Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

0026636-63.2001.8.26.0100. Condomínio civil – convenção – registro Livro 3

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Processo 0026636-63.2001.8.26.0100 (000.01.026636-4)
Pedido de Providências

EMENTA: condomínio civil – convenção – registro no Livro 3 – Registro de Imóveis

  1. A argumentação que se apóia na identificação da origem comum dos conceitos agrupados no art. 167, I, n. 17 da Lei 6.015/73 é de caráter eminentemente formal, não material. Onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo. A confirmação da admissibilidade, encontramo-la no artigo 178, III da Lei 6015/73, que prevê expressamente o registro das convenções de condomínio, sem qualquer restrição ou especialização;
  2. No sistema dos direitos reais, majoritariamente admite-se que encerra um elenco exaustivo e estrito, não sendo deferida a criação de direitos reais pela autonomia da vontade. Os direitos reais são em numerus clausus. Mas a tipicidade dos direitos reais não acarreta direta e necessariamente uma tipicidade de fatos inscritíveis. São duas realidades distintas. Só reflexamente se pode falar em tipicidade de fatos inscritíveis em conexão com a existência de direitos reais típicos. Ainda assim, há que se considerar as vicissitudes dos direitos reais, estas não limitadas, conclusão que se apóia na aparente ilimitação do artigo 246 da Lei 6.015/73.
  3. Uma vez demonstrada que a tipicidade de direitos reais não leva, necessariamente, à tipicidade de fatos inscritíveis; considerando-se, ainda, que o acesso das convenções de condomínio vem sancionada pela própria lei, fica afastado esse óbice;
  4. A convenção de condomínio pro indiviso ostenta, nitidamente, o caráter de ato-regra na nomenclatura de Caio Mário da Silva Pereira. Os condôminos, almejando regular seus interesses de forma muito clara e precisa, projetando-os no tempo através de um estatuto, visando alcançar terceiros e eventuais sucessores, devem registrar seus regulamentos no registro de imóveis competente, concretizando o princípio de concentração que decorre da territorialidade definida do ofício imobiliário.
  5. Identifica-se claramente que as obrigações decorrentes da convenção do condomínio pro indiviso apontam diretamente para o direito real de propriedade, aderindo à coisa, acompanhando-a em todas as suas mutações subjetivas. São obrigações propter rem, cujo acesso ao registro tem sido admitido pelo C. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo.
  6. A convenção condominial merece o registro no Livro 3, Registro Auxiliar, com a sucessiva averbação da sua existência na matrícula correspondente.
  7. O Registro de Títulos e Documentos, neste caso, é simplesmente facultativo.

Informação 1VRP-48/2001

Senhor Corregedor-Permanente,

Em atenção à R. determinação de Vossa Excelência, exarada às fls. 100 dos presentes autos, tenho a honra de prestar as seguintes informações:

O empreendimento Shopping Center D acha-se erigido sobre o imóvel objeto da matrícula 64.206, decorrente da fusão das matrículas 14.949, 14.950 e 14.951, deste Registro (cópias anexas).

Não há qualquer notícia de que os instrumentos de convenção de condomínio civil pro indiviso tenham sido registrados neste Ofício Predial.

No entanto, em homenagem à oportunidade que se abre para a discussão de matéria que suscita tantos debates e até posições antagônicas – e este procedimento é índice claro desse fato – permito-me tecer algumas considerações em atenção a Vossa Excelência, ao ilustre representante do Ministério Público e aos colegas registradores que me antecederam.

Precedentes jurisprudenciais

O C. Conselho Superior da Magistratura

Em primeiro lugar, é de se ressaltar que o C. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já sufragou o entendimento de que convenções de condomínio que se não refiram a empreendimentos de incorporação imobiliária regularmente registrados não merecem guarida no Registro de Imóveis. Assim, não tendo a instituição condominial supedâneo na Lei 4.591/64, não merece alçar ao registro, via de conseqüência não se registrando o instrumento convencional. O C. Conselho, em V. acórdão que versa sobre o tema, deixou assentado que “o único instrumento de instituição de condomínio que tem ingresso no Registro de Imóveis é o previsto no art. 7o da Lei 4.591/64. É a ele que se refere o art. 167, I, 17 da Lei de Registros Públicos”. (Ap. Civ. 2.349-0, Patrocínio Paulista, DOJ de 24/11/1983, Rel. Des. Bruno Affonso de André, arquivo de Ademar Fioranelli).

Em outro precedente do Órgão, registrou-se, de passagem, que “enquanto não cancelado o registro do loteamento (feito nos moldes do Dec.-lei 58/37) é incompatível o registro de convenção de condomínio no livro 3 – Registro Auxiliar (art. 167, I, n. 17 e 178, III, Lei 6.015/73), do Registro Predial. E só se afeiçoa ao condomínio instituído ou incorporado na forma da Lei 4.591/64 (art. 9o, parágrafo primeiro), tanto que especificado (item 72, do Capítulo XX, das Normas de Serviços da Corregedoria-Geral da Justiça)”. (Ap. Civ. 17.628-0/2, Bauru, DOJ de 26/8/1993, parecer do Magistrado Vito José Guglielmi, aprovado pelo Sr. Corregedor-Geral da Justiça de São Paulo, Des. José Alberto Weiss de Andrade, arquivo de Ademar Fioranelli).

Eg.Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo

A E. Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo igualmente confirmou esse entendimento, justificando o não-acesso de títulos que-tais ao álbum registrário com base na tese da taxatividade dos fatos inscritivos, considerando-se que o elenco de títulos admitidos a registro constituem um numerus clausus. Por essa razão, acolhida a orientação da não registração de tais convenções, desabrigadas do elenco taxativo do artigo 167 da Lei 6.015/73, estaria configurada a nulidade de pleno direito, o que autorizaria o Juiz a declará-la administrativamente e proceder ao cancelamento do registro inquinado (Parecer de José Renato Nalini, Processo CG 123/86).

Vara de Registros Públicos de São Paulo

Finalmente, a própria R. Primeira Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo já enfrentou a questão posta em debate nestes autos. E o fez com o costumeiro brilho pelo magistrado que prolatou decisão que em tudo guarda extraordinária pertinência com o caso aqui tratado. Pela excelência na argumentação, merece transcrita:

Versa a espécie sobre a possibilidade de registrar-se convenção atinente a condomínio tradicional (R.3, matrícula n. 44.370, 19 Cartório de Registro de Imóveis).

Irrelevante é a discussão acerca da admissibilidade de, por meio de emprego de regulação autônoma, disciplinar as relações condominiais. Como quer que seja, o tema está bem ferido, como no mais de que cuidou, no parecer da Curadoria de Registros Públicos.

Desimportante, ainda, é disputar sobre as vantagens que terceiros alcançariam da publicidade do acordo dos condôminos. Esse argumento não constitui razão suficiente para que dele se infira, tout court, a possibilidade do registro perseguido: basta ver, por brevidade de causa, que o registro predial não é o único meio publicitário albergado pelo direito vigente, sequer o exclusivo instrumento de publicidade previsto no sistema registral em vigor (cfr. art. 127, n. VII e par. único, Lei n. 6.015, de 1973).

Nenhuma, por fim, a validez que se espere advertir para a conclusão colimada, quando se acena para o supedâneo do Código Civil. Não se está a cogitar da juridicidade do condomínio tradicional, tampouco a ventilar questões obstaculizadoras das avenças de relações internas dos consenhores, sequer das vantagens derivadas da publicidade-notícia. Cumpre reduzir a questão ao plano hábil de seu conhecimento em face do direito vigorante – limite adequado da análise, se se não quiser resvalar para crítica de lege ferenda.

Ao prever a admissibilidade do registro das convenções condominiais, a Lei n. 6.015, de 31-12-73, art. 167, I, n. 17, exprime aquela num iter vocabular que denuncia um caminho de conceitos mentais e, por conseguinte, de fenômenos naqueles expressos e nestes apreendidos. No Registro de Imóveis – prescreve o caput do art. 167 -, além da matrícula, serão feitos: ‘I – o registro:’ e adiante, no n. 17: ‘das incorporações, instituições e convenções de condomínio’.

Sustentável, é certo, a autonomia dos conceitos exprimidos no dispositivo: (1) incorporação, (2) instituição e (3) convenção, impende anotar que tal autonomia não justifica a inibição de critério interpretativo contextual: distinguir idéias para melhor análise noética não se confunde com separá-las quando se apresentem conjugadas no contexto.

Evidencia-se do preceito sob exame a circunstância de que as ‘convenções’ nele referidas são apenas as relativas ao condomínio ‘especial’, porque a este se ligam os conceitos de ‘incorporação’ e ‘instituição’, emergentes na mesma regra analisada.

A razão da unidade vocabular e conceitual da regra delimita a extensão do registro em função do princípio da origem comum: o elemento unificador dos conceitos. Aquela razão, como visto, está manifesta no condomínio ‘especial’ – ou, o que somente modifica a expressão verbal, na Lei n. 4.591/64, sistema legislativo em que convergem os conceitos de ‘incorporação’, ‘instituição’ e ‘convenção’ condominiais.

Haveria maltrato das normas de hermenêutica se, com desprezo do contexto, se separasse e a idéia de ‘convenção’ daquela origem dos conceitos agrupados sob mesmo preceito, para, em continuidade, estendê-la ao condomínio tradicional. (omissis).

O dispositivo do art. 178, n. III, Lei de Registros Públicos, não prescinde da previsão antecedente; e fácil é demonstrá-lo, com a só indicação, em cotejo, por exemplo, de seus incisos II, IV e V, com os ns. 13, 14, 4 e 12, respectivamente, do inciso I, art. 167, Lei n. 6.015/73. 4. Não parece outra a interpretação da matéria por Valmir Pontes, ‘Registro de Imóveis’, São Paulo, Edição Saraiva, pág. 24, posto que não a toque expressamente.

Invocou o R. parecer do Dr. Curador de Registros Públicos o apoio de julgado do Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, em ponto análogo, nisso que envolvia instituição condominial, para limitá-la à previsão da Lei n. 4.591/64. Trata-se da Apelação Cível n. 2.349-0, de Patrocínio Paulista, julgada em 4-7-83, Relator o Eminente Desembargador Affonso de André; reproduz-se fragmento do venerando acórdão: ‘O único instrumento de instituição de condomínio que tem ingresso no Registro de Imóveis é o previsto no art. 7 da Lei n. 4.591/64. É a ele que se refere o art.167, I, 17, da Lei de Registros Públicos.’ ‘Se a instituição de condomínio não tem supedâneo na Lei 4.591/64, não merece registro.’

O argumento de analogia a que recorreu o pronunciamento do Ministério Público apresenta solidez lógica, na medida exata em que vem delimitado por valor material (não formal), porque já se indicou a origem comum dos conceitos agrupados no art. 167, I, n. 17, Lei de Registros Públicos. A tal argumento outro pode acrescentar-se, com caráter subsidiário.

O adminículo retrata-se na circunstância de que, semper et ubique, os registros de convenções de condomínio de que se tem notícia se referem a condomínios subordinados à Lei n. 4.591/64 (não, por certo, apenas condomínios em edifício). Basta compulsar, brevitatis causa, o que indica Narciso Orlandi Neto, ‘Registro de Imóveis’, São Paulo, Edição Saraiva, 1984, págs. ,168-169, 196-198”.

“A taxatividade dos registros em sentido estrito, matéria ferida no parecer do Ministério Público, é empecilho à admissão de forçada analogia a justificar o registro colimado pelo suscitado”. (Processo 684/85, de 26/11/1985, decisão do Dr. Ricardo Henry Marques Dip, arquivo de Ademar Fioranelli)

Assim exposta a matéria, vê-se que nas diversas instâncias administrativas citadas o tema foi amplamente debatido e a conclusão corrente é pela não admissibilidade do registro de convenções de condomínio pro indiviso no Registro de Imóveis. Com razão, portanto, a manifestação da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – Arisp, em articulado de fls. 94 e 95 dos autos.

Contudo, no que pesem os excelentes argumentos aqui reproduzidos, é de se questionar se resistem a uma abordagem crítica, exercitada com vistas a uma revisão escrupulosa dos postulados que fundamentaram e ainda justificam de certo modo as decisões referidas e as manifestações colhidas no curso deste procedimento.

Em síntese, negou-se o acesso de tais convenções de condomínio pro indiviso em razão de:

  1. o único instrumento de instituição de condomínio que tem ingresso no Registro de Imóveis é o previsto no art. 7o da Lei 4.591/64. É a ele que se refere o art. 167, I, 17 da Lei de Registros Públicos;
  2. o elenco dos títulos admitidos a registro constituem um numerus clausus. Por essa razão, acolhida a orientação da não registração de tais convenções, desabrigadas do elenco taxativo do artigo 167 da Lei 6.015/73, o acesso de tais título há de ser vedado;

Vamos tentar ponderar com argumentação tendente a flexibilizar o entendimento que se mantém rijo em virtude de deposição jurisprudencial tão notável quanto uniforme.

Condomínio especial e a Lei 6.015/73

Diz-se que o único instrumento de instituição de condomínio que tem ingresso no Registro de Imóveis seria o previsto no art. 7o da Lei 4.591/64. Poder-se-ia precisar ainda mais o argumento, como resultado de uma aplicação analógica, que mira a identidade de relações entre os termos do parágrafo 1o do artigo 9o da Lei 4.591 e o artigo 167, I, 17 da Lei 6.015/73, a justificar, com razoável coerência, a interpretação de que a Lei 6.015/73, posterior à Lei de Incorporação e Condomínios, estaria referindo-se necessariamente à convenção condominial decorrente da lei especial.

Além, é claro, da contaminação de sentidos identificada pelo Magistrado Ricardo Henry Marques Dip nos conceitos sucessivos de incorporação, instituição e convenção.

Ora, a argumentação que se apóia na identificação da origem comum dos conceitos agrupados no art. 167, I, n. 17 da Lei 6.015/73 é de caráter eminentemente formal e não material. E é razoável sustentar, nesta época de despojamento de rigorismo formal dos Registros Públicos, que o intérprete deve estar sempre atento à satisfação dos interesses concretos e substanciais dos que postulam o acesso de títulos ao Registro e não sujeitá-los incondicionalmente a formalidades que se descolam progressivamente da realidade sempre cambiante.

Ainda que não fosse por essa razão, sempre remanesce como forte argumento o fato de que a própria Lei 6.015/73, no artigo 178, III, prevê expressamente o registro das convenções de condomínio, sem qualquer restrição ou especialização, além da hipótese igualmente sustentável da autonomia dos conceitos expressos no dispositivo legal da LRP.

É que, quando a norma dispõe no artigo 177 que o Livro 3 (Registro Auxiliar) é destinado ao registro dos atos que, “sendo atribuídos ao Registro de Imóveis por disposição legal, não digam respeito diretamente a imóvel matriculado” coloca-se um outro elemento variável que deve ser detidamente estudado para deslinde do presente caso concreto. As convenções condominiais lato sensu não dizem respeito diretamente ao imóvel matriculado, mas são expressão da vontade dos condôminos para a normação de conduta daquele grupo específico. O fio condutor que une os interesses comuns é expressão dos vínculos jurídicos subjetivos de compropriedade.

E aqui chegamos à chamada tipicidade dos fatos inscritíveis.

O elenco dos títulos admitidos a registro constituem um numerus clausus?

Antes, é preciso verificar o outro argumento no qual repousa tranqüilamente a vedação do acesso – que é o de que o elenco dos títulos admitidos a registro constituem um numerus clausus.

É preciso distinguir o que seja propriamente objeto do registro.

Não devemos ser levados pela ligeira imprecisão que decorre da própria qualificação da atividade – registro de imóveis – na impressão que fica de que o registro seria de imóveis. Não se pode afirmar que o objeto do registro seriam os imóveis. Igualmente não se poderia afirmar que o objeto do registro seriam os direitos, quando na linguagem corrente nos referimos a registro da propriedade, registro do usufruto, da servidão, da hipoteca etc.

Na verdade o objeto do registro são fatos jurídicos que de algum modo influem sobre esses direitos. Os direitos em si considerados são realidades cuja existência, na esmagadora maioria dos casos, pressupõe o próprio registro; são realidades conseqüentes ou do fenômeno registral (art. 676 do CC) ou de fatos típicos referidos na lei (art. 530 do CC).

Vê-se de maneira mais nítida quando destrinçamos os elementos implicados na atividade registral, vincando o que seja (a) objeto da publicidade registral e (b) objeto da inscrição.

Objeto da publicidade registral, nas lições precisas de José de Oliveira Ascensão (Direitos Civil – Reais, Coimbra: Coimbra editora, 5a ed., 1993, p. 341) “são situações jurídicas (…). O princípio da legalidade nos confirma nesta suposição, pois o conservador proclama, não apenas que se verificaram fatos, mas as situações jurídicas por eles produzidas. Esse é o resultado da consagração do princípio da legalidade. (…) Pelo contrário, o objeto do ato de registro, a inscrição ou averbamento, são fatos (tal como o objeto do ato de descrição são situações de fato). Inscrevem-se fatos para se comprovarem direitos”. (Op. cit., loc. cit.).

Haveria uma tipicidade de fatos jurídicos que discriminaria os títulos que chegam às portas do registro?

Oliveira Ascenção identifica muito claramente que há, sim, uma tipicidade, mas de direitos, considerando-se que hoje são típicos os direitos a que se podem reportar os fatos que se registram. Assim, “só estão sujeitos a registro os fatos referentes à propriedade, ao usufruto, à hipoteca etc., bem como quaisquer outras restrições ao direito de propriedade ou outros encargos que a lei declare sujeitos ao registro predial” (Op. cit., loc cit.).

À parte dessa taxatividade, que se desenvolve pela retroprojeção dos direitos reais, confirmação iterativa dos direitos cujos fatos sujeitam-se a registro, há que se considerar as vicissitudes dos direitos que o fato sujeito a registro provoca. Haverá uma tipicidade de vicissitudes a latere da tipicidade de direitos, delimitando o campo de acesso dos atos de registro?

Respondemos com a aparente ilimitação do artigo 246 da Lei 6.015/73, que prevê expressamente o acesso de “outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro”. Temos, aqui, um claro exemplo de que os fatos sujeitos a averbação são em numerus apertus.

Parece dar-se, em nosso sistema, ao menos no que diz respeito ao referido art. 246, uma ilimitação das vicissitudes do direito cujos fatos são inscritíveis.

Mas a doutrina ultrapassa essa formulação, chegando mesmo a sustentar um sistema de numerus apertus dos fatos inscritíveis. O próprio Dr. Ricardo Henry Marques Dip sustentou, em artigo recentemente publicado pela Revista de Direito Imobiliário, que os fatos suscetíveis de registro não são em numerus clausus:

A proposta de conclusão sub examine — os fatos suscetíveis de registro estão igualmente previstos de modo taxativo na Lei de Registros Públicos — não se infere das premissas. Desde o plano estritamente lógico–formal não se pode extrair da taxatividade dos direitos reais uma correlata enumeração exaustiva dos atos suscetíveis de registração predial. Apropositam–se a isso alguns tantos fundamentos. Primeiro, o de que o registro imobiliário, como visto, destina–se a acolher títulos não–referentes a direitos reais. Segundo, o de que a taxatividade dos direitos reais não implica restrição conseqüente dos títulos relativos a esses direitos: ¿ter–se–á notado acaso que, na mescla de uma terminologia criticável, o artigo 167 da vigente Lei de Registros Públicos, tratando do registro em sentido estrito, não se refere expressamente à propriedade? Mais além: não se diz que espécie de título permitiria o registro — por sinal, declarativo — de aquisição imobiliária por aluvião (artigos 530, inciso II, 536, inciso III e 538, Código Civil). Isso não é nenhuma defectividade da normativa registral, mas próprio de um sistema processual lato sensu, que, por seu caráter fundamentalmente instrumentário, se proporciona mediante uma formulação de subsídio à realização do direito material. Negar que se possa registrar um título no ofício imobiliário porque não no prevê expressamente inscritível a regulativa específica ou lei extravagante é, em síntese, desprezar o caráter instrumental do registro e, no fim e ao cabo, denegar a realização de um direito que, recognoscível na ordem substantiva, não poderia já efetuar–se. Seria, guardadas as distinções, o mesmo que dizer que o locador tem direito a reaver o imóvel de um locatário inadimplente, e negar–lhe toda possibilidade de manejar uma ação de despejo. Nem sempre se adverte com clareza que o direito real é uma atualização que depende de uma potência, scl., de um título, e que esse título é de direito obrigacional. Ora,se o registro imobiliário atualiza o título para, freqüentemente, constituir um direito real, se esse título, no sistema obrigacional vigente, é resultado possível de uma autonomia de vontades contratantes, se esse título, não menos, é alheio de exigências tipológicas e restritivas, tem–se de admitir que, longe de afirmar–se a taxatividade dos atos suscetíveis de registro imobiliário, deve antes e ao revés dizer–se que todos os atos aos quais, sem vícios, se possa atribuir potencialidade para constituir (ou modificar) direitos reais imobiliários são suscetíveis de registração predial”. (RDI 47:34)

Concluindo, pode-se afirmar que o sistema de numerus clausus que entre nós regula a existência e a validade dos direitos reais, somente de modo reflexo sinaliza um sistema estrito de fatos passíveis de inscrição. As vicissitudes da propriedade – arquétipo de direito real – com a regulação dos interesses dos comproprietários por convenção condominial escrita, é fato que merece alcançar o registro.

Por outra, a não ser que se potencialize uma interpretação rigorosamente formalista, a própria Lei de Registros Públicos prevê o acesso das convenções condominiais no artigo 167, I, 17 e artigo 178, III da Lei 6.015/73.

A convenção condominial

O empreendimento comercial conhecido como Shopping D apresenta características próprias e singulares, nascendo de uma conjunção de interesses dos comproprietários, não tendo o empreendimento sido submetido, contudo, ao regime condominial da Lei 4.591/64.

O Colendo Conselho Superior da Magistratura, em mais de uma ocasião, decidiu que os interessados não estão sujeitos obrigatoriamente ao registro da instituição do condomínio mesmo para registro de eventuais contratos de locação das lojas. (Ap. Civ. 35920-0/0, DOJSP 24/02/97, São Paulo, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha e Ap. Civ. 35699-0/0, DOJSP 14/03/97, São Paulo, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha). Essas decisões baseiam-se na lição de João Batista Lopes, para quem “a propriedade horizontal não é como se vê, fato natural, pelo que sua existência depende sempre da vontade específica de seus instituidores e atendimento aos requisitos e formalidades legais” (Condomínio, 4ª. Ed., São Paulo: RT, p. 70).

Embora os titulares de domínio não estejam obrigados a sujeitar o empreendimento aos rigores da Lei de Incorporações e Condomínios, o fato é que o empreendimento não quadra perfeitamente com singelo condomínio ordinário da lei civil, já que nasce afetado à idéia de exploração comercial de lojas, é projetado para se manter hígido naquela situação e no estado de indivisão – ao menos enquanto subsistir o empreendimento.

É natural, pois, que nestas condições, os condôminos regulem seus interesses de forma muito clara e precisa, projetando-os no tempo através de um estatuto que possa não só dar conta das relações jurídicas que internamente regulem a situação condominial dos titulares de domínio, mas igualmente ajustar as relações destes com os locatários ou daqueles que se encontrem em posição de receber os efeitos da normação por eles pactuada.

Esse complexo normativo que vai regular os interesses dos partícipes é também muito singular. Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, “quando alguns indivíduos se agrupam e elaboram, pela declaração de sua vontade, um conjunto de normas jurídicas a que se vêem submetidos, procedem em paridade de situação com o legislador, e criam regras jurídicas, que, nem por se constringirem dentro das fronteiras restritas de um reduzido número de pessoas, deixam de ter o aspecto bem nítido de normas jurídicas”.

Esse direito, segundo o Professor Caio Mário da Silva Pereira se denomina estatutário ou corporativo. (Instituições, Vol. I, 19a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 39). Esse ato-regra “cria a normação de conduta para um agrupamento social reduzido, ditando regras de comportamento, assegurando direito e impondo deveres”. (Idem, Condomínio e Incorporações, 10a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 127).

As circunstâncias que cercam empreendimentos como o Shopping D, levam os comproprietários a estabelecer um complexo normativo que visa a regular os direitos e deveres de cada um, colmatando as lacunas legais, redundando numa convenção condominial que neste caso não é obrigatória como o é, em virtude de lei, a que se origina nos condomínios especiais da Lei 4.591/64.

A convenção de condomínio pro indiviso não se afasta dessa idéia geral de direito estatutário ou corporativo e, mesmo antes do advento da Lei 4.591/64, era fartamente utilizado. Quando não fosse por convenção condominial, aplicando-se simplesmente as normas atinentes ao condomínio do Código Civil (Id. ibid., p. 124).

Como muito bem lembrado pelo 2o Oficial de Registro de Títulos e Documentos, em suas preciosas informações de fls. 61-7, o estatuto civil prevê a possibilidade de estipulação de regras pelos condôminos. Essas regras podem ser estipuladas por escrito e, para que alcancem terceiros, devem ser objeto de registro. No elenco de disposições legais bem lembradas pelo Dr. Gentil Domingues dos Santos, há o artigo 629 do Código Civil, que prevê acordo sobre indivisão firmado pelos condôminos. Segundo Carvalho Santos, os efeitos dessa convenção de indivisão colhe terceiros, pelo que seria obrigatória para os credores do condômino que a pactuou, como para qualquer sucessor, seja a que título for, nas partes comuns (Código Civil Brasileiro interpretado, Vol. VIII, 15a ed., São Paulo: Freitas Bastos, 1988, p. 316).

Nesses casos, o desaguadouro natural desses estatutos haveria de ser o Registro de Imóveis.

Obrigações propter rem

É possível identificar-se na pletora de deveres de conteúdo positivo, impostos ou permitidos pela convenção condominial, a figura da obrigação propter rem. Há quem sustente que as convenções condominiais acarretam obrigações com nítido caráter real. São obrigações in rem, ob ou propter rem. Na lição de Orlando Gomes, essas obrigações nascem de um direito real do devedor sobre determinada coisa, a que aderem, acompanhando-o em suas mutações subjetivas. (Obrigações, 14a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 21)

Nesse sentido, identifica-se claramente que as obrigações decorrentes da convenção do condomínio pro indiviso apontam diretamente para o direito real de propriedade, aderindo à coisa, acompanhando-a em todas as suas mutações subjetivas.

Orlando Gomes assinalada que exemplo dessas obrigações é a do condômino de contribuir para as despesas de conservação da coisa (Idem, ibidem, nota 48). Igualmente Sílvio Rodrigues (Direito Civil, Obrigações. 28a ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 99).

As obrigações propter rem ingressam no registro imobiliário, seja quando se apresentam nas restrições urbanísticas convencionais, integrando os contratos padrão dos parcelamentos do solo regidos pela Lei 6766/79, ou nas restrições à alienação em imóvel subordinados a programas de reforma agrária (Ap. Civ. 38160-0/2, DOJSP de 2/7/1997, Andradina, Rel Des. Márcio Martins Bonilha; Ap. Civ. 44769-0/0DOJSP de 20/5/98, São Carlos, Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).

Em suma, quer consideremos a convenção condominial como ato-regra, norma estatuária ou corporativa, como a qualifica Caio Mário da Silva Pereira, quer quando a consideremos obrigações reais, para que possam sujeitar os condôminos e todos aqueles que se achem em relação jurídica com aqueles, tal título pode ingressar no Registro de Imóveis, operando seus regulares efeitos em relação a terceiros.

O tema da residualidade do registro em títulos e documentos foi suficientemente explorado pelos meus colegas Registradores de Títulos e Documentos, pelo que deixo de me manifestar acerca do tema.

Conclusão

Concluindo, Excelência, entendo que as convenções de condomínio pro indiviso devem ser objeto de registro no Ofício Predial. Em suma, pelo seguintes motivos:

  1. A argumentação que se apóia na identificação da origem comum dos conceitos agrupados no art. 167, I, n. 17 da Lei 6.015/73 é de caráter eminentemente formal, não material. Onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo. A confirmação da admissibilidade, encontramo-la no artigo 178, III da Lei 6015/73, que prevê expressamente o registro das convenções de condomínio, sem qualquer restrição ou especialização;
  2. No sistema dos direitos reais, majoritariamente admite-se que encerra um elenco exaustivo e estrito, não sendo deferida a criação de direitos reais pela autonomia da vontade. Os direitos reais são em numerus clausus. Mas a tipicidade dos direitos reais não acarreta direta e necessariamente uma tipicidade de fatos inscritíveis. São duas realidades distintas. Só reflexamente se pode falar em tipicidade de fatos inscritíveis em conexão com a existência de direitos reais típicos. Ainda assim, há que se considerar as vicissitudes dos direitos reais, estas não limitadas, conclusão que se apóia na aparente ilimitação do artigo 246 da Lei 6.015/73.
  3. Uma vez demonstrada que a tipicidade de direitos reais não leva, necessariamente, à tipicidade de fatos inscritíveis; considerando-se, ainda, que o acesso das convenções de condomínio vem sancionada pela própria lei, fica afastado esse óbice;
  4. A convenção de condomínio pro indiviso ostenta, nitidamente, o caráter de ato-regra na nomenclatura de Caio Mário da Silva Pereira. Os condôminos, almejando regular seus interesses de forma muito clara e precisa, projetando-os no tempo através de um estatuto, visando alcançar terceiros e eventuais sucessores, devem registrar seus regulamentos no registro de imóveis competente, concretizando o princípio de concentração que decorre da territorialidade definida do ofício imobiliário.
  5. Identifica-se claramente que as obrigações decorrentes da convenção do condomínio pro indiviso apontam diretamente para o direito real de propriedade, aderindo à coisa, acompanhando-a em todas as suas mutações subjetivas. São obrigações propter rem, cujo acesso ao registro tem sido admitido pelo C. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo.
  6. A convenção condominial merece o registro no Livro 3, Registro Auxiliar, com a sucessiva averbação da sua existência na matrícula correspondente.
  7. O Registro de Títulos e Documentos, neste caso, é simplesmente facultativo.

Essas são as observações que me permiti deduzir, procurando atender à solicitação de Vossa Excelência.

São Paulo, 3 de dezembro de 2001

Sérgio Jacomino

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