1055810-46.2014.8.26.0100. partilha – meação
À Exma. Sra.
Dra. TÂNIA MARA AHUALLI,
MM. Juíza da 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo São Paulo.
Protocolo 276.918 – MAM (p.p. CMA)
Meação – partilha. Os bens pertencentes ao de cujus em comunhão com o seu cônjuge “devem ser relacionados integralmente, e não apenas a parte ideal que lhe pertencia”.
- Processo 1055810-46.2014.8.26.0100 – Sentença julgada extinto o processo.
SÉRGIO JACOMINO, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo ao requerimento formulado por MAM, por sua procuradora, Dra. CMA, vem suscitar dúvida, pelos fatos e fundamentos a seguir deduzidos.
Procedimentos preliminares
Foi apresentado a registro o formal de partilha extraído dos autos de inventário de LAP. O título foi sucessivamente prenotado para cumprimento de exigências até que, pelo protocolo 276.918, o título reingressou com o pedido de suscitação de dúvida firmada pela ilustre advogada, veiculando sua irresignação com só uma das exigências, abaixo discutida.
A prenotação permanecerá em vigor até solução deste processo de dúvida, nos termos do art. 2013 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 1973).
Partilha de meação
Os proprietários eram titulares da fração ideal de 1,58730% dos imóveis das matrículas 5.865 e 65.663, deste Registro. A questão, posta em debate, cinge-se exclusivamente à necessidade de se levar à partilha o patrimônio comum do casal e não a meação da de cujus, LAP, com quem o inventariante e herdeiro era casado pelo regime da comunhão geral de bens, equivalente à comunhão universal de bens no Brasil, como esclarece a chanceler do Consulado Geral de Portugal no Brasil (documento anexo).
A ilustre advogada bate-se pelo acerto da partilha, reiterando o argumento de que o monte partível deve se referir unicamente à parte que, segundo ela, cabia à inventariada, já que a outra metade já lhe cabia por força do regime de bens matrimonial.
Entendemos de forma distinta, com a devida vênia.
Em primeiro lugar, destaque-se o art. 1.784 do Código Civil, que prevê que, aberta a sucessão, a herança se transmite, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Até a partilha, forma-se, então, uma universalidade de bens que se extinguirá na divisão, com a atribuição dos quinhões aos herdeiros necessários e testamentários e ao cônjuge supérstite, nos termos do art. 993, IV, do CPC.
Todos os bens do espólio devem ser arrolados e inventariados, não se extremando a meação, cujo pagamento se dará com a partilha, nos precisos termos do art. 1.023, II, do mesmo CPC.
Por todos, colho as anotações precisas de Theotônio Negrão:
“Os bens pertencentes ao de cujus em comunhão com o seu cônjuge devem ser relacionados integralmente, e não apenas a parte ideal que lhe pertencia” (JTJ 337/37 (NEGRÃO. Theotônio et alii. Código de Processo Civil… São Paulo: Saraiva, 43ª ed., 2011, p. 1.013).
Até a consumação efetiva da partilha, os bens mantêm-se íntegros no acervo hereditário compondo o monte-mor, sujeitando-se, igualmente, aos descontos e abatimentos declarados no esboço para que se possa chegar, finalmente, ao monte partível. Só então será extremada a meação, que não é herança, embora integre o acervo.
Comentando o momento da partilha, Hamilton de Moraes e Barros registra que somente após as deduções legais é que se fará a determinação da meação. E segue:
Ressalte-se que a meação do cônjuge sobrevivente não é herança. Já era dele. Trata-se, tão somente, de separar o que já lhe pertencia, isto é, a parte que tinha na sociedade conjugal desfeita com a morte do outro cônjuge. A metade ideal que o cônjuge tem no patrimônio comum do casal vai ser agora metade concreta, traduzida na propriedade plena e exclusiva dos bens que, na partilha, lhe forem atribuídos. (Barros. Hamilton de Moraes e. Comentários ao CPC, Vol. IX, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 318).
Parece lógico que assim seja. Ad absurdum, argumenta-se: poderia o cônjuge alienar a sua parte ideal antes da partilha – que é espécie de divisão de um patrimônio indiviso?
Evidentemente que não. A propriedade do casal não se acha submetida às regras do condomínio civil. A parte de cada um somente se divide com a partilha – seja causa mortis, seja sucessiva à dissolução do vínculo matrimonial.
Por fim, nos termos do art. 237 da Lei 6.015/1973, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro. Explica-se: sem a partilha, o cônjuge não pode dispor do bem, embora a causa adquirendi tenha ocorrido antes.
Mancomunhão
Em virtude do regime de bens adotado no casamento, a aquisição da fração ideal de 1,58730% dos imóveis das ditas matrículas se deu pelo casal, ingressando nesta sociedade sui generis e integrando o acervo patrimonial no estado mancomunhão. Pontes de Miranda leciona:
“Tudo o que está e que entra para o acervo dos bens do casal fica indistintamente, como se fora possuído ou adquirido, ao meio, por cada um: os bens permanecem indivisos na propriedade unificada dos cônjuges, a cada um dos quais pertence uma metade imaginária, que só se desligará da outra quando cessar a sociedade conjugal”.
Segue o autor:
A situação dos cônjuges é a de verdadeiros condôminos ou societários, razão por que – dissolvida a sociedade conjugal – se procede à divisão dos bens, pela ação communi dividundo”. (MIRANDA. Pontes de. Direito de Família. Rio de Janeiro: Jacyntho Ribeiro dos Santos ed., 1917, p.146).
“Marido e mulher” – diz em outra passagem o mesmo Pontes de Miranda, “nos regimes em que há bens do casal, ficam na situação jurídica de sócios, e tais bens pertencem à sociedade conjugal e não propriamente a eles. Terminada tal sociedade sui generis, é mister proceder-se à partilha, o que se faz, em consequência da indivisão da massa” (MIRANDA. Pontes de. Tratado de Direito de Família. Vol. II, São Paulo: Max Limonad, 3ª ed., 1947, p. 251, n. 8).
A natureza sui generis desse condomínio afasta-se do condomínio civil, já que o patrimônio comum se mistura indissoluvelmente, vedado a qualquer dos cônjuges ceder a sua parte sem extinguir a comunhão, o que decorreria da dissolução do vínculo conjugal mortis causa ou separação ou divórcio.
Jurisprudência
Há inúmeros precedentes do Conselho Superior da Magistratura. Peço vênia para citar o que restou decidido na Apelação Cível n.º 458-6/1, de 6.12.2005, no voto de lavra do des. José Mário Antonio Cardinale, Corregedor Geral da Justiça à época:
Com efeito, se é certo que o direito do cônjuge supérstite à meação deriva do regime matrimonial de bens e não sucessionis causa (cfr. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, v. VI, n. 446), não menos correto é que dessa premissa não se infere a divisão dos bens em frações ideais. Por isso que se forma uma comunidade hereditária (cfr. Theodor Kipp, Derecho de Sucesiones, t. V, v. II, § 114), que se ultima com o desfecho do processo sucessório.
A comunhão decorrente do casamento é pro indiviso. Ou seja, a parcela ideal pertencente a cada cônjuge não pode ser destacada, o que somente ocorre quando dissolvida a sociedade conjugal.
Em sendo a morte a causa da extinção do casamento e da comunhão, a metade só se extremará com a partilha, posto que indivisível antes dela.
Ensina Afrânio de Carvalho que não importa que, em se tratando de cônjuge sobrevivente casado no regime da comunhão de bens, metade do imóvel já lhe pertença desde o casamento, porque o título reúne essa parte ideal, societária, com a outra, sucessória, para recompor a unidade real do de cujus. A partilha abrange todo o patrimônio do morto e todos os interessados, desdobrando-se em duas partes, a societária e a sucessória, embora o seu sentido se restrinja por vezes à segunda. Por isso, dá em pagamento ao cônjuge sobrevivente ambas as metades que lhe caibam, observando dessa maneira o sentido global da operação, expressa na ordem de pagamento preceituado para o seu esboço, a qual enumera, em segundo lugar, depois das dívidas, a meação do cônjuge e, em seguida, a meação do falecido que, na hipótese, passa também ao cônjuge (Registro de Imóveis, Forense, 3ª Ed., RJ 1982, pág. 281).
No mesmo sentido: Ap. Civ. 0081219-12.2012.8.26.0100, São Paulo, j. 06/11/2013, DJe 14/01/2014, rel. des.José Renato Nalini; Ap. Civ. 0016589-34.2012.8.26.0071, Bauru, j. 06/08/2013, DJe 24/10/2013, rel. des. José Renato Nalini; Ap. Civ. 0002532-60.2011.8.26.0648, Urupês, j. 07/02/2013, DJe 25/03/2013, rel. des. José Renato Nalini; Ap. Civ. 9000001-78.2012.8.26.0366, Mongaguá, j. 07/02/2013, DJe de 03/04/2013, rel. des. José Renato Nalini; Ap. Civ. 0000003-69.2010.8.26.0659, Vinhedo, j. 30/06/2011, DJe 24/08/2011, rel. des. Maurício Vidigal; Ap. Civ. 404-6/6, j. 8.6.05, rel. des. José Mário Antonio Cardinale,; Ap. Civ. 670-6/9, rel. des. Gilberto Passos de Freitas, j. 8.3.07; Ap Civ. 764-6/8, rel. des. Gilberto Passos de Freitas, j. 30.10.07; Ap. Civ. 976-6/5, rel. des. Ruy Camilo, j. 2.12.08, dentre muitas outras.
Título judicial – qualificação
A origem judicial do título não o extrema do poder-dever de qualificação registral (STF. HC 85.911-9, Minas Gerais, j. v.u., 25/10/2005, DJ 02/12/2005, rel. ministro Marco Aurélio). Em São Paulo: AC 87-0, São Bernardo do Campo, j. 29.12.1980, DOE de 22.1.1981, rel. Adriano Marrey→ AC 993-0, Iguape, j. 11.5.1982, DO de 1.6.1982, rel. Bruno Affonso de André. → AC 22.417-0/4, Piracaia, j. 31.8.1995, DOE 31.5.1996, rel. Antônio Carlos Alves Braga; → AC 681-6/9, Jundiaí, j. 26.4.2007, DJE de 29.6.2007, rel. Gilberto Passos de Freitas. → AC 801-6/8, Suzano, j. 14/12/2007, DOE de 18.2.2008, rel. Gilberto Passos de Freitas. → AC 0034631-29.2010.8.26.0451, Piracicaba, j. 27.10.2011, DJE de 13.1.2012, rel. Maurício Vidigal.
As decisões proferidas em processo de inventário ostentam o caráter de jurisdição voluntária, consoante doutrina majoritária, já que eventual disputa entre os sucessores não é pressuposto, mas evento ocasional no curso do processo. Este aspecto se confirma pela faculdade de se realizar a partilha pela via tabelioa (Lei 11.441, de 4.1.2007).
Eventual erronia pode ser corrigida facilmente pela via judicial ou extrajudicial, sendo o herdeiro, neste caso, maior e capaz. Aliás, a hipótese de equívoco no esboço apresentado pelo inventariante ficou ressalvado na R. decisão homologatória de fls. 574 dos autos.
Conclusão
Os bens do casal devem ser levados a partilha quando, então, se extremará a parte cabente ao cônjuge supérstite.
Os bens pertencentes ao de cujus em comunhão com o seu cônjuge “devem ser relacionados integralmente, e não apenas a parte ideal que lhe pertencia” (JTJ 337/37 (NEGRÃO. Theotônio et alii. Código de Processo Civil… São Paulo: Saraiva, 43ª ed., 2011, p. 1.013).
Devolvo a Vossa Excelência a qualificação do título, com o devido respeito e acatamento.
São Paulo, 16 de junho de 2014.
SÉRGIO JACOMINO
Oficial Registrador.