Protocolo 278.035. União estável – partilha extrajudicial
NOTA TÉCNICA DO REGISTRADOR (NTR)
Protocolo 278.035
Apresentante: CRNS
Partilha extrajudicial. União estável. Inexistência de herdeiros ou legatários além do companheiro. Não é possível a lavratura de escritura pública de inventário extrajudicial quando o autor da herança não tenha outros herdeiros sucessíveis além do companheiro. A união estável deverá ser reconhecida em sede jurisdicional.
- Trata-se de adjudicação em inventário extrajudicial dos bens deixados por IA, lavrado por escritura pública de 10 de junho de 2014 (livro 3.011, fls. 157). O autor da herança acha-se qualificado como separado na matrícula 34068, deste Registro (R. 6 e R. 9/34.068). Por força de sucessão legítima recebeu a fração ideal de 25% do imóvel pelo falecimento de seu pai. A legítima foi onerada com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. Posteriormente, com o falecimento da mãe, receberia a parte restante, tornando-se proprietário da totalidade do bem, com as limitações das cláusulas referidas impostas sobre a fração ideal.
- Segundo consta do ato notarial, o de cujus não deixa testamento. Não deixa, tampouco, herdeiros legitimários. Na dita escritura foi declarado que sua única herdeira é MLS, com quem vivia em união estável desde 1991, conforme declaração firmada por ambos em julho de 2001, registrada no 3º RTD de São Paulo naquele ano.
- A pergunta que se faz é: pode ser reconhecida a união estável em sede administrativa para fins de sucessão? Penso que não. Vejamos em detalhe.
- A Resolução n. 35, do CNJ, que disciplinou a aplicação da Lei 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro, previu que o companheiro terá direito à sucessão, observada, porém, “a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável” (art. 18 da Resolução CNJ 35/2007).
- Já as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça (NSCGJSP) no Cap. XIV, item 112, reza exatamente o mesmo: “O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável”.
- Quid iuris? Não há previsão legal para se promover o inventário extrajudicial de companheiro que não tenha, antes, sido reconhecida a sua situação jurídica pelo Poder Judiciário.
- Há, ainda, outra questão interessante e que merece ser objeto de reflexão. As cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade impostas sobre a parte ideal adquirida por força da sucessão do pai não foram levantadas. São, portanto, eficazes, impedindo a comunicação e a meação na partilha, suposto não tenha havido contrato escrito afastando a presunção de comunhão parcial (art. 1.725 do CC).
- Além disso, nos termos do art. 1.790 do CC. a companheira “participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”, o que, como vimos, não aconteceu. Isto parece soar absurdo, pois, a rigor, na falta de parentes sucessíveis, os bens restariam jacentes. A doutrina busca contornar a reconhecida imperfeição do caput do referido art. 1.790, conjugando-o com o disposto no art. 1.844 do CC. Daí se poderá concluir que a herança referida no dito artigo não se limita aos aquestos, mas alcança, igualmente, os bens particulares.[1]
- Concluindo, não é possível reconhecer a união estável na via extrajudicial. Salvo melhor juízo, nem sequer a escritura poderia ter sido lavrada. Muito menos registrada.
- Não se conformando com este entendimento, a interessada poderá requerer a suscitação de dúvida, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973.
São Paulo, 30 de julho de 2014,
SÉRGIO JACOMINO, Oficial
[1] Para conhecer em detalhes a tese consultar: Antonini. Mário. Peluso. Cézar, coord. Código civil comentado. 7ª ed. São Paulo: Manole, 2013, p. 2.152.