Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

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1055717-83.2014.8.26.0100. cessão de direitos hereditários

À Exma. Sra.
Dra. TÂNIA MARA AHUALLI,
MM. Juíza da 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo São Paulo.

Processo 1055717-83.2014.8.26.0100 – Protocolo 276.050 – Cláudia Telles de Paula.

Processo 1055717-83.2014.8.26.0100 sentença

Cessão de direitos hereditários. O título não merece ingresso diretamente como venda e compra se os cessionários não provarem o destino do patrimônio na sucessão.

SÉRGIO JACOMINO, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo ao requerimento formulado por Cláudia Telles de Paula, vem suscitar dúvida, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973.

Procedimentos preliminares

O título foi prenotado sob número 276.050. A prenotação se manterá íntegra até solução final deste processo, nos termos do art. 203 da Lei 6.015, de 1973.

Título judicial – formação

O título judicial está mal formado. Não se cumpriram as regras estampadas no art. 221 do Cap. IV, subseção XIII das Normas de Serviço da CGJSP, Tomo I, Ofício de Justiça. Peço vênia para destacar o referido dispositivo:

Art. 221. Ao expedir formais de partilha, cartas de sentença, de adjudicação, de alienação e de arrematação, mandados de registro, de averbação e de retificação, alvarás e documentos semelhantes, destinados aos Serviços Notariais e de Registro, o escrivão judicial autenticará e conferirá as peças que os formam e certificará a autenticidade da assinatura do juiz que subscreveu o documento, indicando-lhe o nome, o cargo e o exercício no juízo.

§ 1º Deles constarão a indicação do feito de que extraídos e, constituindo um conjunto de cópias ou reproduções de peças de autos de processo, possuirão termos de abertura e encerramento, com a numeração de todas as folhas, devidamente rubricadas pelo escrivão judicial, e indicação do número destas, de modo a assegurar ao executor da ordem, ou ao destinatário do título, não ter havido acréscimo ou subtração de peças ou folhas integrantes.

O título apresentado não contém termo de abertura, nem de encerramento na ordem lógica; não se cuidou de numerar as páginas, evitando-se interpolação (que parecer ter havido por autenticação do ofício judicial em data anterior à expedição da carta); não há clara indicação à descrição dos bens adjudicados (o magistrado alude às fls. 75 e noutro passo às fls. etc.).

O título bem formado, além de conferir segurança jurídica, permite o exame por todos os destinatários, especialmente pelos oficiais do foro extrajudicial.

Embora mal formado – por ter sido desfalcado ou por não conter as peças devidamente numeradas e ordenadas –, é possível, ainda assim, com certa margem de segurança, aferir que o objeto da adjudicação é 50% do imóvel objeto da Matrícula 45.220, deste Registro.

Cessão de direitos hereditários

Depois de sucessivas prenotações, os interessados cumpriram em parte as exigências que haviam sido formuladas a 22.10.2013 por este Registro.

A questão fulcral a impedir o acesso do título pode ser assim expressa: a cessão de direitos hereditários não merece ingresso direto no registro, devendo ser apresentada ao juízo do inventário respectivo.

Neste caso concreto, a cessão de direitos hereditários foi formalizada no dia 6 de maio de 2002. Ocorre que a fração ideal do cessionário já lhe havia sido atribuída, a título de partilha, no ano de 1997 (R. 5/45.220).

Na escritura de cessão de direitos hereditários (lavrada no 22º Tabelião de Notas de SP, livro 3.410, fls. 138) Américo Gorelli comparece no estado civil de viúvo (óbito do cônjuge: 23/10/1998). Já na partilha decorrente da sucessão de Amélia o cedente recebeu seu quinhão no estado civil de casado. É certo que recebeu no estado civil de casado sob o regime da separação obrigatória de bens e, teoricamente, admite-se, por presunção, que o cônjuge não terá contribuído economicamente para a aquisição deste bem singular.

Contudo, a tendência da jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de considerar relevante a participação indireta do cônjuge na formação do patrimônio. O que deve prevalecer, é “é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal”. (REsp nº 736.627/PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 11.04.2006). Destaco do voto do pranteado ministro o seguinte:

Restaria, ainda, nesse primeiro aspecto, examinar a questão da Súmula nº 377 no que concerne ao esforço comum como requisito para que se admita a partilha. Reitero o meu convencimento de que não há razão alguma para que se faça tal exigência. A participação é direta ou indireta, não apenas financeira, mas, também, a solidariedade existente na vida comum, o esforço de cada qual na manutenção da vida familiar, o amor que sustenta o existir da comunhão, tudo contribuindo decisivamente para que se construa o patrimônio.

Em outras palavras, embora este bem singular tenha sido adquirido em virtude de sucessão, o patrimônio do casal, formado na constância do casamento (que terá durado 17 anos – cfr. certidão de óbito de Rosa) pode abarcar outros bens suscetíveis de partilha. Com o falecimento de Rosa, o patrimônio do casal passa a integrar universalidade de bens que só a partilha pode perfeitamente discriminar e repartir com a participação de todos os eventuais herdeiros.

Jurisprudência

Não se desconhece a orientação jurisprudencial paulista que admite a recepção de escrituras de cessão de direitos hereditários como se fossem verdadeiras compras e vendas (por todas: Processo 0068806-30.2013.8.26.0100, São Paulo, j. 20/01/2014, DJe 30/01/2014, Juíza dra. Tânia Mara Ahualli).

Mas é preciso observar que este entendimento, por representar a superação da forma para se alcançar a real vontade das partes, deve ser admitido de maneira estrita. Não se aplica tout court a situações em que possa haver alguma dúvida.

Enfim, as circunstâncias especiais deste caso concreto recomendam maior cautela, já que se tem conhecimento do falecimento de Rosa sem que se saiba se foi aberto ou não o seu inventário, se os bens do casal foram arrolados, se houve ou não partilha. Aliás, tudo indica que a de cujus era filha de Rosa.

Enfim, o correto seria levar a cessão de direitos hereditários ao processo de inventário de Amélia – como aliás reconhece a requerente – superando-se as questões sucessórias que o pré-falecimento da varoa pode suscitar. Isto não se fez, contudo. O próprio juiz do inventário da cessionária adverte os herdeiros para que regularizem a situação dominial da de cujus.

Estas são as razões da denegação do registro. Vossa Excelência poderá avaliar as circunstâncias do caso concreto, dando-lhe a decisão que merecer.

São Paulo, junho de 2014.

Sérgio Jacomino

Registrador

Written by SJ

16 de junho de 2014 às 10:36 AM

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