somente pode se dar por meio de escritura pública.

Uma pequena nótula ainda calha consignar. A simples traditio, como modus de aquisição e transferência de bens, aplica-se exclusivamente aos bens móveis, consoante o art. 1.267 do Código Civil. No caso dos bens imóveis, mesmo nas hipóteses de sucessão na titularidade de bens imóveis por conferência de bens, cisão, fusão, incorporação, o registro é requisito essencial para a constituição do direito ou para o pleno exercício das faculdades inerentes ao domínio.

Conclusões

Não se configurando a hipótese de cisão parcial, com a consequente transferência de patrimônio de uma empresa (cindida) a outra (cindenda) por instrumento particular, a transação pactuada entre as entidades, por suas notas singulares e muito características, ao não se enquadrar claramente nas hipóteses exceptivas aludidas no art. 108 do Código Civil, reclama, para sua formalização, a competente escritura pública tabelioa. Trata-se de requisito formal de validade do negócio jurídico.

Era o que me competia fazer. Devolvo a Vossa Excelência o exame do título para que determino o que de Direito.

São Paulo, março de 2014.

SÉRGIO JACOMINO,

5º Oficial Registrador.

Written by SJ

15 de março de 2014 às 4:02 PM

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