Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

0023763-70.2013.8.26.0100. aquestos – regime da separação de bens

Protocolo 264.233 – Interessado: JH. (Adv. Dra. NSN).

Regime da separação obrigatória de bens. Alienação – comunicação de aquestos. Súmula 377 do STF.

Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, vem suscitar dúvida, a requerimento dos interessados, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973, pelas razões a seguir enunciadas.

  • Processo 0023763-70.2013.8.26.0100, São Paulo, j. 19.8.2013, DJe 29.8.2013, juiz Josué Modesto Passos. Dúvida julgada procedente.
  • Processo 0023763-70.2013.8.26.0100 – Vistos. Fls. 73-74 (embargos de declaração opostos por JH contra a sentença dada a fls. 64-68): a sentença não é omissa, porque em processo administrativo de dúvida não cabia mandar retificar registro, o que – em caso de erro na transposição de dados do título, como sucedeu no caso – pode ser providenciado pelo próprio ofício de registro de imóveis, ex officio, ou a requerimento da parte, a ser apresentado na forma da lei, perante o ofício do registro de imóveis. A sentença fica mantida como lançada. Int. São Paulo, . Josué Modesto Passos, Juiz de Direito – CP 103
  • Ap. Civ. 0023763-70.2013.8.26.0100, j. 26/08/2014, DJe 21/10/2014, rel. des. Elliot Akel. Recurso negado. v.u.

Procedimentos preliminares

Foi apresentada para registro a escritura pública lavrada nas notas do 3º Serviço Notarial da Capital de São Paulo (livro 1.801, fls. 33) em que DECFA, cumprindo compromisso de compra e venda inscrito (R. 2/5.332), alienou o imóvel aos interessados.

O título foi sucessivamente prenotado sob números 153.132, 260.557 e, finalmente, prenotado sob número de ordem 264.233, em que se requer expressamente a suscitação de dúvida.

Súmula 377 do STF e a comunicação presumida de aquestos

O título assim prenotado é neste ato submetido à apreciação de Vossa Excelência, permanecendo a prenotação hígida até solução final do processo, nos termos do art. 203 da Lei de Registros Públicos.

O tema pode ser assim sintetizado: o imóvel da Matrícula 5.332 foi adquirido a título onero por DECFA, casada com EFA, por escritura de 24 de agosto de 1976, registrada sob número 1 na dita matrícula 5.332.

Não há qualquer indicação na aquisição de que se tratasse de bem reservado ou que tivesse sido adquirido com recursos próprios da varoa.

Posteriormente, a 6 de outubro de 1976, “os proprietários se comprometem a vender” aos ora interessados, na dicção do registro (R. 2/5.332).

Aqui reside o problema. O imóvel foi adquirido a título oneroso na constância de casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, nos termos do art. 226 do Código de 1916. Não ocorrendo qualquer ressalva no título acerca dessa aquisição, presume-se, nos termos da súmula 377 do STF, que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

É preciso enfrentar as questões postas pela ilustre advogada. Diz ela, em sua bem fundamentada peça, que o cônjuge-varão, na promessa, teria comparecido assistindo à mulher e não como vendedor, “restando caracterizado seu expresso reconhecimento de que não tinha direito sobre referido imóvel, não havendo, assim, qualquer comprometimento ao princípio da continuidade”.

Ora, para que se possa afastar a presunção, que se origina do art. 259 do Código revogado, é necessária declaração expressa e inequívoca, a vincar, ex ante, na origem aquisitiva, o bem em tela, extremando-o do patrimônio que se reputa adquirido em comum na constância do casamento. Não tendo ocorrido tal declaração na lavratura da escritura aquisitiva, necessária prova, a ser deduzida, ex post, perante o juízo competente.

Aqui entra em cena o jogo das presunções. Presumem-se e não dependem de prova os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade (art. 334, IV do CPC). Tais presunções “são ilações que a lei ou o julgador tiram de um fato conhecido para firmar um fato desconhecido”[1]. Ora, o R. 2 da Matrícula 5.332 enuncia um fato que não mereceu a qualificação e todos nós sabemos que o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais (art. 252 da LRP).

Suposta, pela lei, a comunhão em casos análogos e bem conhecidos, por ilação lógica e com apoio em um nexo de causalidade, chega-se a qualificar um caso desconhecido. Nesses casos, precisamente, ocorre o ônus probatório com o fim de afastar a praesumptio juris que da generalidade ordinária dos fatos ocorre.

O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já enfrentou inúmeras vezes casos análogos. Vale a pena revista-los.

A presunção de comunhão, decorrente da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, “não é absoluta e somente incide em relação aos aquestos, ou seja, aos bens adquiridos com esforço comum, não se estendendo aos que forem adquiridos sem auxílio do outro cônjuge”. Mas logo junge a advertência:

A inexistência de contribuição, ou esforço comum, para a aquisição de imóvel a título oneroso, contudo, deve decorrer do próprio título aquisitivo ou ser reconhecida pela via própria, jurisdicional, quando inexistente, sobre essa matéria, consenso entre os cônjuges, ou seus herdeiros na hipótese de terem falecido. (→ AC 990.10.017.578-5, Caçapava, j. 13.4.2010, DJ de 1.6.2010, rel. des. Munhoz Soares)[2].

De fato, não se pode, administrativamente, afastar tal presunção legal. A tese adotada pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura aponta no sentido de se “adotar na esfera administrativa a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal como regra”; a exclusão do bem da partilha somente pode se dar por decisão do Juiz competente na esfera jurisdicional. (→ AC 376-6/7, São Paulo, j. 6.10.2005, DJ de 24.11.2005, rel. des. José Mário Antonio Cardinale).

Aqui entra a segunda linha de argumento levantada pela ilustre advogada. A não comunicação do bem, a integrar o acervo comum, restaria provada pelo simples fato de que o imóvel não foi arrolado no inventário, conforme busca demonstrar com a anexação da certidão de objeto e pé extraída dos autos de inventário ( Processo 025094-13.1983.8.26.0000).

Uma vez mais o argumento não socorre os interessados na medida em que a não indicação do bem não faz presumir, sic et simpliciter, a incomunicabilidade. O inventário é típica prestação de jurisdição voluntária, sem substância litigiosa, e se inaugura e finaliza a partir das declarações do inventariante (art. 991, III e art. 993, dentre outros do CPC). A presunção de incomunicabilidade deveria ser apresentada e apreciada pelo juiz do feito, o que não ocorreu, a fiar-se nos documentos apresentados. Para que se pudesse afastar a presunção de comunicabilidade dos aquestos mister seria o pronunciamento judicial,  destruindo-a.

Portanto, o fato do imóvel não ter sido arrolado no monte partível não leva, necessariamente, à presunção de incomunicabilidade afirmada pelos interessados.

Por fim, de passagem é necessário afastar a tese de que a referida Súmula 377 do STF teria sido revogada pelo atual Código Civil. E mais: que seria necessária a prova do esforço comum para constituição do patrimônio, quando se admite, correntemente, que a simples vida em comum preenche os requisitos para conformação da presunção de comunicabilidade dos aquestos.

Em primeiro lugar, deve-se advertir que Súmula 377, ao menos até a presente data, não foi cancelada, nos termos do artigo 102, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Gostaria de trazer à discussão o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes de Direito, na relatoria do REsp nº 736.627/PR:

“As Turmas que compõem a Seção de Direito Privado desta Corte assentaram que para os efeitos da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união. Na verdade, para a evolução jurisprudencial e legal (omissis) o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros” (REsp nº 736.627/PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 11.04.2006).

A ementa do referido acórdão acha-se assim ementada:

As Turmas que compõem a Seção de Direito Privado desta Corte assentaram que para os efeitos da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união. Na verdade, para a evolução jurisprudencial e legal, já agora com o art. 1.725 do Código Civil de 2002, o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros.

A orientação se mantém prestigiada e firme no Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INVENTÁRIO QUE VISA À PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DE SOCIEDADE CONJUGAL FORMADA SOB O REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. ART. 258 DO CC/1916. ESFORÇO COMUM. SÚMULA N. 377/STF. PRECEDENTES DO STJ.

1. A partilha dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, erigida sob a forma de separação legal de bens (art. 258, parágrafo único, I, do CC/1916), não exige a comprovação ou demonstração de comunhão de esforços na formação desse patrimônio, a qual é presumida, à luz do entendimento cristalizado na Súmula n. 377/STF. Precedentes do STJ.

2. A necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana e de outras garantias constitucionais de igual relevância vem mitigando a importância da análise  estritamente financeira da contribuição de cada um dos cônjuges em ações desse jaez, a qual cede espaço à demonstração da existência de vida em comum e comunhão de esforços para o êxito pessoal e profissional dos consortes, o que evidentemente terá reflexos na formação do patrimônio do casal.

3. No caso concreto, a recorrente, ora agravada, foi casada com o agravante por aproximadamente 22 (vinte e dois) anos pelo regime da separação legal de bens, por imposição do art. 258, parágrafo único, I, do CC/1916, portanto, perfeitamente aplicável o entendimento sedimentado na Súmula n. 377 do STF, segundo o qual os aquestos adquiridos na constância do casamento, pelo regime da separação legal, são comunicáveis, independentemente da comprovação do esforço comum para a sua aquisição, que, nessa hipótese, é presumido.

4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1008684-RJ, j. 24.4.2012, DJe de 2.5.2012, Ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª turma).

No mesmo sentido, os venerandos arestos de São Paulo:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa julgada procedente – Escritura pública de doação – Imóvel adquirido a título oneroso, na constância de casamento celebrado pelo regime da separação obrigatória de bens – Aquisição efetuada na vigência do Código Civil de 1916 – Presunção de comunicação dos aqüestos, na forma da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal – Alienação, pelo adquirente, quando já viúvo – Necessidade de declaração, pela via própria, de que o imóvel não se comunicou com sua ex-mulher – Recurso não provido. → AC 990.10.017.664-1, Caçapava, j. 30.6.2010, DJ de 11.8.2010, rel. Munhoz Soares.

Conclusões

Em conclusão, sem a prova inequívoca de que o bem não integrou o acervo comunitário decorrente do casamento, não se admite o acesso do título que neste ato devolvo à superior consideração de Vossa Excelência, com as minhas homenagens.

São Paulo, março de 2013.

SÉRGIO JACOMINO,

Oficial Registrador.


[1] RANGEL. Rui Manuel de Freitas. O ónus da prova no processo civil. Coimbra: Almedina, 2000, p. 217).

[2] Para obter a íntegra das decisões acessar:

Written by SJ

25 de março de 2013 às 11:16 AM

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