100.10.010465-6. Abertura de matrícula – Próprio do Estado.
Processo 0010465-16.2010.8.26.0100 (100.10.010465-6) – Pedido de Providências
Interessado: Estado de São Paulo
Ementa: Abertura de matrícula – próprio do Estado. Matriculação de bens públicos.
- Processo 100.10.010465-6 – Estado – próprio – matrícula. Matriculação de bens públicos.
- Processo 0037042-26.2013.8.26.0100 – sentença de 19.7.2013 deferindo o pedido.
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo à R. determinação de fls. 257 dos autos tem a honra de prestar as seguintes informações.
O Estado de São Paulo, pelo Ilustríssimo Sr. Procurador, Dr. Rafael Issa Obeid, requerer se inaugure uma nova cadeia dominial em favor do Estado de São Paulo tendo por objeto o imóvel ocupado pelo Poder Público desde o início do século XIX consistente nos prédios 115 da Praça Coronel Fernando Prestes e 140 da Rua Ribeiro de Lima.
Segundo farta documentação apresentada pelo Sr. Procurador, a larga história de ocupação da área está bem definida no procedimento. Parece não remanescer qualquer dúvida acerca da afetação do imóvel às finalidades específicas do Poder Público, conforme detalhado neste procedimento.
A questão que se coloca é: a que título o Poder Público pode inaugurar uma nova cadeia dominial com o descerramento de matrícula própria?
A Constituição Federal arrola os bens do Estado no art. 26:
I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III – as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV – as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
No mesmo diapasão a Constituição Estadual, que, reportando-se ao elenco do art. 26 da Constituição Federal, inclui, ainda, os terrenos reservados às margens dos rios e lagos do seu domínio (art. 8º).
Embora não exista expressa alusão ao tipo aqui discutido, parece correta a interpretação emprestada pelo culto Sr. Procurador, no sentido de que não estamos diante de terras devolutas, por interpretação abalizada da Lei 601 de 1850 e dos diplomas legais supervenientes. As terras devolutas são aquelas que se não acham aplicadas ao uso comum ou especial.
Trata-se, simplesmente, de área de domínio do Estado afetada a um uso especial (art. 99, II, do Código Civil).
A questão que se coloca, pois, é a seguinte: como se procede à abertura de matrícula?
Parte considerável da doutrina privatista sempre considerou perfeitamente dispensável o registro de áreas públicas, já que o sistema registral foi concebido, essencialmente, para a garantia e tutela de interesses privados.
Mas isso vem mudando ao longo do tempo. O próprio Afrânio de Carvalho, nas edições mais recentes de sua conhecida obra, (Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1982, 3ª ed. p. 43-47), tece importantes considerações acerca do tema:
“Ao acolher apenas os imóveis particulares, deixando livres os imóveis públicos, o registro tem em vista que a propriedade pública não necessita da proteção por ele oferecida, por estar a salvo de atos jurídicos dos particulares. Nada obsta, porém, que a administração pública resolva futuramente subordinar todos os imóveis públicos ao Registro, a fim de que esta reflita a imagem completa do território do País. Essa fase provavelmente será atingida mais adiante como natural decorrência do cadastro, do qual se pode dizer, como já se disse da natureza, que tem horror ao vácuo…”
(…)
“De parte essas observações sobre categorias de bens públicos, talvez não haja temeridade em admitir, à vista de episódios atuais, que no futuro o Registro de Imóveis venha a dar publicidade às mutações jurídico-reais tanto da propriedade particular, como da propriedade pública, embora, no tocante à segunda, só sirva para facilitar trâmites administrativos na rotina das repartições, ao contrário do que acontece relativamente à primeira, em que serve para criar ou extinguir direitos. A integração imprimirá ordem aos assentos de ambas as propriedades, que disso se beneficiarão mutuamente.”
“Todavia, na passagem da propriedade pública para a particular ou desta para aquela também se interpõe o Registro, uma vez que sem este não há aquisição nem perda da propriedade particular. Assim os imóveis públicos que se transmitirem ao poder público ficam sujeitos à inscrição no Registro.
No primeiro caso, porque os particulares só adquirem imóveis pela inscrição (Cód. Civ., art. 530, I) e no segundo caso porque só perdem a propriedade particular igualmente pela inscrição (Cód.Civ., art. 589, I). (…)”
Comentando um caso concreto, que foi objeto de dúvida suscitada pelo registrador do 2 º Ofício de Registro de Imóveis do Rio de Janeiro – e que guarda alguma semelhança com o que aqui se discute – Carvalho relata caso em que o interesse urbanístico da municipalidade se impôs com o registro de áreas não tituladas:
“(…) Conquanto essa inscrição não tenha evidentemente efeito constitutivo, mas apenas declarativo, a sua conveniência prática nem precisa ser realçada, de vez que é o próprio poder público que a sente e a externa ao requerer a formalidade, atraído irresistivelmente pela tendência à universalização do Registro de Imóveis.
Assim, por Decreto-lei de 1939 a União transferiu, por permuta, à antiga Prefeitura do Distrito Federal, dentre outros imóveis, a área correspondente ao Morro de Santo Antônio, na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, o Estado da Guanabara, hoje cidade do Rio de Janeiro, sucessor da antiga Prefeitura do Distrito Federal, adquiriu, por desapropriação, imóveis situados junto ao citado Morro, que foram dessa maneira inscritos em seu nome.
Pretendendo, para o fim de reordenamento, anexar a área correspondente ao Morro de Santo Antônio à dos imóveis desapropriados e inscritos, o Estado requereu a inscrição (transcrição) daquela em seu nome, juntando o Decreto-lei e, para atender ao requisito da especialização, um memorial descritivo. O Registro de Imóveis vacilou em admitir a inscrição (transcrição), tanto por ser desnecessária, em se tratando de imóvel pertencente ao patrimônio público, como por omitir o título aquisitivo, o Decreto-lei, as características e confrontações do imóvel, fornecidos, fora do título, pelo memorial descritivo do adquirente.
Daí, a dúvida levantada perante o Juiz dos Registros Públicos, que reconheceu a conveniência prática de submeter ao Registro de Imóveis uma área não constante dele, mas que iria somar-se a outra dele constante para o fim de reordenamento”. (op. cit. p. 46-47)
Parece possível, portanto, a abertura de matrícula de bem de domínio público.
Como se dará a especialização do bem que se acha descrito e caracterizado fora do registro?
Suposto que o bem de domínio público prescinde dos efeitos do Registro, já que a propriedade não se constitui pelo registro, o seu ingresso no ofício predial, contudo, não se pode dar em potencial dano ou risco a terceiros. Devem ser ouvidos os confrontantes, já que o bem está localizado entre imóveis público e privado (cfr. certidões anexas) na quadra formada pelas ruas que se vêem na planta de fls. 26.
Aliás, uma das matrículas que foram aberturas neste Registro – a Matrícula 85.411, que tem por objeto bem público da Municipalidade de São Paulo – o foi em decorrência de sentença prolatada por Vossa Excelência no Processo 583.00.2004.112704-6 (CP 945/2004).
Entendo, Excelência, em aplicação analógica do art. 213 e seguintes da Lei, que a abertura de matrícula do imóvel em tela poderá dar-se com a especialização objetiva do bem, sendo necessário, contudo, que se intimem os confrontantes para que se manifestem em relação à pretensão estatal, como aliás se deu no caso referido do Processo 583.00.2004.112704-6 (CP 945/2004), onde os confrontantes foram ouvidos.
Além disso, devem ser perfeitamente especializados os bens acessórios que se acham edificados no terreno. O memorial de fls. 25 refere-se unicamente ao imóvel, mas sabe-se, por informações constantes do processo, que há edificações erigidas sobre ele.
Essas são as informações que presto a Vossa Excelência – o que sempre fazemos com o devido respeito e devido acatamento.
São Paulo, 12 de abril de 2010.
Sérgio Jacomino
5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo.