Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

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583.00.2009.108068-4. Cessão de direito hereditários – Doação – Nomem iures.

Processo 583.00.2009.108068-4
Interessado: R.M.C.

Ementa: Cessão de direito hereditários. Doação. Nomem iures.

Senhor Juiz-Corregedor.

Em atenção à determinação contida às fls. 17 dos autos, tenho a honra de prestar a Vossa Excelência as seguintes informações.

Tramitação do título

Em 11 de janeiro de 2008, ingressou no Registro, para mero exame e cálculo, a escritura pública de “cessão de direitos hereditários” lavrada em 27.8.2004 (livro 5.638, fls. 331).

Examinado o referido título, foram apontados e destacados óbices que foram reproduzidos pelo interessado (fls. 3) – basicamente retificação da escritura tabelioa para que pudesse expressar o verdadeiro negócio jurídico entabulado – doação e não cessão de direitos hereditários.

Motivos que fundamentaram a recusa de registro

As escrituras de cessão de direito hereditário não ingressam diretamente no fólio real. O seu acesso está vedado por não figurar, dito título, nas hipóteses do art. 167, I, da Lei de Registros Públicos. Entende-se, majoritariamente, que o elenco legal é taxativo e exaustivo.

A mutação subjetiva que ocorre com o advento do fato morte (que no direito pátrio tem o condão de desencadear a sucessão independentemente do registro – art. 1.788 do NCC), possibilita que os herdeiros, legítimos ou testamentários, possam ceder os direitos à sucessão aberta ou o quinhão respectivo – desde que não haja gravames e outras circunstâncias como restrições e cláusulas testamentárias (art. 1.793 do NCC).

Para que os cessionários possam titularizar o pleno domínio, com a completa disponibilidade do bem, é necessário que a universalidade, que decorre da sucessão delata, seja singularizada em partilha. É precisamente a partilha que contemplará o cessionário com o bem objeto da cessão, franqueando o pleno acesso do título ao registro imobiliário. Antes da partilha – tratando-se, portanto, e ainda, de um patrimônio indiviso -, o acesso não se defere por carência de um requisito essencial: a especialização do acervo hereditário com a singularização dos bens e herdeiros.

É certo que a cessão objetivou um bem singular (apartamento 113 do Edifício Cascais), contrariando a regra do parágrafo 2º do art. 1.793 do atual código. A doutrina, antes mesmo da consagração da norma no novo diploma civil, já apontava para o fato de que a cessão da herança deveria ter por objeto uma universalidade de direito, um conjunto de bens que formam unitariamente a massa (brevitatis causa, ITABAIANA DE OLIVEIRA, Tratado de direito das sucessões, 5ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1987, p. 62, item 107 et seq.).

Seja como for, a cessão acabou sendo instrumentalizada por escritura pública. E o registro desse título não é admitido pela jurisprudência:

• “É inexeqüível o registro de instrumento de cessão de direitos hereditários”. (Registro de Imóveis – Dúvidas – Decisões do CSM de São Paulo – Org. Narciso Orlandi Neto – ementa nº 225 – Des. Andrade Junqueira). Ap. Civ. 267427/78, DOJSP de 3/1/78, Localidade: Itapetininga.

• Os herdeiros não podem dispor do domínio nascido da abertura da sucessão enquanto não promovam o registro do formal de partilha. Somente este assegurará observância dos princípios da continuidade e publicidade do registro imobiliário e tornará perfeita a genealogia do imóvel. (Registro de Imóveis – Dúvidas – Decisões do CSM de São Paulo – Org. Narciso Orlandi Neto – ementa nº 169 – Rel. Des. Andrade Junqueira); O instrumento de cessão de direitos hereditários não tem acesso ao Registro Imobiliário. Trata-se de ato não previsto, assim no direito anterior como no art. 167, I, da Lei n. 6015/73.” (Registro de Imóveis – Dúvidas – Decisões do CSM de São Paulo – Org. Narciso Orlandi Neto – ementa nº 171 – Rel. Des. Andrade Junqueira). Ap. Civ. 269827/78, Data: 29/6/1978, Registro.

• Instrumentos de cessão de direitos sucessórios são ineficazes para produzir transmissão de domínio. Enquanto não providenciam o registro do formal ou de carta de adjudicação, os herdeiros não tem disponibilidade do domínio advindo da abertura da sucessão (Ap. Civ. 267427). A transcrição feita com base em tais títulos não impede o registro da transmissão do domínio por título hábil. (Registro de Imóveis – Dúvidas – Decisões do CSM de São Paulo – Org. Narciso Orlandi Neto – ementa nº 146 – Rel. Des. Andrade Junqueira). Data: 21/07/78, Ap. Civ. 269915/78;

• A cessão de direitos hereditários não tem efeito de transferir o domínio dos bens do espólio, mas, tão-somente, o de transferir os direitos de sucessores, a serem apurados em inventário (RJTJSP, 15:497). (Dúvidas – Decisões do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo – janeiro 78/ fevereiro 81 – ementa nº 337 – Des. Andrade Junqueira).

• Violaria o princípio da continuidade dos registros imobiliários o registro de partilha da qual participou quem não era herdeiro, mas mero cessionário de direitos hereditários. A transferência da propriedade a este só pode ser reconhecida após registrado o formal ou carta de adjudicação em nome dos herdeiros. Antes dessa providência não têm estes disponibilidade do domínio. (Dúvidas – Decisões do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo – janeiro 78/ fevereiro 81 – ementa nº 338 – Des. Andrade Junqueira).

• As cessões de direitos hereditários, por fundamentar título posterior de aquisição de propriedade, dependem de apuração dos bens que, na partilha, tocarem aos herdeiros cedentes. (Dúvidas – Decisões do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo – janeiro 78/ fevereiro 81 – ementa nº 339 – Des. Andrade Junqueira).

• Enquanto não registrado o formal ou carta de adjudicação, não têm os herdeiros disponibilidade do domínio que lhes adveio à abertura da sucessão. (Dúvidas – Decisões do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo – janeiro 78/ fevereiro 81 – ementa nº 340 – Des. Andrade Junqueira). Data: 22/2/79Ap. Civ. 275009/79, Localidade: Taquaritinga.

• Contrato particular de cessão de direitos hereditários. Título original. Formal de partilha – prévio registro – ausência. Continuidade. REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida procedente – Certidão de contrato particular de cessão de direitos hereditários – Ausência do título original – Título não registrável – Recepção como compra e venda inadmissível por inadequação de instrumento e por falta de prévio registro de formal de partilha – Princípio de continuidade – Recurso não provido. (Apelação Cível nº 479-6/7, Jundiaí, julgada em 16/02/2006, publicada no D.O.E. de 05/05/2006).

Peculiaridades do caso concreto

Mas o caso guarda algumas peculiaridades, que passo a destacar.

Em primeiro lugar, é de se considerar que, por ocasião da apresentação do título, não se achava, ainda, registrado o formal de partilha, o que somente ocorreu posteriormente (R. 2/85.903, 19/12/2008).

Embora este registrador mantenha o entendimento de que o instrumento adequado para alcançar o fim almejado pelas partes não seja a cessão de direitos hereditários – que não merece a guarida do registro -, ainda assim é possível apreciar positivamente o que os interessados almejam. Valerá a real intenção das partes, não o nomem iuris.

O registrador ADEMAR FIORANELLI aventa esta possibilidade em seu livro Direito registral imobiliário (Porto Alegre: Fabris/Irib, 2001, p. 517). Registra que:

não descarta a possibilidade do registro de escritura de cessão de direitos hereditários quando, no momento de sua apresentação a registro, já tiver sido registrado o formal de partilha do falecido, no qual tenha sido tocado ao herdeiro cedente o mesmo imóvel objeto do título. Este, então, será recepcionado como compra e venda, já que a simples denominação dada ao negócio jurídico não altera a sua essência, como aliás, dispõe o art. 85 do CC. [art. 112 do NCC]. Neste caso – continua Fioranelli – se a cessão era antes tida como condicional, deixou de sê-lo no instante em que o imóvel passou a figurar, in tabula, em nome do cedente e que passou a ter a disposição da coisa.

A situação aventada pelo ilustre registrador paulistano pode perfeitamente ser adequada ao caso concreto: aquele que comparece à escritura de cessão de direitos hereditários (fls. 10 et seq. dos autos) é precisamente a mesma pessoa que, afinal, foi contemplada na partilha registrada sob número 2 na matrícula 85.903.

Nem mesmo lhe faltará o precedente jurisprudencial:

Cessão de direitos hereditários – registro. Continuidade.

Registro de imóveis – Dúvida inversa julgada procedente – Registro de escritura pública de cessão de direitos hereditários relativos a contrato de promessa de cessão de compromisso de compra e venda – Cedente que ao outorgar a escritura era titular exclusiva dos direitos relativos ao contrato de cessão de compromisso de compra e venda, por tê-los recebido em adjudicação no arrolamento dos bens deixados pelo falecimento de seu ex-marido – Negócio jurídico que consubstancia, na realidade, cessão de direitos relativos a contrato de promessa de cessão de compromisso de compra e venda – Recurso provido para autorizar o registro do título. (Ap. Civ. 297-6-6, j. 25/5/2005, São Paulo (5º SRI). Relator: José Mário Antonio Cardinale.

(…)

“A certidão da matrícula 74.312 do 5º Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo comprova que Benedicto de Castro Simões e sua mulher, Maria da Glória Mihich Simões, figuram como compromissários cessionários dos direitos relativos ao contrato de compromisso de compra e venda do apartamento 11 do Edifício Presidente.

A mesma certidão demonstra que Benedicto de Castro Simões faleceu em 04 de abril de 1971 e que mediante adjudicação promovida no arrolamento dos bens que deixou foram os direitos relativos ao contrato de promessa de cessão do compromisso de compra e venda integralmente adjudicados para sua viúva, M.da.G.M.S, conforme carta de adjudicação expedida em 12 de junho de 1973.

(…)

Desta forma, ao outorgar a escritura de cessão de direitos hereditários era a cedente, na verdade, titular da totalidade dos direitos relativos ao contrato de promessa de cessão do compromisso de compra e venda do apartamento 11 do Edifício Presidente, deles podendo dispor com esta qualidade e não mais como meeira ou como herdeira dos bens deixados pelo falecimento de seu ex-marido.

Ora, sendo M.da.G.M.S titular da promessa de cessão do compromisso de compra e venda deve o contrato que celebrou com os apelantes ser interpretado como relativo a esse compromisso, pois de direitos hereditários a cedente então já não podia dispor.

A real natureza do negócio jurídico consubstanciado na escritura pública apresentada para registro, ademais, deflui de forma clara das declarações de vontade nela contidas, pois evidenciam a intenção de transferir para os apelantes todos os direitos que a cedente, de fato, detinha em relação aos imóveis.

É, portanto, possível o registro do título, em relação ao apartamento 11 do Edifício Presidente, como correspondente a contrato de cessão de promessa de cessão de compromisso de compra e venda.

Identifica-se a mesma situação no presente caso.

Quando da apresentação da escritura de cessão de direitos hereditários, os cedentes não eram, ainda, titulares de domínio. Nestas condições, o registro do título era mesmo vedado. Eventualmente, caberia aos contratantes levar o título ao inventário e aí, então, sob a presidência do magistrado competente, far-se-ia a adjudicação aos que figuraram como cessionários.

Ocorre que a adjudicação já havia sido homologada em favor dos cedentes, conforme se verifica claramente dos documentos acostados. Nestas condições, registrada que se acha a carta de adjudicação, Vossa Excelência poderá, eventualmente, deferir o registro perseguido.

Estas são as informações que presto a Vossa Excelência – o que sempre faço com o devido respeito e acatamento – devolvendo a apreciação do caso concreto a esse R. Juízo.

SP., 13 de março de 2009

SÉRGIO JACOMINO
Oficial registrador

Written by SJ

13 de março de 2009 às 7:02 PM

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