0004467-28.2014.8.26.0100. União – emolumentos
À Exma. Sra.
Dra. Tânia Mara Ahualli,
MM. Juíza da 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo
São Paulo.
Processo 0004467-28.2014.8.26.0100 – Protocolo 273.500 – de 20.1.2014.
Interessado: Secretaria de Patrimônio da União.
- Vide informação anterior.
- Processo 0004467-28.2014.8.26.0100 – sentença.
Emolumentos – União. Informa ao R. Juízo a prática do ato e os valores resultante do cálculo de emolumentos devidos. Princípio de legalidade – isonomia. Os emolumentos são espécie de tributo, compulsório e sua cobrança representa uma atividade vinculada. Não pode o registrador, a seu talante, conceder descontos ou isenções.
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, vem respeitosamente prestar as seguintes informações a Vossa Excelência:
Prática do ato em obediência à liminar concedida
Em 19 de maio de 2014 procedemos à abertura da Matrícula 91.890 (com origem na Transcrição 69.501) lavrando o R.2 de concessão de direito real de uso resolúvel em favor da Unificação de Lutas de Cortiços – tudo independentemente de pagamento dos emolumentos que reputamos devidos. Segue reprodução da matrícula expedida em forma de certidão.
Cálculo de emolumentos
Na mesma data procedemos ao cálculo dos emolumentos devidos pela prática do ato de registro, considerando como base de cálculo o valor de referência lançado pela municipalidade – R$ 12.521.435,00.
O valor total de emolumentos importou em R$ 13.097,29 (cópia do cálculo anexa).
Assimetria interpretativa, descontos e reduções ilegais
Pelas informações prestadas pela ARISP às fls. 74 e 75 dos autos, constata-se a divergência no entendimento dos registradores paulistanos acerca dos procedimentos de cobrança adotados para casos que tais. Esta divergência indica um fato curioso: os que praticam a inscrição graciosamente o fazem “por mera liberalidade do oficial” (informação da ARISP, p. 74).
Salvo melhor juízo, o registrador não pode, a seu talante – e por mais nobres que sejam os seus propósitos – conceder isenções, descontos ou mesmo deliberar ad libitum quaisquer reduções ou acréscimos nos emolumentos. E isso pelas seguintes razões:
a) Os emolumentos remuneratórios dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro têm natureza jurídica de taxas (brevitatis causa: Adin 1.378-ES, Adin 1444-7-PR, dentre muitos outros precedentes);
b) As taxas são espécies de tributo e representam a prestação pecuniária instituída por lei com caráter compulsório e arrecadadas mediante atividade vinculada (art. 3º do CTN).
Tanto o contribuinte quanto a autoridade pública – mesmo o Judiciário – se acham estritamente vinculados ao princípio da legalidade. Não tem o registrador liberdade para apreciar a conveniência nem a oportunidade de agir nesses casos concretos.
Esta parece ser a voz corrente da doutrina. Peço vênia para citar Hugo de Brito Machado:
Dizendo o CTN que o tributo há de ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, quer significar que a autoridade administrativa não pode preencher com seu juízo pessoal, subjetivo, o campo de indeterminação normativa, buscando realizar em cada caso a finalidade da lei.
Para acrescentar logo em seguida:
(…) ressalta, claro, do conceito de tributo que a cobrança há de ser feita na oportunidade, pela forma e pelos meios estabelecidos na lei, sem que à autoridade caiba decidir se cobra de fulano e deixa de cobrar de beltrano, por este ou por aquele motivo. Ou o tributo é devido, nos termos da lei, e neste caso há de ser cobrado, ou não é devido, também nos termos da lei, e neste caso não será cobrado (Machado, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 27ª ed. 2006, p. 82).
Além disso, impera neste âmbito do direito tributário o princípio da isonomia. A Carta Política veda a instituição de tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação jurídica semelhante (art. 150, II da CF), Nesse sentido a doutrina. Por brevidade: Roque Carrazza (Curso de direito constitucional tributário. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 377).
A Jurisprudência veda desconto ou isenção à margem da lei
A jurisprudência não discrepa desse entendimento. A questão tormentosa dos descontos emolumentares se torna muito nítida na atividade notarial, por implicar, na mor parte dos casos, concorrência predatória. Tanto assim que as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça consagram dispositivo vedando a prática de descontos:
A competição entre os Tabeliães de Notas deve ser leal, pautada pelo reconhecimento de seu preparo e de sua capacidade profissional e praticada de forma a não comprometer a dignidade e o prestígio das funções exercidas e das instituições notariais e de registro, sem utilização de publicidade individual, de estratégias mercadológicas de captação de clientela e da intermediação dos serviços e livre de expedientes próprios de uma economia de mercado, como, por exemplo, a redução de emolumentos”. (NSCGJSP. Cap. XIV, item 3.1).
A questão não passou despercebida da Eg. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo muito antes de consagrar o dispositivo em suas Normas de Serviço. Em caso emblemático, o órgão censório enfrentou o problema recorrente dos descontos nos valores de emolumentos, acarretando o fenômeno de concorrência predatória. Em parecer aprovado pelo Sr. Corregedor Geral da Justiça, o parecerista, Dr. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, não hesitaria ao considerar o desconto no valor dos emolumentos “de qualquer maneira injurídico”. E acrescenta: “a julgar serem taxa os emolumentos percebidos pelos serventuários extrajudiciais, então esta mesma natureza tributária impede, sem qualquer previsão legislativa, pretendida redução ao alvedrio de quem os arrecada”. E concluiu – com inteira pertinência ao caso aqui tratado:
Com efeito, se se tem a em vista uma taxa, não cabe ao serventuário, que as cobra, reduzir, a seu mero talante, o valor dos emolumentos, inclusive para um universo que não seja de todos os usuários (Processo CG 13.752/1995, São Paulo, decisão de 28.6.1995, DJ de 4.7.1995, des. Antônio Carlos Alves Braga).
Alguns anos depois, a mesma Corregedoria Geral voltaria a enfrentar o tema dos descontos emolumentares – agora no âmbito dos Registros Públicos –, em parecer oferecido pelo magistrado Dr. José Antônio de Paula Santos Neto (Processo CG 39.948/2004, de 14.12.2004). Nesta peça, o magistrado fere um aspecto relevante. Peço vênia para o destacar por inteira aplicabilidade ao caso concreto. Ao consignar que a integralidade da cobrança é um imperativo de ordem legal, acena para a necessidade de se estabelecer um sentido de uniformidade na prestação dos serviços no Estado de São Paulo, cuja fiscalização é mister cometido à Eg. Corregedoria Geral. Diz o magistrado:
“Caminho diferente não se concebe, mesmo porque, do contrário, restaria maculada a uniformidade do serviço prestado no Estado de São Paulo, delineando-se quadro confuso, fragmentário e de difícil assimilação, com cada delegado impondo seus padrões pessoais, na medida de seu apetite e de seu respaldo econômico, de modo a ultrapassar os lindes da concorrência sadia para arregimentar clientela”. (id. Ibidem).
Pondere-se, por fim, que embora não exista, a rigor, concorrência nos registros prediais da Capital de São Paulo, a concessão de descontos à margem da lei acaba por inocular o germe da controvérsia no âmbito dos cartórios paulistanos. É intolerável admitir que em alguns cartórios o contribuinte goza de isenção e em outros não. Com a falta de um critério uniforme, delineia-se um “quadro confuso, fragmentário e de difícil assimilação”, como anotou precisamente o magistrado.
O que se deve buscar, sempre, é a isonomia em homenagem à uniformidade e ao princípio da legalidade.
A propósito: o que diz a lei?
Além das extensas considerações já lançadas neste processo, no sentido de que são devidos os emolumentos quando a parte interessada seja a União Federal, calha registrar que a própria Lei 8.935, de 1994, prevê em seu artigo 30, inciso VIII, a obrigação do oficial de registro “observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício”.
Note-se: estamos diante de uma obrigação, não de uma mera faculdade – como aliás não poderia deixar de ser, considerando-se a natureza dos emolumentos. O registrador não pode, a seu critério, alterar para mais o valor dos emolumentos a que faz jus. Mas é igualmente importante destacar: nem para menos. A Lei 11.331/2002, em seu artigo 30, dispõe:
Artigo 30 – Contra a cobrança, a maior ou a menor, de emolumentos e despesas devidas, poderá qualquer interessado reclamar, por petição, ao Juiz Corregedor Permanente (grifo nosso).
Mesmo que se admita, ad argumentandum, que o Oficial de Registro possa conceder, “por mera liberalidade”, tais descontos, isto não o eximiria de lançar os valores correspondentes no Livro Caixa, com o recolhimento devido de imposto de renda (item 50, Cap. XIII das NSCGJSP).
Conclusões
- Embora o beneficiário do direito inscrito seja a ULC – Unificação das Lutas de Cortiços, o pedido de registro foi formulado por interesse da União Federal, conforme consta do ofício 36/2014, endereçado a este registro e que se acha apensado aos autos. Nesse caso, manifestando expressamente o seu interesse no registro, a União deve arcar com os respetivos emolumentos, nos termos do art. 11 da Lei Estadual 11.331, de 2002 cc. art. 14 da Lei 6.015/1973.
- Entendemos que a União Federal não goza de isenção dos emolumentos, nos termos do art. 8º da Lei de Custas e Emolumentos paulista. Corrobora o nosso entendimento as decisões da Eg. Corregedoria Geral da Justiça, citadas anteriormente, e a melhor doutrina – como também demonstrado.
- Os Oficiais não podem conceder descontos a seu talante, sob pena de infringir o princípio de isonomia e de legalidade. É o que se conclui do artigo 30, inciso VIII, da Lei 8.935, de 1994, que fixa a obrigação do oficial de registro de “observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício”. No mesmo sentido o art. 30 da Lei 11.331/2002.
Pedidos finais
O nosso compromisso é cobrar os emolumentos justos – tal e como previsto na lei de regência. Entendendo Vossa Excelência que neste caso concreto são devidos os emolumentos, requeiro que intime os interessados para providenciar o pagamento do montante de R$ 13.097,29. Nesse caso, ainda, requeiro que Vossa Excelência possa estabelecer as normas técnicas para que os demais ofícios prediais, de modo homogêneo, possam cobrar os emolumentos como a lei prevê (art. 30, XIV, da Lei 8.935;1994).
Entendendo diversamente, este Cartório cumprirá as superiores determinações de Vossa Excelência.
São Paulo, 30 de maio de 2014.
SÉRGIO JACOMINO
Oficial Registrador