Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

0018618-33.2013.8.26.0100. locação – reconhecimento de firmas por autenticidade

Processo 0018618-33.2013.8.26.0100 – Pedido de providências

Interessado: CNABL.

Locação – instrumento particular. Reconhecimento de firmas por autenticidade.

Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, em atenção à R. determinação de Vossa Excelência vem prestar as seguintes informações.

A interessada apresentou a registro contrato de locação para constituição de garantia caucionária nos termos do art. 38, § 1º, da Lei 8.245, datado de 1 de novembro de 2011. O título foi devidamente recepcionado e prenotado sob número de ordem 262.129, conferido, examinado, culminando com a denegação da averbação em virtude da exigência de reconhecimento de firma dos contratantes por autenticidade (cópia da devolução às fls. 70 e 71).

Não se conformando com tal exigência, a interessada insta Vossa Excelência para que, em grau de recurso, determine a prática do ato.

Ao prestar as informações abaixo, adianto que me inclino no sentido de reafirmar a posição deste Cartório. E o faço pelas razões a seguir expostas.

Reconhecimento de firma por autenticidade

O locus da previsão legal acerca do acesso dos títulos privados, considerados em seu sentido formal, é o art. 221 da Lei 6.015, de 1973:

Art. 221 – Somente são admitidos registro:

II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;

Suposto que a instrumentalização privada e o acesso do contrato de locação com a correspondente cláusula da garantia caucionária sejam permitidos [1], a lei exige o reconhecimento de firmas das partes contratantes e das testemunhas, nos termos do art. 221, II da LRP.

O nó da questão se restringe exclusivamente à exigência de reconhecimento autêntico das firmas apostas no contrato.

A interessada bate-se firme no argumento de que não há, na lei, exigência de reconhecimento das firmas por autenticidade, com o que se concorda. Todavia, a norma não reza, igualmente, que nestes casos bastaria o reconhecimento de firma por mera semelhança. Nada há na lei que indique essa opção.

A livre convicção motivada do magistrado e a atuação vinculada do registrador

Em calço de seu argumento, a interessada traz à colação R. acórdão proferido no Recurso Especial 302.469-MG, do Superior Tribunal de Justiça, em que foi relator o min. Ricardo Villas Bôas Cuevas.

Neste v. aresto, a discussão de fundo referia-se à distribuição do ônus da prova e o debate pode ser de grande proveito para as discussões travadas no âmbito deste processo. Senão, vejamos.

Partimos do pressuposto de que haja uma diferença no grau de eficácia e no valor das presunções que decorrem do reconhecimento de firmas por semelhança ou por autenticidade – fato, aliás, apontado na ementa do referido aresto [2]. Como se verá logo a seguir, o notário imprime ao ato de reconhecimento de firma em sua presença tal rigor que a presunção de autenticidade, que nesses casos é um fenômeno jurídico decorrente da atividade notarial, tem o condão de promover, com a firmeza necessária, a presunção de autoridade e a consequente inversão do ônus da prova.

Sobre a importância do reconhecimento de firma autêntico, previsto no art. 369 do CPC, Moacyr Amaral Santos chega a considerar que as outras formas de reconhecimento de firmas, em face do dito dispositivo, não permitiriam fosse o documento particular considerado autêntico:

Autêntico (…) se torna o documento particular assinado quando reconhecida a firma por tabelião. Trata-se de reconhecimento autêntico, isto é, direto, ou seja, aquele pelo qual o tabelião reconhece a firma do signatário, declarando que foi aposta em sua presença (art. 369).

As demais formas de reconhecimento, admitidas no direito brasileiro – reconhecimento à simples vista do documento, ou por semelhança, ou por abonação direta, ou por abonação indireta – em face do disposto no art. 369, não permitem seja o documento particular considerado autêntico (grifo nosso) [3].

É certo que a doutrina se inclinou no sentido de considerar autêntica a assinatura quando o reconhecimento não se desse na presença do tabelião [4], mas tal fato não infirma o que vimos sustentando acerca da robustez do reconhecimento autêntico para fins de constituição de direitos reais.

Embora esse entendimento venha sufragado pela doutrina – e pela jurisprudência do STJ, como se viu – cabe uma nótula sobre o assunto, resgatando as discussões parlamentares que antecederam a promulgação da lei.

Na tramitação do projeto, o dep. Severo Eulálio, enfrentando o fato de que o projeto (e o anteprojeto) limitavam a atribuição de autenticidade única e tão somente aos documentos cujas firmas fossem reconhecidas na presença do tabelião, chegou a oferecer emenda acrescentando as expressões “ou conferida com autógrafo existente no cartório” ao final do conhecido dispositivo. Entretanto, a emenda foi derrubada no Senado Federal, com base na proposição do senador Accioly Filho. Vale a sua reprodução:

É tamanha a eficácia probatória dos documentos escritos, pela influência que as declarações assinadas exercem sobre a mente do juiz, que o trato desse meio de prova deve cercar-se de muita cautela; e não é prudente considerar autêntico o documento, para os efeitos da lei processual, quando a assinatura tiver simplesmente sido conferida com autógrafo existente no cartório, pois é sabido que os tabelionatos não contam com técnicos habilitados em grafologia, que possam idoneamente realizar o confronto [5].

Pode-se fiar nesta exegese a toda prova autêntica…

Gostaria de pedir vênia para empreender uma interpretação distinta do v. aresto trazido pela interessada à consideração de Vossa Excelência.

A questão debatida no caso concreto, posto à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, é de natureza probatória. As conclusões não infirmam as conclusões até aqui expendidas – nem arrostam a denegação do registro. Embora o reconhecimento de firma por autenticidade, prevista no art. 369 do CPC, faça presumir a autoria do documento com a robustez necessária, nada estaria a impedir que o juiz pudesse avaliar livremente e considerar cumprido o ônus da prova cujo documento tenha acolhido uma firma reconhecida pela técnica de mera semelhança.

No citado acórdão o tema se circunscrevia a “investigar se ao magistrado é permitido estender a presunção de autenticidade também aos casos de reconhecimento de firma por semelhança”. Ora, o que o relator afasta, no caso concreto, é a ideia de uma prova tarifada, com carga valorativa pré-fixada. O juiz aferiu a carga presuntiva, de caráter relativo, afastando o argumento da parte contrária no sentido de que a única forma possível de se desincumbir do ônus legal do art. 389, II, do CPC seria justamente o reconhecimento de firma por autenticidade. De fato, essa conclusão levaria ao absurdo, apontado na decisão, de tornar inócuo o reconhecimento de firma por semelhança em nosso sistema jurídico. Verbis: 

Com efeito, o fato de a norma legal ter reputado autêntica a assinatura quando o tabelião declarar que foi aposta em sua presença, não tem o condão de excluir, por completo, da presunção legal as demais formas de reconhecimento. Daí porque não prevalece a argumentação do recorrente – realizada a contrario sensu – de que o reconhecimento de firma por autenticidade seria a única forma possível de o apresentante se desincumbir do ônus legal de que trata o art. 389, inciso II, do Código de Processo Civil.

Neste passo, gostaria de refutar, por inaplicáveis, as conclusões que visam confrontar as posições deste Registro de Imóveis com as conclusões que possam ser derivadas do RESp 302.469-MG, agitado pela parte interessada.

São situações diversas e âmbitos muito distintos em que atuam o magistrado – na livre apreciação das provas (art. 131 do CPC) – e o registrador, sempre adstrito às regras formais e jungido, teologicamente, à consecução da segurança jurídica.

Gostaria de destacar a paridade lógica que une a exigência de escritura pública para celebração de atos de constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis (art. 108 do CC) e os requisitos formais exigíveis para as conhecidas exceções – dentre elas as “cauções reais” da Lei de Locações. O ponto nevrálgico é autenticidade. Quando a lei substantiva exige a escritura pública como requisito essencial de validade tem sempre em mira a segurança jurídica envolvendo as transações imobiliárias. Por exceção, admitindo-se o instrumento particular em nosso sistema, não menos lógico seria dotar o título de maiores rigores no que respeita à definição da autenticidade da firma e, por extensão, das partes contratantes e do próprio negócio. Voltaremos adiante com o aprofundamento deste aspecto.

Reconhecimento de firma por autenticidade ou por semelhança a talante do notário

Não gostaria de deixar de enfrentar o argumento baseado no respeitável parecer de lavra do magistrado Antônio Carlos Alves Braga Júnior, oferecido no Processo CG 1.403/1996, aprovado em 13 de novembro de 1996 pelo des. Márcio Martins Bonilha, igualmente trazido à baila pela interessada.

Destaque-se, de início, que a decisão trata da atuação de notários, não de registradores. De fato, as conclusões expendidas no referido parecer são incontrastáveis. Não pode o tabelião, a seu exclusivo talante, impor uma forma ou outra de reconhecimento, ignorando o interesse do usuário do serviço tabeliado. Como diz o ilustre parecerista, não pode o notário “impor o reconhecimento autêntico por mera conveniência sua, por eliminar para ele os riscos do ato, transferindo para o usuário a situação inconveniente”. E concluiu com razão: “a exigência do reconhecimento autêntico, por conveniência particular do tabelião, implica em injustificável inconveniência para o usuário do serviço em ação que deprecia o próprio serviço notarial” [6].

As situações, uma vez mais, são distintas tanto para o notário quanto para o registrador. Não se cogita, aqui, de forrar-se à eventual responsabilidade pela prática do ato, cercando-o de maiores cuidados no interesse do registrador. Muito diferente, as cautelas se dirigem ao titular inscrito, resguardando-o de fraudes que ocorrem com frequência.

Fraudes recorrentes

A questão posta em debate neste processo ganha contornos de importância em face de um sem-número de denúncias de fraudes que se avolumaram na contratação privada. Este Registrador enfrenta, neste justo momento, processo judicial que se originou de registro de contrato de locação com garantia caucionária fraudado (Processo 0153477-20.2012.8.26.0100, Procedimento Sumário).

A fraude somente se revelou porque este Registro, calcado em antiga decisão da Vara de Registros Públicos, decidiu, sem qualquer ônus aos interessados, comunicar os titulares inscritos a existência da locação em tramitação no Registro. Com base nessa informação, consumada a averbação, o interessado descobriu a fraude de que fora vítima.

No âmbito da Corregedoria Permanente, Vossa Excelência tem enfrentado questões que se originam de títulos falsos que acabam ingressando no Registro de Imóveis sem que se pudesse tomar outras medidas preventivas além das que tradicionalmente são utilizadas em casos tais. É o exemplo do Processo 0036810-48.2012.8.26.0100, com decisão de 12.12.2012, DJ de 18.2.2013, em que o tema foi apresentado e ensejou encaminhamento de representação à CIPP ante a possível ocorrência do crime de falsidade.

Há centenas de outras ocorrências como essas que desaguaram na Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo em tempos recentes.

Direitos reais de garantia e posse

A garantia locatícia, representada pela caução imobiliária, encontra um ambiente propício para a fraude. E isso em razão do seguinte: a garantia real caucionária não pressupõe a tomada de posse, podendo ser contratada sem que o proprietário dela tome conhecimento. Ao contrário da promessa de compra e venda, em que o promissário-comprador busca a posse do imóvel após a aquisição, a caução imobiliária, como a hipoteca, se dá sem que o proprietário perca, para o credor, o uso, gozo e fruição do bem imóvel.

Esse fenômeno é bastante conhecido nos Estados Unidos e disseminou-se como epidemia e é conhecido como identity theft[7]. Entre nós o problema se anuncia grave pelas estatísticas que já dispomos que apontam pelo aumento do número de processos que chegaram à Vara de Registros Públicos tendo por objeto títulos falsos.

Regulação administrativa – antecedentes

Em face dos inúmeros episódios de fraudes nas transações envolvendo veículos automotores o Conselho Nacional de Trânsito, por meio da Resolução 282, de 26 de junho de 2008, inovaria a ordem regulamentar com a obrigatoriedade do reconhecimento de firma por autenticidade em inúmeros casos previstos no dito regulamento. Destaque-se o art. 11 da dita Resolução:

Art. 11. Todos os documentos referidos nesta Resolução integrarão o prontuário do respectivo veículo e deverão ser apresentados em sua forma original, com exceção daqueles obtidos dos órgãos oficiais, cujas cópias serão aceitas, quando por eles autenticadas.

§ 1º As declarações e termos de responsabilidade deverão ter reconhecimento das firmas por autenticidade.

A mesma exigência encontraremos na Portaria DETRAN 1.606, de 19 de agosto 2005 (DOE 23.8.2005) que traz um capítulo inteiramente dedicado ao assunto:

Capítulo IV – Do Reconhecimento de Firma

Art. 13 – Para expedição do Certificado de Registro de Veículo – CRV, em razão da transferência da propriedade do veículo, será exigido o reconhecimento de firma por autenticidade da assinatura do proprietário-vendedor.

§ 1º Entende-se como reconhecimento de firma por autenticidade, também denominado ‘reconhecimento direto, por certeza ou verdadeiro’, aquele em que o tabelião certifica ou reconhece a assinatura feita em sua presença pelo signatário/vendedor.

§ 2º A exigência do reconhecimento de firma por autenticidade decorre de expressa exigência legal contida na Resolução CONTRAN n.º 664/86.

Art. 14 – Se a firma do vendedor for reconhecida em outro Estado da Federação, o adquirente deverá reconhecer a firma do tabelião junto a qualquer cartório instalado no âmbito do Estado de São Paulo (procedimento denominado sinal público).

Parágrafo único. Independentemente da exigência do sinal público, a assinatura do vendedor deverá ser reconhecida por autenticidade, sob pena de não aceitação pela unidade de trânsito.

Ditas resoluções achavam-se em vigor há muito tempo e não havia qualquer pronunciamento da Eg. Corregedoria-Geral de Justiça do nosso Estado regulando, no âmbito dos cartórios, tal matéria.

A primeira ocasião em que isto se fez foi a partir da previsão inserta na Tabela de Custas para a cobrança de emolumentos nos caso de reconhecimento de firmas por autenticidade. Tal previsão ocorreria com o advento do Decreto Estadual 43.980, de 1999, que motivou o órgão do Tribunal de Justiça a criar um livro próprio para lavratura de termo de comparecimento das partes que deveriam ser qualificadas, constando o local e data das assinaturas. As medidas visavam alcançar a necessária segurança jurídica exigida para os casos. Diz o R. parecer proferido no Processo CG 118/1999 aprovado pelo des. Sérgio Augusto Nigro Conceição em 17.6.1999:

Na atualidade, muitos atos devem ter as firmas reconhecidas por autenticidade, por exigência do próprio destinatário do documento. É o caso dos instrumentos utilizados para a transferência do registro de veículos automotores junto ao Departamento de Trânsito, ou para a transferência de assinatura de linha telefônica, perante a concessionária do serviço público de telefonia. Essa providência tem sido adotada como uma exigência voltada a cercar de maiores cuidados tais atos jurídicos, que envolvem maior expressão econômica e que, pelo grande número, mais atraem à fraude.

Agora, no recente Decreto 43.980/99, estabeleceu-se valor diverso, e maior, para o reconhecimento de firma como autêntica, quando a assinatura é lançada solenemente no documento, diante do delegado do serviço público de notas.

Resta, pois, normatizar a matéria, de acordo com esta nova ótica, que empresta ao ato de reconhecimento de firma maior força, dotando o ato de segurança adicional.

Tem-se, portanto, que seja importante para que se dê ao ato maior segurança jurídica, a introdução de um livro próprio, em que se lavrará o termo de comparecimento da parte, e no qual ela deverá ser qualificada, constando ainda local e data da assinatura, além de referência ao documento aonde se lavrou a certidão do reconhecimento, tudo sem prejuízo de ser depositada ficha do padrão gráfico no arquivo próprio.

De outro lado, o selo de autenticidade, para o reconhecimento de firma por autenticidade, deverá ter modelo especialmente desenvolvido para essa espécie de ato, sugerindo-se para tanto a homologação daquele submetido à aprovação desta Corregedoria Geral da Justiça, e que está juntado a fls. 12.

O parecer foi aprovado e acabou redundando na modificação das Normas de Serviço da Eg. CGJSP por meio do Provimento CG 20/1999.

Autenticidade dos atos notariais

Os documentos públicos são, por definição, autênticos. “Entende-se por autenticidade – diz Amaral Santos – a certeza da autoria do instrumento” [8]. E segue:

Diz-se que um documento é autêntico quando se tem a certeza de sua autoria. Essa certeza, no instrumento público, dimana dele próprio: o instrumento faz prova de sua autoria. Ora, o instrumento particular, em si mesmo, não reúne condições suficientes que demonstrem sua proveniência. Donde, uma vez contestada sua autoria, esta deverá ser provada por outros meios, que se acham fora do instrumento” [9].

É da tradição do direito brasileiro que os instrumentos particulares devam ser reconhecidos por autenticidade – expressão aqui empregada no sentido de se fixar a autoria da firma aposta no instrumento. O art. 8º do Decreto 482, de 14.11.1846, por exemplo, exigia que as assinaturas que autenticassem os títulos apresentados pelas partes deveriam ser reconhecidas pelo próprio Oficial do Registro [10].

A regra vetusta ingressaria no Código Civil de 1916, que cuidou de resguardar com extremo zelo o cancelamento de um direito real de primeira grandeza como é o caso da hipoteca, exigindo, para a espécie, que as partes fossem “conhecidas do oficial do registro” (art. 851 do CC de 1916).

Portanto, os atos privados que ingressam no Registro de Imóveis entram na classe dos documentos autênticos, segundo tradicional doutrina do direito civil pátrio. Assim já se manifestava Lafayette: “o escripto particular, reconhecido por tabelião, entra na classe dos documentos authenticos” [11].

Há uma distinção que calha fazer entre reconhecimento e autenticação de firmas. Já vimos que todo ato público é autêntico por natureza, nasce com sua formação pelo notário. Tito Fulgêncio destaca com precisão: “todo ato público é autêntico, mas o ato pode ser autêntico sem ser público” e nesse caso calha justamente os instrumentos particulares admitidos no Registro de Imóveis. No ato particular, diz ele “a autenticidade é sucessiva, derivante da autenticação das firmas apostas na escritura privada”[12].

Afrânio de Carvalho não deixou de remarcar a importância de tal autenticação:

Quando o título é passado por instrumento particular, não basta, para comprovação da identidade das partes, a referência do seu preâmbulo aos números da carteira de identidade e do cadastro fiscal, tornando-se necessário e reconhecimento das respectivas firmas. Só assim o documento se torna autêntico, ministrando a certeza legal de emanar das pessoas a quem é atribuído. Se o registrador suspeitar de fraude nesse reconhecimento, ou no título, poderá exigir a comprovação da identidade das partes perante o registro [13].

Se a autenticidade é a certeza de autoria do instrumento é necessário que se busque na Lei a sua exigibilidade. Volto ao art. 369 do CPC, que reza:

Art. 369.  Reputa-se autêntico o documento, quando o tabelião reconhecer a firma do signatário, declarando que foi aposta em sua presença.

Os sistemas registrais se preordenam, como já assinalado, à tutela da segurança jurídica estática e dinâmica, visando prevenir futuros conflitos. Ora, não parece lógico que se deixe entreaberta a porta para fraude e que se busque a tardia remediação pela via judicial civil e penal.

Por fim, não custa reiterar que, no caso de constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis a escritura pública é um requisito essencial. Para a lavratura da escritura pública, exige-se o comparecimento das partes, pessoalmente ou representadas por seus procuradores, munidos de mandato com poderes expressos e especiais. Ora, se o comparecimento pessoal é imprescindível, com o “reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato” (art. 215, § 1º, II do CC), o mínimo que se deve exigir, nos casos de instrumentos particulares destinados ao Registro de Imóveis, é o reconhecimento de firmas por autenticidade.

Trata-se de fenômeno de “notarialização” dos instrumentos particulares em tudo conforme a tradição do direito pátrio.

Gostaria de destacar uma decisão do final da década de 1980 em que o tema do reconhecimento de firmas em contrato de locação foi enfrentado. É certo que não existia, ainda, a extravagante figura da caução imobiliária (que melhor e corretamente calharia como hipoteca). Mas a questão foi enfrentada com a costumeira precisão e erudição pelo hoje Corregedor-Geral de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini. Dizia que a imperatividade do reconhecimento de firmas nos instrumentos particulares tem um fundamento racional, “que é a garantia da identidade das partes”. E acrescenta que “os documentos públicos, num sentido estrito, são autênticos. Mas a autenticidade nos documentos particulares provém do reconhecimento de firma por tabelião. O reconhecimento autêntico está previsto no artigo 369 do Código de Processo Civil” (→ Ap. Civ. 6.779-0, j. 9.2.1987, São Paulo, rel. des. Sylvio do Amaral).

Difficultas præstandi

Uma objeção seria quiçá difícil de ser superada: trata-se da hipótese da impossibilidade de o firmante se locomover a uma notário para o reconhecimento autêntico da sua firma.

Mas a hipótese – nada comum – pode ser apresentada fundamentadamente ao Juiz Corregedor em sede de dúvida (para os casos de registro stricto senso). A situação calha no art. 198 da Lei 6.015/1973, para os casos em que o apresentante não puder, por uma boa e justificada razão, satisfazer a exigência. Atualmente o Eg. Conselho Superior da Magistratura vem admitindo a superação de exigências de caráter formal quando o interessado não puder satisfazê-las. É o caso das AC 0009896-29.2010.8.26.0451, Piracicaba, j. 16.2.2012, DJ de 18.5.2012, rel. des. José Renato Nalini e AC 0018356-39.2011.8.26.0590, São Vicente, j. 19.7.2012, DJ de 27.8.2012, rel. des. José Renato Nalini.

Em conclusão, entendo que o longo interregno que se abriu na admissão de instrumentos particulares no Registro de Imóveis com o mero reconhecimento de firmas por semelhança deve se encerrar. Exige-o a segurança jurídica que favorece, naturalmente, os que postulam a reforma da decisão deste Registrador.

São Paulo, março de 2013.

Sérgio Jacomino

5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo.

NOTAS

[1] A Lei 8.245, de 18.10.1991, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos, não traz qualquer dispositivo que faculte a lavratura do contrato de garantia caucionária (prevista no art. 38, § 1º) por instrumento particular. Tratando-se de um direito real de garantia atípico, a sua instrumentalização deveria se dar por escritura pública, consoante o art. 108 do CC.

[2] “3. Se, de um lado, o reconhecimento por semelhança possui aptidão, tão somente, para atestar a similitude da assinatura apresentada no documento com relação àquelas apostas na ficha de serviço do cartório, também é certo que, assim como o reconhecimento de firma por autenticidade, tem a finalidade de atestar, com fé pública, que determinada assinatura é de certa pessoa, ainda que com grau menor de segurança”. (g.n.)

[3] SANTOS. Moacyr Amaral. Comentários ao COC. Vol. IV, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 183, n. 144.

[4] PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Comentários ao CPC. T. IV, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 346, n. 2. V. também TABOSA. Fábio. MARCATO. Antônio Carlos, org. CPC interpretado. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. P.1.188.

[5] PAULA. Alexandre de. CPC anotado. Vol. II, 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 1.480.

[6]Processo CG 1.403/1996, parecer de 12.11.1996 de lavra de Antônio Carlos Alves Braga Jr., aprovado pelo des. Márcio Martins Bonilha em 13.11.1996, DJ de 18.11.1996.

[7] O fenômeno preocupa seriamente as autoridades encarregadas da segurança naquela país. Para uma ideia do problema, http://en.wikipedia.org/wiki/Identity_theft

[8] SANTOS. Moacir Amaral. Prova judiciária no Cível e Comercial. Vol. IV, 3ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1966, p. 189, n. 103

[9] Id. Ib.

[10] A reforma de Nabuco confirmaria a exigência no art. 8º, § 2º da Lei 1.237, de 24.9.1864. O Decreto 3.453, de 26.4.1865 reitera a exigência no art. 77, §2º: “Os escriptos particulares assignados pelas partes que nelles figurão, reconhecidos pelos officiaes do registro sellados com o sello que lhes compete”. A regra se repetirá na reforma a cargo de Ruy Barbosa (Decreto 169-A, de 19.1.1890, art. 8º, § 2º e Decreto 370, de 2.5.1890, art. 74, § 2º).

[11] PEREIRA. Lafayette Rodrigues. Direito das cousas. Vol. I. Rio de Janeiro: Garnier, 1877, p. 152, § 54, nota 5.

[12] FULGÊNCIO. Tito e DIAS. José de Aguiar, atualizador. Direito real de hipoteca. Vol. II, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 478-9.

[13] CARVALHO. Afrânio. Registro de Imóveis. 3ª ed. 1982, p. 292.

Written by SJ

4 de abril de 2013 às 4:46 PM

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