Protocolo 254.306 – arrematação – prova de quitação de débitos condominiais
Protocolo 254.306
Interessado: JHS.
Arrematação – Condomínio – prova de quitação de débitos condominiais.
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo ao requerimento firmado por José Hugo Schlosser, vem perante Vossa excelência suscitar dúvida, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973, pelos motivos e fundamentos seguintes.
Procedimentos preliminares
José Hugo Schlosser requereu a suscitação de dúvida por não se conformar com a exigência feita por este Registro consistente na obrigatoriedade de apresentação de prova de quitação de débitos condominiais para consumação do registro da Carta de Arrematação anexa. A exigência fundamentou-se no art. 4º, parágrafo único, da Lei 4.591, de 1964, que reza:
A alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio.
O título, com o pedido de suscitação de dúvida, foi prenotado sob o número 254.306, cuja prenotação se manterá hígida até o julgamento definitivo, nos termos do art. 203 da Lei 6.015, de 1973.
Arrematação – modo derivado de aquisição
O único óbice não superado pelo arrematante é justamente a exigência de apresentação de prova de quitação de débitos condominiais para o registro do título judicial.
Como já assinalado, a Lei 4.591, de 1964, exige a prova de quitação de débitos condominiais nas hipóteses de alienação de unidade autônoma integrante de condomínio edilício.
Em primeiro lugar, é preciso consignar que, consoante entendimento uniforme do C. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, as arrematações judiciais calham na tipologia clássica do modus acquirendi: trata-se de típico título que se compagina com o modo derivado de aquisição imobiliária.
Destaco trecho da →Ap. Civ. 0052638-55.2010.8.26.0100, São Paulo, j. 13.10.2011, DJE de 13.1.2012, rel. Maurício Vidigal:
Realmente, o objetivo expropriatório da execução, para satisfação do credor (Código de Processo Civil, arts. 646 e 647), não implica ruptura na cadeia de transmissão do direito. Em doutrina, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart asseveram que a alienação judicial, ‘embora pertencente ao direito público, também não se confunde com alguma forma particular de desapropriação’, pois esta consiste em ‘forma originária de aquisição de propriedade, enquanto a arrematação judicial é forma derivada de aquisição de propriedade, tanto que o bem é transmitido com os seus eventuais defeitos e ônus (por exemplo, art. 619 do CPC).’ (Curso de Processo Civil, volume 3: execução, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 313).
No mesmo sentido as →Ap. Civ. 477166-88.2010.8.26.0100, São Paulo, j. 15.9.2011, DJE de 5.12.2011, rel. Maurício Vidigal; →Ap. Civ. 0035805-59.2010.8.26.0100, São Paulo, j. 8.9.2011, DJE de 16.11.2011, rel. Maurício Vidigal; →Ap. Civ. 322-6/1, Mairiporã, j. 14.4.2005, DJE de 25.5.2005, rel. José Mário Antonio Cardinale; →Ap. Civ. 20.745-0/6, Itu, j. 11.5.1995, DOE de 22.6.1995, rel. Antônio Carlos Alves Braga.
Arrematações, adjudicações e alienações judiciais.
Posta esta premissa, resta verificar se nos casos de arrematação judicial a regra do art. 4º, § único, da Lei 4.591, de 1964, seria aplicável. O Conselho Superior da Magistratura firmou o entendimento de que tal comprovação é incontornável. Confira-se a →Ap. Civ. 1.034-6/4, j. 17.3.2009, DOE de 4.6.2009, rel. Ruy Camilo:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida procedente – Carta de arrematação – Ausência de prova de quitação de débitos condominiais – Inteligência do art. 4º, § único, da Lei nº 4.591/64 e do art. 1.345 do Código Civil – Negado provimento ao recurso.
Neste V. aresto, o des. Ruy Camilo explicita a exigência para os títulos judiciais e fundamenta o entendimento de que a regra se aplica aos títulos de extração judicial:
No que tange à matéria de fundo, verifica-se que foi acertada a recusa e não merece reparo a r. decisão de primeiro grau.
Deveras, o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 4.591/64 é categórico ao dispor que a alienação de unidades condominiais, assim como a transferência de direitos a elas relativos, ‘dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio’.
Por isso, já decidiu este Conselho que, para acesso do respectivo título ao fólio real, é de se exigir tal comprovação (Apelação Cível nº →56.318-0/6, Capital, Rel. E. Des. Nigro Conceição, Apelação Cível nº →158-6/2, Capital, Rel. E. Des. José Mário Antonio Cardinale).
Quanto à parte contemplada por título judicial, o tratamento não é diferente, como revela o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº →769-6/0, Piracicaba, relatado pelo E. Des. Gilberto Passos de Freitas, cuja ementa é clara:
Registro de Imóveis – Unidade condominial – Dúvida julgada procedente – Negativa de acesso ao registro de mandado extraído dos autos de ação de adjudicação compulsória – Título inapto ao ingresso no registro imobiliário – Instrumentação do título que se deve materializar por carta de sentença – Necessidade, ainda, de comprovação de quitação das obrigações do alienante para com o condomínio, sem o que não se admite o acesso, ao fólio real, da transferência de domínio – Recurso não provido.
Deveras, o artigo 1.345 do Código Civil deixou patente o cabimento da exigência ao explicitar o caráter propter rem dos débitos condominiais, com ênfase à responsabilidade de quem adquire o imóvel, o que vale, por óbvio, dada a ausência de qualquer ressalva, inclusive na hipótese de aquisição por arrematação judicial: ‘O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios’.
Oportuno, no concernente ao caso focalizado, o comentário de Francisco Eduardo Loureiro, em glosa ao dispositivo legal por último referido: ‘O artigo usa a expressão genérica adquirente, não restringindo às aquisições por negócio jurídico, de modo que também alcança as vendas judiciais, atingindo o arrematante e o adjudicatário’ (Código Civil Comentado, Coord. Min. Cezar Peluso, Ed. Manole, Barueri, 2007, p. 1.214).
Desse entendimento não discrepa a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça: ‘O adquirente, mesmo no caso de arrematação, responde pelos encargos condominiais incidentes sobre o imóvel arrematado, ainda que anteriores à alienação. Recurso especial não conhecido’ (REsp nº →506.183/RJ, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 25/02/2004, apud ob. cit., p. 1.215).
Logo, considerando que, como visto, o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64, no que diz respeito à unidade autônoma, subordina a ‘alienação ou transferência’ à ‘prova de quitação’ das obrigações condominiais, mostra-se correta a exigência do registrador.
Posto que a arrematação não represente um modo originário de aquisição; posto ainda que as alienações judiciais não se achem excluídas da regra geral do art. 4º, § único da Lei 4.591, de 1964, resta enfrentar a questão relacionada com a dispensa de apresentação de tais comprovantes por vontade do adquirente.
A Lei 7.433, de 1985 e a dispensa da comprovação.
O interessado, em declaração firmada em 10 de fevereiro de 2012 (doc. # 1), responsabiliza-se integralmente pelo pagamento dos débitos condominiais “que serão quitados oportunamente, isentando o 5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo de qualquer responsabilidade sobre os débitos em epígrafe”.
A Lei 7.433, de 1985, no art. 2º, § 2º, prevê que para os fins do disposto no § único do art. 4º da Lei nº 4.591, de 1964, “considerar-se-á prova de quitação a declaração feita pelo alienante ou seu procurador, sob as penas da Lei, a ser expressamente consignada nos instrumentos de alienação ou de transferência de direitos”.
No caso concreto não temos essa declaração do alienante. O R. Juízo executivo não livrou o arrematante dessa responsabilidade. A declaração unilateral do arrematante – de que se obriga, integralmente, ao pagamento dos débitos condominiais – não tem o condão de exonerá-lo do cumprimento da exigência legal.
O que parece estar em pauta é a proteção que a lei confere à comunidade condominial.
A norma, como vimos, exige a “prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio” (art. 4º, § único da Lei 4.591/1964) ou declaração substitutiva (art. 2º, § 2º da Lei 7.433/1985). Exige-a, no entanto, no momento da alienação e de forma não condicionada. Não se abre a possibilidade de definição do escopo e da delimitação temporal dessa obrigação. Esta regra legal não admite que o seu dispositivo seja modulado pelo interesse do arrematante, já que ostenta o caráter de norma cogente e visa a aspectos estatutários da organização condominial.
Por fim, diz o arrematante que o condomínio pleiteia o pagamento de débitos condominiais formados em período anterior à expedição da carta de arrematação – “desde a data da arrematação que é de 25.9.2009 e não da posse efetiva do imóvel”. Informa ainda que o litígio instaurado acha-se em curso na 12ª Vara Cível da Capital (Processo 583.00.2011.134025-5), conforme prova a certidão de objeto e pé anexada a este procedimento.
Por todos esses motivos, entendemos que o acesso do título deva ser mesmo denegado.
Essas são as razões que impedem o acesso do título. Submeto à superior consideração de Vossa Excelência as razões da dúvida, devolvendo o pedido de registro.
São Paulo, 26 de março de 2012.
Sérgio Jacomino,
Oficial Registrador.