Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

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1121162-48.2014.8.26.0100. locação – especialidade objetiva – Dupla garantia – caução e fiança – nulidade

À Excelentíssima Sra. Dra.
TÂNIA MARA AHUALLI,
Juíza de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo
Processo 1121162-48.2014.8.26.0100

Locação – especialidade objetiva. Dupla garantia – caução e fiança – nulidade. Especialidade objetiva.

Protocolos 279.977 e 279.978 – Interessado: CAXL.

Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, em atenção ao requerimento firmado pelos representantes do CAXL, vem representar a Vossa Excelência o pleito de averbação de aditamento de locações inscritas, mantidas as exigências e prenotações, conforme requerimento.

Especialidade objetiva

Foram-nos apresentados contratos de aditamento a locação que se acha inscrita nas matrículas 60.319, 64.006, 75.707, 78.903, todas deste Registro, para garantia do direito de preferência e cláusula de vigência (especialmente Av. 13 e R.14 da Matrícula 75.707).

O acesso dos títulos foi denegado em virtude do fato de que, no primeiro contrato de alteração e aditamento (datado de 8/10/2012), não se aludiu expressamente aos imóveis que também foram objeto da locação originária, matriculados sob números 60.319, 64.006 e 78.903.

Após a inscrição do contrato original, o prédio da matrícula 75.707 foi demolido (av. 15). Foram igualmente demolidos os prédios das Matrículas 64.006 (av. 31) e 78.903 (av. 33). Remanesce unicamente o prédio 437 da Rua Major Sertório (matrícula 60.319), que aparentemente não é objeto dos contratos impugnados.

Além disso, com base em levantamento cadastral, verificou-se que os números de inscrição no cadastro municipal foram cancelados, inaugurando-se um único e novo cadastro: 007.078.1446-4, fazendo presumir que, do estrito ponto de vista da situação física, os imóveis foram unificados e perfazem hoje um todo com a área de 1.098,00m2.

O fato digno de nota é que o prédio 414 da Rua Amaral Gurgel, referido na Matrícula 75.707, terá sido demolido e, sobre os imóveis desta e das outras matrículas, foi construído uma nova edificação que recebeu a mesma numeração predial (414 da Rua Amaral Gurgel).

O descompasso entre a situação física (espelhada pelo cadastro municipal) e a jurídica (refletida pelo Registro) leva à indeterminação do objeto da locação – o que, em tese, pode inocular o germe da insegurança jurídica.

Refutação das exigências

Os patronos da interessada batem-se pela averbação, sustentando, em síntese, que não haveria dúvida quanto ao objeto da locação. Segundo eles, o Registrador deveria presumir que, não havendo referência expressa da exclusão dos demais imóveis, o contrato original permaneceria em vigor e a averbação deveria ser feita nas demais matrículas. Cita, em abono de sua tese, o decidido na Ap. Civ. 635-6/0, cuja síntese decisória é a seguinte:  inexistindo qualquer dúvida de que o imóvel descrito no título se trata, realmente, do matriculado, resta respeitado o princípio da especialidade objetiva e o registro (ou averbação) poderia ser deferido.

Contudo, já não está claro qual seja o objeto da locação.

Com as mudanças físicas, tendo sido demolidos os prédios antigos e ocorrendo a presumível unificação de todos os imóveis – fatos que se provam com as demolições averbadas em cotejo com os dados cadastrais –, não se sabe ao certo qual matrícula deverá acolher as averbações perseguidas. Tal circunstância é realçada pelo fato de que nos contratos impugnados já não há referência expressa às matrículas originais, mas tão somente à M. 75.707, que já não comporta sequer a acessão, demolida, consoante noticia averbação na dita matrícula.

Contrapõem-se à jurisprudência citada, o decidido nos seguintes arestos, todos do Colendo Conselho Superior da Magistratura.

Na Ap. Civ.  218-6/7, por exemplo, foi denegado o acesso do título em virtude da “menção a edificação não averbada e, portanto, sem existência reconhecida no âmbito do fólio real, de modo que não pode este, ipso facto, abrigar registro de locação sobre ela incidente”. A ementa do acórdão é a seguinte:

Registro de Imóveis – Contrato de locação – Pedido de registro para assegurar vigência em caso de alienação – Recusa – Ausência de descrição da área locada, que não corresponde à totalidade da matriculada – Parte ideal – Menção, ainda, a prédio não averbado – Dúvida Procedente – Princípio da especialidade – Recurso não provido. (Ap. Civ. 218-6/7, São Paulo, j. 16/9/2004, DJ 8/11/2004, rel. des. José Mário Antonio Cardinale).

No mesmo sentido o decidido na Ap. Civ.  34.485-0/6. O tema desse acórdão guarda relação com o caso tratado nestes autos. Não se admitiu o acesso da locação quando as “acessões e construções não se encontram previamente averbadas no cadastro imobiliário”. Concluiu: “não há a existência jurídica das acessões, para que sua locação ingresse no registro predial”. E segue:

Afronta ao princípio da especialidade a inscrição de contrato de locação de prédio cuja existência é ignorada pelo cadastro imobiliário. Admiti-lo teria o alcance de consagrar juridicamente a existência de construções, alterando de modo significativo o registro, à margem de prévia averbação ou documento de quitação de contribuições previdenciárias e fiscais, em frontal vulneração a normas imperativas.

Casos semelhantes ao ora em exame tem tido o acesso ao registro sistematicamente negado por este Conselho Superior (Apelações Cíveis 6.691-010.970-0, 8.976-0).

Outros arestos podem ser citados: Ap. Cível 8.339-0/5, Capital (a falta de descrição precisa da parte locada impede o registro); Ap. civ. 865-6/9 (parte locada que corresponde a porção da área total do imóvel matriculado, “sem referências suficientes que viabilizem conhecer sua exata posição no seio do todo”); Ap. Civ. 31.716-0/0, Capital, (indeferimento de inscrição de locação de parte não determinada de área maior para vigência em caso de alienação. Necessidade de delimitação da área locada com forma de se evitar conflitos com outros registros semelhantes); Ap. Civ. 34.848-0/3, Capital, (“Objeto dos contratos correspondente a parcela do imóvel matriculado – Falta de referência tabular – Princípio da especialidade – Registro inviável”); Ap. Civ. 695-6/2, Capital, (“Falta de precisa individuação dos bens locados. Ausência de correspondência com registro predial existente. Possível destaque do imóvel locado de outro matriculado, sem localização e especificação no todo, que inibe, igualmente, o registro, em respeito ao princípio de especialidade objetiva”);

Como se vê, a imprecisão na determinação do bem efetivamente locado – tendo em vista as mutações físicas sofridas – impede o acesso do título.

Caução – dupla garantia

Já o segundo aditivo (prenotado sob n. 279.978) traz, em seu articulado, além da fiança contratada (cláusula 3ª), uma garantia suplementar – vedada sob pena de nulidade (§ único do art. 37 da Lei 8.245/1991). Reza a cláusula 4ª do aditivo:

“Os novos fiadores indicam como garantia o imóvel de sua propriedade, que não poderá ser vendido ou de qualquer maneira onerado enquanto perdurar a fiança, que assim se descreve, confronta e caracteriza” (e segue a descrição do imóvel matriculado no 4º SRI).

Passe a completa confusão acerca dos institutos da fiança, caução, indisponibilidade, etc. que perpassa todo o contrato de aditamento à avença locatícia. A fiança é garantia pessoal. Já a malfadada caução locatícia é uma garantia real, objeto de registro (art. 38, § 1º da Lei 8.245/1991).

Malgrado o fato da má técnica jurídica, não resta qualquer dúvida de que o contrato alberga uma típica garantia real. Os fiadores “indicam como garantia o imóvel”. Que mais poderia significar o oferecimento de uma garantia que tem por objeto um imóvel que não fosse uma hipoteca (ou caução locatícia, nesta esdrúxula tipificação da Lei de Locações)?

É certo, como dizem os patronos, que não ocorre no contrato aditivo a expressão “caução de bem imóvel”. Mas, pergunta-se: seria mesmo necessário? Não se extrai do texto a conclusão incontornável de que, além da substituição dos garantidores fidejussórios, houve a concorrência de outra modalidade de garantia? Ad argumentandum, fosse a caução real decisiva para os interesses das partes e a defesa da garantia real – ainda que o nomem iuris não ocorra no contrato – seria feita com grandes chances de vê-la reconhecida nas disposições atécnicas do contrato.

Aliás, o nomen juris, aqui, não será o fator determinante para fundamentar a admissão do título ao Registro. Os contratos de locação, em regra, não são instrumentalizados por notários; por isso, padecem de imperfeições. É preciso ultrapassar o jargão profano deste contrato e interpretar o que efetivamente foi a vontade das partes. E esta parece ter sido, efetivamente, a contração da garantia real.

Afasta-se o argumento da interessada de que “a dupla garantia haveria se a inquilina tivesse de apresentar a fiança e ainda dar em caução imóvel seu”. Não é incomum que a garantia real seja dada por terceiros. Estes integram a relação contratual complexa (locação e garantia real), o que a lei não impede, evidentemente.

O que poderia ser arguido – com boas chances de convencimento – é que a empresa não estaria interessada no registro da garantia real – dispensando este Cartório de avaliar esse particular aspecto do contrato.

Contudo, estabelecida que seja a dupla garantia no contrato, tal fato inquina-o de nulidade, nos termos do parágrafo único do art. 37 da Lei de Locações. A Corregedoria Geral da Justiça já enfrentou caso análogo:

É certo que a posição da jurisprudência, quando da análise de casos concretos, é no sentido de que, havendo dupla garantia, a segunda prevista é nula, prevalecendo, somente, a primeira. No entanto, até que seja declarada essa nulidade, as duas garantias existem no contrato. E se existem, contrariam o texto legal, que proíbe a cumulação.

Portanto, está correto o Oficial ao negar a averbação. O contrato precisa ser aditado, excluindo-se uma das garantias, para sua adequação à Lei de Locações. Não pode o Oficial, em sua atividade de verificação da legalidade do título levado a averbação, fechar os olhos à nulidade existente.

E concluiu o r. parecer: deve-se “impedir a averbação do próprio contrato de locação que preveja a dupla garantia” (Processo CG 9.630/2014, São Paulo, dec. de 10/02/2014, DJe 25/02/2014, res. Elliot Akel).

Conclusões

Os aditivos, apresentados sucessivamente, não merecem ingresso neste Registro pelas seguintes razões:

  1. Não ocorre nos contratos a perfeita determinação do bem locado, já que demolidas as edificações originais e em vista da ocorrência de unificação física dos imóveis. O registro, nestas condições, pode representar um fator de insegurança jurídica.
  2. Deve-se impedir a averbação de contrato de locação que preveja a dupla garantia por infringência ao § único do art. 37 da Lei de Locações.

Devolvo o exame dos títulos a Vossa Excelência, com o devido respeito e acatamento.

Sérgio Jacomino

Registrador

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