0274676-52.2011.8.26.0000. mandado de segurança
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
Desembargador Rubens Rihl
TJSP – 8ª Câmara de direito Público
Praça da Sé, s/n. Palácio da Justiça, sala 237.
Ref. AI 0274676-52.2011.8.26.0000 – 8ª Câmara de Direito Público.
Mandado de segurança
Agravante: Primafer Inc. S/A
Agravado: Oficial do 5º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, vem respeitosamente prestar as seguintes informações em atenção à Carta Intimatória 1.413/2011, SJ 4.4.1 – DS, datada de 13 de dezembro de 2011, aqui recebida a 12 de janeiro do corrente, tendo por objeto o agravo acima referido.
1 – Questões preliminares
1.a Recurso administrativo (CSM) pendente com efeitos suspensivo e devolutivo
Na base da controvérsia, acha-se a denegação de acesso ao Registro de Imóveis a título de interesse da agravante.
Antes de impetrar este mandado de segurança, a agravante, não se conformando com as exigências feitas por este Cartório, requereu a suscitação de dúvida registral, nos exatos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973 –LRP – Lei de Registros Públicos (suscitação da dúvida de 29.7.2011, doc. # 1, anexo).
A dúvida foi regularmente processada e encaminhada ao juízo competente, nos termos do art. 198, IV, da referida lei, devolvendo-se, ao juízo administrativo, a apreciação do pedido de registro. O pedido foi autuado e ganhou o número Processo 0028707-86.2011.8.26.0100.
A dúvida foi julgada procedente, confirmando, portanto, a recusa originária de registro (sentença de 17 de agosto de 2011, cópia anexa, doc. # 2).
Não se resignando, uma vez mais, a agravante veiculou recurso de apelação dirigido ao Colendo Conselho Superior da Magistratura, nos termos do art. 202 da LRP. O recurso acha-se ainda pendente de apreciação, tendo para lá sido remetido o processo a 13 de outubro de 2010, autuado a 12 de janeiro do corrente – Ap. Civ. 0028707-86.2011.8.26.0100.
Feita esta pequena introdução, gostaria de destacar aspectos preliminares que estariam a impedir o prosseguimento deste processo.
O art. 202 da LRP reza que “da sentença [no processo de dúvida], poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado”.
Com o recurso acima referido, devolveu-se ao órgão colegiado a apreciação dos motivos que fundamentaram a recusa original deste Cartório, confirmada pelo juízo de 1º grau.
A Lei 12.016, de 2009, por outro lado, prevê:
Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:
II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
Não se ignora que a doutrina caminha no sentido de que a interpretação da condicionante do art. 5º, I, da Lei 12.016/2009 deva ser modulada – já que a disposição contida no art. 5º, LXIX, da Carta de 1988, não limita nem condiciona o exercício do direito de ação mandamental (brevitatis causa: Nery Jr. Nelson. Nery. Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 2ª ed. São Paulo: RT, p. 1.226).
Contudo, se a agravada não estaria obrigada a exaurir, previamente, a via administrativa para a impetração do mandado de segurança, o fato é que recorreu administrativamente e o seu recurso, com efeitos suspensivos e devolutivos, acha-se hoje pendente de apreciação pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo. As consequências do julgamento trarão novos e inesperados problemas, como se verá logo abaixo.
A questão então se desloca para o quadrante do interesse processual de agir.
Salvo melhor juízo, à agravante falta-lhe interesse de agir.
Celso Agrícola Barbi, comentando dispositivo que hoje corresponde ao art. 5º, I, Lei 12.016/2009, já apontava para o problema:
A conclusão que tiramos desse inciso (…) da Lei n. 1.533/51 é a inexistência de ‘interesse de agir’ quando haja recurso administrativo com efeito suspensivo e independentemente de caução. O mandado porventura requerido não deve ter seguimento, e o autor será julgado não possuidor de ação, por falta de interesse de agir…” (Barbi. Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 62).
É clássica a lição de Hely Lopes Meirelles no sentido de que o impetrante não está obrigado a exaurir a via administrativa para utilizar-se da via jurisdicional. Contudo, tendo voluntariamente optado pela via do recurso administrativo, deverá aguardar o seu desfecho. Diz o jurista:
Quando a lei veda se impetre mandado de segurança contra ‘ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo (…)’, não está obrigando o particular a exaurir a via administrativa para, após, utilizar-se da via judiciária. Está, apenas, condicionando a impetração à operatividade ou exequibilidade do ato a ser impugnado perante o Judiciário. Se o recurso suspensivo for utilizado, ter-se-á que aguardar seu julgamento, para atacar-se o ato final; se transcorre o prazo para o recurso, ou se a parte renuncia à sua interposição, o ato se torna operante e exequível pela Administração, ensejando desde logo a impetração. O que não se admite é a concomitância do recurso administrativo (com efeito suspensivo) com o mandado de segurança, porque, se os efeitos do ato já estão sobrestados pelo recurso hierárquico, nenhuma lesão produzirá enquanto não se tornar exequível e operante. Só então poderá o prejudicado pedir o amparo judicial contra a lesão ou a ameaça a seu direito. O que se exige sempre – em qualquer caso – é a exequibilidade ou a operatividade do ato a ser atacado pela segurança: a exequibilidade surge no momento em que cessam as oportunidades para os recursos suspensivos; a operatividade começa no momento em que o ato pode ser executado pela Administração ou pelo seu beneficiário. (Meirelles. Hely Lopes. Mandado de Segurança e ações constitucionais. São Paulo: Malheiros: 33ª ed. 2010, p. 42-3, grifei).
No caso em julgamento, os atos denegatórios de registro estão sobrestados pelo recurso hierárquico. Nenhuma lesão ao seu direito se operará enquanto pendente a validade da prenotação.
1.b – Jurisprudência do STF
A jurisprudência do STF parece caminhar no mesmo sentido. Peço vênia para indicar a decisão proferida no Mandado de Segurança 25.378, do Supremo Tribunal Federal, em que o Ministro Carlos Velloso assim enfocou a questão:
“Poderia, o impetrante, deixar de interpor o recurso administrativo e aforar o mandado de segurança. O que não pode ocorrer é a utilização, ao mesmo tempo, do recurso administrativo com efeito suspensivo e da segurança…” (MS 25.378-9, decisão monocrática de 15.6.2005, DJ 24.6.2005).
A jurisprudência do STF mantem-se firme no mesmo diapasão.
Colhe-se do voto da ministra Cármen Lúcia, em decisão proferida no Mandado de Segurança 27.466, j. de 8.8.2008 (DJ de 18.8.2008): MS 26.290, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 10.5.2007, decisão monocrática; MS 26.002, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 9.11.2006, decisão monocrática; MS 26.148, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 4.10.2006, decisão monocrática; MS 25.740, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 5.4.2006, decisão monocrática; MS 25.755, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 10.2.2006, decisão monocrática; MS 25.620, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 2.12.2005, decisão monocrática; MS 25.536, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 8.11.2005, decisão monocrática; MS 25.416, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 29.8.2005, decisão monocrática; MS 24.682, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 16.4.2004, decisão monocrática; MS 24.511, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 2.4.2004, Plenário; MS 24.564, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.10.2003, decisão monocrática; MS 24.280-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 7.4.2003, Plenário; MS 24.425, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 28.3.2003, decisão monocrática; MS 24.280, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 20.8.2002, decisão monocrática; RMS 8.736, Rel. Min. Pedro Chaves, DJ 11.1.1962, Plenário; e RE 28.953, Rel. Min. Rocha Lagoa, DJ 23.5.1957, Segunda Turma.
1.c – Jurisprudência do CSMSP e TJSP
O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, em mais de uma ocasião, confirmou o entendimento de que não cabe aforar mandado de segurança quando pendente recurso administrativo com efeito suspensivo – como no caso das dúvidas registrais e procedimentos administrativos em curso pela Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo.
Peço vênia para citar o decidido no MS 990.10.237.800-4, deste Cartório, j. 24.8.2010, DJE de 22.11.2010, em que foi relator o desembargador Munhoz Soares. Ali se decidiu, de passagem, que a via eleita seria inadequada, “seja porque a decisão tem caráter administrativo, seja porque o ato é passível de recurso, perante a E. Corregedoria Geral de Justiça. E o art. 5º., I, da Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009, estabelece que ‘Não se concederá mandado de segurança quando se tratar de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução’”.
A 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça já enfrentou o problema:
MANDADO DE SEGURANÇA – Denegação na origem – Impetração contra ato do Oficial de Registro de Imóveis Oficial Registrador que não pode ser qualificado como autoridade administrativa, para os termos do art. 1º §1° da Lei nº 12.016/2009 – Precedentes – Denegação da ordem – Recurso desprovido. (TJSP, Ap. 9132603-06.2008.8.26.0000, j. 17/11/2011, rel. Des. Roberto Solimene).
Peço vênia para citar o seguinte trecho – aplicável à espécie sub examine:
Outrossim, considerando que a suscitação de dúvida apresenta natureza de recurso administrativo, com efeito suspensivo consubstanciado exatamente na prenotação do título, que perdurará até decisão final, mostra-se inviável a via mandamental, a teor do que dispõe o art. 5º, inc. I da Lei n. 12.016/09.
Por essa razão, data vênia, não se há falar em afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, sabendo-se, ainda, que a dúvida é solucionada por Juiz de direito investido na atribuição de atividade administrativa correcional.
E a decisão por ele ao final prolatada não faz coisa julgada material, podendo ser desconstituída por meio da propositura de medida judicial cabível.
Segue que o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis não pode ser qualificado como autoridade administrativa na forma do art. 1º , §1º da atual Lei n. 12.016/2009”.
No V. aresto há indicação de precedentes jurisprudenciais.
Last, but not least, o que a agravante busca, especificamente, é impedir que o bem imóvel, por ela adjudicado, possa “ser transferido ou alienado para terceiros de boa-fé” (fls. 16).
Ora, com a suscitação de dúvida, interrompe-se o prazo legal de exaurimento da prenotação (art. 205 da LRP), de modo que quaisquer terceiros terão ciência da existência da adjudicação por força da publicidade registral (art. 21 da LRP). Este aspecto foi muito bem observado por Vossa Excelência no item 4 da R. decisão de fls. 138-9.
Enfim, julgada a dúvida improcedente, o Cartório deverá promover o registro, protraindo-se seus efeitos à data da prenotação (art. 203, II c.c. art. 1.246 do Código Civil).
1.d – Autoridade coatora incompetente
O mandado de segurança foi impetrado contra este Quinto Oficial de Registro de Imóveis. Contudo, como já assinalado, a agravante suscitou dúvida, tendo por objeto a mesma pretensão e o caso se acha sub judice do Eg. Conselho Superior da Magistratura.
A questão que se coloca é a seguinte: seria cabível impetração de mandado de segurança contra autoridade que já não disponha de competência e poderes para corrigir a ilegalidade impugnada?
De fato, uma vez requerida a suscitação de dúvida, se terá esgotado a competência do registrador para apreciar e deferir o registro, corrigindo, assim, eventual ilegalidade praticada.
Nesta perspectiva, o ato alegadamente ilegal a ser hostilizado seria, eventualmente, a respeitável decisão proferida pelo MM. Juiz da 1ª vara de Registros Públicos no Processo 0028707-86.2011.8.26.0100. Esta a autoridade coatora – aquele o ato impugnado.
Com a suscitação da dúvida, esgota-se a competência do registrador para decidir acerca da registrabilidade do título de modo que, pendente ainda o recurso administrativo, faltar-lhe-á aptidão – melhor seria dizer “poder de decisão” – para dar execução à sentença de procedência do writ. Numa palavra, falece de legitimação passiva para responder pelo ato impugnado.
Uma vez mais me socorro na doutrina de Hely Lopes Meirelles:
Incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário (…). Essa orientação funda-se na máxima ad impossibilita nemo tenetur: ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível. Se as providências pedidas no mandado não são da alçada do impetrado, o impetrante é carecedor da segurança contra aquela autoridade, por falta de legitimação passiva para responder pelo ato impugnado. (MEIRELLES. Hely Lopes. Mandado de Segurança e ações constitucionais. São Paulo: Malheiros: 33ª ed. 2010, p. 70-71).
Pendente o recurso à autoridade superior, as providências registrais já não seriam de minha alçada. O V. Conselho Superior da Magistratura pode, inclusive, obstar o registro até mesmo razões diversas da que foram levantas originariamente por mim, já que, devolvendo-se inteiramente as questões ao escrutínio do R. órgão, com efeitos devolutivo e suspensivo adjetos, proceder-se-á a reexame integral da qualificação originária. Confira-se, a propósito, o voto do relator e Corregedor-Geral de Justiça, des. Munhoz Soarez, na Ap. Civ. 1.243-6, Pedregulho, j. 13.4.2010, DJE de 1.6.2010:
Não é demais observar, porém, que o julgamento da dúvida, em primeira instância e em grau de recurso, importa no reexame integral da qualificação, o que permite tanto afastar exigências formuladas pelo Oficial de Registro como reconhecer a existência de eventuais outras não indicadas na nota de devolução por esse emitida, sem que disso decorra julgamento extra ou ultra petita em razão da natureza administrativa do procedimento.
Nesse sentido, dentre outros, cabe lembrar o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, de que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha” (Ap. n. 1.128-6/3, rel. Des. Luiz Tâmbara). E mais: Ap. n. 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba, rel. Des. Márcio Martins Bonilha.
Consumado o julgamento do recurso de apelação em curso, a mim caberá, simplesmente, proceder à materialização do ato impugnado, se determinado, sem qualquer possibilidade de revê-lo.
A propósito, este é o sentido que pode extrair da decisão do STF no ROMS n. 21.387-6-DF, em que foi relator o min. Marco Aurélio:
Legitimidade – mandado de segurança – ato decisório e ato executório. Define-se a competência para julgamento de mandado de segurança perquirindo-se o autor do ato apontado como de constrangimento. Estabelecida situação a encerrar simples materialização por subordinado, ao qual escape a possibilidade de revê-lo, o mandado de segurança há que ser dirigido contra a autoridade que praticou o ato em sua origem, pouco importando o status daquele que o tenha simplesmente executado. (ROMS 21.387/DF, Relator Min. MARCO AURÉLIO, j. 26.5.1992, DJ 19.2.1993)
2. Defesa do ato impugnado
Entendendo Vossa Excelência cabível o mandado de segurança, permita-me reproduzir as razões que motivaram a denegação da prática de ato de registro.
Dentre as várias exigências formuladas por este Cartório na ocasião da apresentação do título, a agravante parece ter se insurgido apenas contra uma: a necessidade de apresentação de prova de quitação de débitos condominiais como previsto no art. 4º, § único, da Lei 4.591, de 1964:
Art. 4º A alienação de cada unidade, a transferência de direitos pertinentes à sua aquisição e a constituição de direitos reais sobre ela independerão do consentimento dos condôminos.
Parágrafo único – A alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio.
Parece incorrer em certo equívoco concluir-se singelamente que a exigência legal tenha sido tacitamente revogada pelo Código Civil de 2002. Aduz a agravante que o diploma civil de 1916 “não trazia disposição semelhante à do art. 1.345 do Código atual” (fls.), daí concluindo que, prevendo-o agora expressamente a sub-rogação do adquirente nas obrigações condominiais, as regras da Lei de Condomínio estariam tacitamente revogadas – como se a natureza jurídica dessas obrigações (propter rem) tivessem sido qualificadas como tal somente a partir do advento do novo código civil.
Nunca se divergiu, em majoritária doutrina, que a natureza jurídica de tais obrigações era e sempre foi real. A regra insculpida no art. 1.345 do atual código representa simplesmente a enunciação, agora expressa, de regra jurídica que era perfeitamente assimilada e assente na doutrina e jurisprudência sob a égide do Código de 1916.
Diz o autor da Lei de Incorporações e Condomínios:
“O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor às cominações previstas (juros moratórios, multa, correção monetária), todas exigíveis judicialmente, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade, uma vez que a lei lhe imprime poder de sequela.
Com efeito, estabelece o art. 4º, § único, da Lei do Condomínio e Incorporações que o adquirente responde pelos débitos da unidade adquirida.
O objetivo da norma é defender o condomínio contra a alegação de que o novo proprietário não poderia responder pelos encargos correspondentes a tempo anterior a seu ingresso na comunidade.
Tal propósito não pode, entretanto, ser levado ao extremo de exonerar o alienante. Assim é que se o adquirente for chamado a liquidar o débito, fica sub-rogado no direito respectivo, cabendo o ressarcimento por via da ação in rem verso (Código Civil, art. 988) (PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 10ª ed., 1999, p. 189).
Idêntico entendimento professava ARNOLDO WALD:
“Os autores costumam lembrar a analogia entre o condomínio de apartamentos e as sociedades, olvidando que estas têm como base um contrato feito intuito personae, ou seja, com pessoa certa e determinada, enquanto o condomínio inclui entre os seus membros aqueles que, em determinado momento, forem proprietários das unidades constitutivas do prédio. Assim, existe uma situação jurídica do condômino não inerente à sua pessoa mas vinculada àquele que for proprietário do apartamento. A obrigação do condômino é pois um débito ligado à situação jurídica de proprietário da unidade do imóvel, sendo assim uma obrigação propter rem, uma obrigação oriunda da relação do devedor com a coisa. “. (in Curso de Direito Civil Brasileiro — Direito das Coisas. São Paulo: RT., 9ª Edição, 1993, p. 139).
Ao lado da “ambulatoriedade” de tais obrigações reais, entendo que remanesce hígida a exigência legal de se provar a quitação de débitos condominiais para a alienação de unidades autônomas integrantes de condomínios edilícios.
Para obstar o acesso do título de interesse da agravante, baseei-me em precedentes do mesmo Egrégio Conselho Superior da Magistratura: Ap. Civ. 990.10.278.563-7, j. de 5/10/2010, DJE de 26/11/2010, São Paulo, rel. des. Munhoz Soares e Ap. Civ. 990.10.030.993-5, j. 30/6/2010, DJE de 18/10/2010, São Paulo, rel. des. Munhoz Soares. Desta última decisão peço vênia para destacar:
Conforme já decidido por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 158-6/2, da Comarca da Capital, por este Conselho Superior da Magistratura, “o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 4.591/64 é categórico ao dispor que a alienação de unidades condominiais, assim como a transferência de direitos a elas relativos, dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio”.
Por isso, para acesso do respectivo título ao fólio real, é de se exigir tal comprovação (Apelação Cível nº 56.318-0/6, Capital, Rel. Des. Nigro Conceição, pub. D.O. 09/04/99, p. 07).
Quanto ao artigo 1.345 do Código Civil, ressalvados os respeitáveis entendimentos em contrário, não revogou referida regra e teve por escopo, tão somente, explicitar o caráter propter rem dos débitos condominiais. É norma destinada a preservar o condomínio de inadimplemento decorrente de eventual disputa entre alienante e adquirente acerca da responsabilidade pelo pagamento. Porém, de modo algum exime daquela obrigação antes destacada, que é requisito legal para alienação da unidade e representa garantia, não só a favor da comunidade condominial, mas, também, do próprio adquirente, máxime ante a responsabilidade realçada pelo citado dispositivo normativo.
No mesmo diapasão, o julgado na Apelação Cível nº 1.034-6/4, da Comarca da Capital, verbis:
“Deveras, o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 4.591/64 é categórico ao dispor que a alienação de unidades condominiais, assim como a transferência de direitos a elas relativos, ‘dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio’.
Por isso, já decidiu este Conselho que, para acesso do respectivo título ao fólio real, é de se exigir tal comprovação (Apelação Cível nº 56.318-0/6, Capital, Rel. E. Des. Nigro Conceição, Apelação Cível nº158-6/2, Capital, Rel. E. Des. José Mário Antonio Cardinale).
Quanto à parte contemplada por título judicial, o tratamento não é diferente, como revela o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 769-6/0, Piracicaba, relatado pelo E. Des. Gilberto Passos de Freitas, cuja ementa é clara:
“Registro de Imóveis – Unidade condominial – Dúvida julgada procedente – Negativa de acesso ao registro de mandado extraído dos autos de ação de adjudicação compulsória – Título inapto ao ingresso no registro imobiliário – Instrumentação do título que se deve materializar por carta de sentença – Necessidade, ainda, de comprovação de quitação das obrigações do alienante para com o condomínio, sem o que não se admite o acesso, ao fólio real, da transferência de domínio – Recurso não provido”.
Mesmo nos casos de adjudicação – portanto títulos de extração judicial – a jurisprudência não discrepa. Além da Ap. Civ. 769-6/0, Piracicaba, j. 14.12.2007, rel. Gilberto Passos de Freitas, cite-se a Ap. Civ. 1.034-6/4, da qual se extrai o seguinte:
Deveras, o artigo 1.345 do Código Civil deixou patente o cabimento da exigência ao explicitar o caráter propter rem dos débitos condominiais, com ênfase à responsabilidade de quem adquire o imóvel, o que vale, por óbvio, dada a ausência de qualquer ressalva, inclusive na hipótese de aquisição por arrematação judicial: ‘O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios’.
Oportuno, no concernente ao caso focalizado, o comentário de Francisco Eduardo Loureiro, em glosa ao dispositivo legal por último referido: ‘O artigo usa a expressão genérica adquirente, não restringindo às aquisições por negócio jurídico, de modo que também alcança as vendas judiciais, atingindo o arrematante e o adjudicatário’ (Código Civil Comentado, Coord. Min. Cezar Peluso, Ed. Manole, Barueri, 2007, p. 1.214).
Desse entendimento não discrepa a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça: ‘O adquirente, mesmo no caso de arrematação, responde pelos encargos condominiais incidentes sobre o imóvel arrematado, ainda que anteriores à alienação. Recurso especial não conhecido’ (REsp nº 506.183/RJ, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 25/02/2004, apud ob. cit., p. 1.215).
Logo, considerando que, como visto, o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64, no que diz respeito à unidade autônoma, subordina a ‘alienação ou transferência’ à ‘prova de quitação’ das obrigações condominiais, mostra-se correta a exigência do registrador. (Ap. Civ. 1.034-6/4, São Paulo, j. 17.3.2009, DJE de 4.6.2009, rel. des. Ruy Camilo).
Por fim, além da abonação dos critérios adotados por este Registro, representada pelos V. acórdãos citados, o próprio STJ, pelo voto da ministra NANCY ANDRIGHI, deixou patente que o disposto no parágrafo único do art. 4º da Lei 4.591, de 1964 não se acha revogado. O V. acórdão é de 2004 – REsp 469.915 – RJ (2002⁄0116443-7), rel. min. NANCY ANDRIGHI, j. de 28.9.2004, DOU de 1/2/2005, p. 538.
Essas são as informações que tenho a honra de prestar a Vossa Excelência.
São Paulo, 20 de janeiro de 2012.
Sérgio Jacomino,
Oficial Registrador.