0002126-29.2014.8.26.0100. Adjudicação – indisponibilidade de bens – Fazenda Nacional.
À Exma. Sra.
Dra. Tânia Mara Ahualli,
MM. Juíza da 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo
São Paulo.
Suscitação da dúvida – Protocolo 271.697
Interessado: MAL
Adjudicação. Penhora da Fazenda Nacional inscrita – indisponibilidade legal. Registrada a adjudicação oriunda de execução trabalhista e não cancelada penhora anterior à FN, permanecem os efeitos de indisponibilidade voluntária a impedir a alienação pelo adjudicante.
- Processo 0002126-29.2014.8.26.0100 – sentença – homologação da desistência da ação
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973 e em atenção ao requerimento expresso anexo, vem suscitar dúvida, pelos motivos de fato e de direito abaixo indicados.
Aspectos preliminares
Foi-nos apresentada o incluso traslado de escritura pública lavrada pelo 13º Tabelião da Capital de São Paulo (livro 4.223, fls. 387 et seq.) pela qual WT e sua mulher MRRT alienaram a fração ideal de 0,69% do imóvel da Matrícula 36.017 a MAL.
O título foi prenotado sob número 271.697, em 5 de novembro, reapresentado no trintídio a 29.11.2013, com o pedido de suscitação de dúvida.
A prenotação 271.697 será mantida em vigor até solução final deste processo de dúvida, nos termos do art. 203 da Lei de Registros Públicos.
Indisponibilidade da Fazenda Nacional
O motivo impediente do acesso do título resume-se ao fato de remanescerem inscritas averbações de penhora em favor da Fazenda Nacional (FN), malgrado o fato de o imóvel ter sido adjudicado pelos ora alienantes e arrematado pela adquirente e interessada na dúvida.
A penhora da FN, até o momento não cancelada, mantém os bens em situação de indisponibilidade, nos termos do art. 53, § 1º da Lei 8.212/1991.
A interessada, por seu turno, não se conformou com a exigência e rogou a suscitação de dúvida. Em síntese, fundamenta sua irresignação nos seguintes pontos:
a) A indisponibilidade decorrente da penhora da FN não alcançaria os adquirentes em hasta pública, já que a aquisição não mantém qualquer vínculo com a antiga executada. Os adquirentes não são partes no processo que originou as penhoras da FN.
b) Assim não fosse, e o registrador não poderia ter registrado antecedentemente a adjudicação em favor dos ora alienantes;
c) Não se poderia falar em ineficácia da alienação em face da FN, já que os seus créditos teriam sido solvidos pelo produto da arrematação – art. 153, § único do CTN [sic. O correto seria, eventualmente, o art. 130 § único do CTN].
Vamos responder aos argumentos e ao mesmo tempo apresentar as razões pelas quais sustentamos que a alienação voluntária, representada pela escritura anexa, não pode, por ora, ser registrada.
A ultratividade da indisponibilidade decorrente de penhora da FN
Em primeiro lugar, é preciso destacar que a fração ideal, que ora se pretende ver alienada, veio a domínio dos alienantes por adjudicação em hasta pública, em execução trabalhista, nos termos do R. 55 da M. 36.017.
A adjudicação não é modo originário de aquisição. Diferentemente da arrematação, os ônus regularmente inscritos não se veem afetados pela aquisição pela via da adjudicação a exemplo do que ocorre na hipótese estrita da arrematação (art. 130, § único do CTN). Tais ônus, enquanto não cancelados, produzem todos os efeitos legais. Impera, no caso, a regra do art. 252 da Lei 6.015, de 1973:
Art. 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.
Anote-se, de passagem, que a expressão “registro”, ocorrente no caput do dito artigo de lei, referir-se-á a todo e qualquer ato de inscrição, abarcando, naturalmente, as averbações e anotações. Em reforço da tese, bastaria cogitar que as hipóteses de cancelamento abrangem, no texto da lei, a “qualquer dos atos do registro” (art. 249 da LRP), nos modos estereotipados no art. 250 da mesma Lei.
As indisponibilidades que decorrem das penhoras inscritas e não canceladas irradiam seus efeitos erga omnes e alcançam, naturalmente, os sub-adquirentes da executada originária.
Aliás, essa é a orientação que se pode colher em recente precedente do Conselho Superior da Magistratura. Trata-se da Ap. Civ. 0003288-37.2009.8.26.0358, de Mirassol, interposta contra decisão anterior que havia reconhecido a impossibilidade de se proceder a registro de escritura pública de compra e venda em virtude de indisponibilidade do bem decorrente de penhora do INSS (note-se: trata-se do mesmo fundamento legal). Os apelantes batiam-se pelo registro da compra e venda fundados no fato de o imóvel ter sido adquirido anteriormente, em hasta pública.
A permanência do registro da penhora em execução fiscal movida pelo INSS, consoante legislação vigente à época, anterior à Lei n. 11.382/06 [o relator estará a destacar o fato de ser sido registrada a penhora e não simplesmente averbada], impede a alienação voluntária, pois, ocorre indisponibilidade do bem nos termos do art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91: ‘Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis’.
Ainda que seja possível a compreensão da não incidência dessa norma jurídica no caso de alienação forçada, a hipótese dos autos encerra alienação voluntária, essa sem dúvida impedida pela disposição legal referida.
O registro da transmissão da propriedade ao vendedor por força de arrematação em hasta pública havida na Justiça do Trabalho por si só não tem o condão de cancelar a penhora existente em favor do INSS, é necessário ordem judicial da Justiça Federal para o levantamento da penhora. (Ap. Civ. 0003288-37.2009.8.26.0358, Mirassol, j. 19.7.2012, Dje 25.9.2012, rel. des. José Renato Nalini).
Sobre o fato de a adjudicação, decorrente de execução judicial, não representar um modo originário de aquisição, assim já se manifestou o STJ no RESp. 1.179.056-MG:
Na adjudicação, a mutação do sujeito passivo não afasta a responsabilidade pelo pagamento dos tributos do imóvel adjudicado, uma vez que a obrigação tributária propter rem (no caso dos autos, IPTU e taxas de serviço) acompanha o Bem, mesmo que os fatos imponíveis sejam anteriores à alteração da titularidade do imóvel (arts. 130 e 131, I, do CTN). (RESp. 1.179.056-MG, (j. 7.10.2010, DJe 21.10.2010, rel. min. Humberto Martins)
O fato importante a ser destacado neste passo – e respondendo especificamente aos argumentos levantados pelo interessado – é que a alienação, em hasta pública, será simplesmente ineficaz em relação às penhoras regularmente inscritas e não canceladas.
Peço vênia para citar outro precedente do STJ:
EXECUÇÃO. ARREMATAÇÃO. EXISTÊNCIA DE PENHORA ANTERIOR, REALIZADA EM OUTRO PROCESSO E REGISTRADA ANTERIORMENTE À PENHORA DE QUE SE ORIGINOU A ARREMATAÇÃO. CANCELAMENTO DA PENHORA ANTERIOR, INDEFERIMENTO, DADA A INEFICÁCIA RELATIVAMENTE AO CREDOR-PENHORANTE, QUE NÃO INTIMADO PARA A HASTA PÚBLICA EM QUE OCORREU A ARREMATAÇÃO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1 – A averbação da penhora registrada com anterioridade não se cancela no caso de arrematação cuja hasta pública tenha se realizado sem intimação do anterior credor-penhorante;
2 – Ineficácia da arrematação relativamente ao credor-penhorante com penhora anteriormente inscrita não intimado para a hasta pública em que adquirida a propriedade pelo arrematante.
3 – Possibilidade de opção, pelo credor-penhorante não intimado, pela preferência no recebimento do crédito, em concurso de preferências, ou pelo novo praceamento do bem em hasta pública que providencie, conquanto transcrito o bem em nome do arrematante, dada a ineficácia da aquisição relativamente ao aludido credor-penhorante, com penhora anterior averbada no Registro de Imóveis.
4 – Recurso Especial, que visou ao cancelamento da averbação da penhora, improvido. (RESP 1.122.533-PR, j. 12.5.2012, DJ. 11.6.2012, rel. min. Sidnei Beneti).
Esclareça-se um ponto fundamental para se compreender perfeitamente a aplicabilidade do aresto acima citado ao caso concreto. A intimação do credor – seja hipotecário ou com penhora averbada anteriormente (art. 698 do CPC) é providência de caráter processual e dá-se sob a direção do Juízo. Não compete ao registrador verificar o preenchimento de formalidades processuais – como notificação de credores com penhoras anteriormente averbadas (Processo CGJSP 2.903/2006, São Paulo, dec. de 4.9.2012, Dje 20.9.2012, dec. des. José Renato Nalini).
Posto isso, fácil compreender que as penhoras inscritas e não canceladas são oponíveis a todos os terceiros. Cessa a eficácia desses gravames com a ordem judicial de cancelamento.
Por fim, ainda respondendo aos argumentos apresentados pela interessada (item “b”, supra), calha observar que há muito tanto o V. Conselho Superior da Magistratura, quanto a Eg. Corregedoria-Geral de Justiça, têm entendido que a indisponibilidade de bens inscrita colhe apenas a alienação voluntária do executado.
Portanto, a indisponibilidade decorrente do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212/91 incide tão-somente sobre a alienação voluntária e não sobre a forçada, como no caso de penhora, adjudicação ou arrematação judiciais. Cite-se, brevitatis causa e com indicação de precedente do STJ: Ap. Civ. 0013197-92.2012.8.26.0554, Santo André, j. 18.4.2013, Dje de 24.5.2013, rel. des. José Renato Nalini. Em reforço da posição deste Registro, cite-se, também, o artigo 22 do Provimento CG 13/2012:
Art. 22 – As indisponibilidades averbadas nos termos deste Provimento e as decorrentes do §1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a alienação, oneração e constrições judiciais do imóvel. (Provimento CG 13/2012 de 11.5.2012, Dje de 14.5.2012).
No STJ é idêntica a orientação. Destaco da ementa oficial o seguinte:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEL PENHORA. INDISPONIBILIDADE. ART. 53, § 1º, DA LEI 8.212/91. NOVA PENHORA EM OUTRO PROCESSO. POSSIBILIDADE. ARREMATAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO CREDOR HIPÓTECÁRIO. EFICÁCIA DO ATO FRENTE AO EXECUTADO E AO ARREMATANTE. ALIENAÇÃO JUDICIAL DE BEM PENHORADO. LAPSO TEMPORAL RAZOÁVEL ENTRE A AVALIAÇÃO DO BEM E A HASTA PÚBLICA. REAVALIAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE. SIMPLES ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.
1. A indisponibilidade de que trata o art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91 refere-se à inviabilidade da alienação, pelo executado, do bem penhorado em execução movida pela Fazenda Pública, o que não impede recaia nova penhora sobre o mesmo bem, em outra execução. Precedentes.
2. Não há impedimento algum a que sobre o mesmo bem recaia nova penhora, desde que garantido o crédito da Fazenda Nacional. Precedentes. (REsp. 126.9474-SP, 3ª turma, j. 6.12.2011, DJe 13.12.2011, min. Nancy Andrighi).
No mesmo sentido: REsp. 769.121-SP, j. 8.11.2005, DJ 21.11.2005, 2ª turma, min. Castro Meira. REsp 615.678 / SP, j. 24.8.2005, DJ 19.9.2005, 2ª turma, min. Eliana Calmon.
Submeto à apreciação de Vossa Excelência o pedido e as razões de denegação do registro, devolvendo a qualificação registral do título anexo.
São Paulo, Dezembro de 2013.
Sérgio Jacomino,
Registrador.