Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

0024552-06.2012.8.26.0100. mandato – poderes especiais e expressos

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA PRIMEIRA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DA CAPITAL DE SÃO PAULO.

Protocolo 256.748 – Processo 0024552-06.2012.8.26.0100

Interessado: Banco Bonsucesso S/A

Mandato – poderes especiais. Alienação fiduciária.

1) Para a alienação fiduciária é necessário mandato com poderes expressos e especiais, nos termos do art. 661, § 1º do CC.

  • Processo 0024552-06.2012.8.26.0100 – sentença
  • Processo 0024552-06.2012.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS – Vistos. Recebo a apelação interposta em seus regulares efeitos. Ao Ministério Público. Em seguida, remetam-se os autos ao Egrégio Conselho Superior da Magistratura. Int. CP 182 – ADV: JULIANA AMOROSO COTTA ROMUALDO (OAB 187594/SP) (D.J.E. de 03.09.2012).
  • AC 0024552-06.2012.8.26.0100, São Paulo, j. 7/2/2013, DJe 2/4/2013, rel. des. José Renato Nalini.

Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo a requerimento formulado pelo Banco Bonsucesso S/A, por sua advogada Dra. Juliana Amoroso Machado Cotta, nos termos do art. 198 da Lei 6.015/73, vem suscitar dúvida, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973, pelos motivos e fundamentos seguintes.

Procedimentos preliminares

Em 10 de abril de 2012 este registro acolheu (em reingresso) o instrumento particular de Cédula de Crédito Bancário, prenotado sob o número 256.748. Não se conformando com as exigências, o interessado requereu a suscitação de dúvida.

Sucessivamente prenotado, o acesso do título vem de ser denegado pelos seguintes motivos:

Apresentar procurações, vigentes à assinatura do instrumento particular apresentado, onde: 1) ANB; 2) GNB; e 3) MNB outorgam poderes especiais e expressos para RNP, em conformidade com o § 1.º, do artigo 661, do Código Civil.

Observou-se, ainda que foram apresentados 2 traslados de procuração onde GNB outorga poderes para RNP; um deles é uma minuta e as Serventias Imobiliárias estão impedidas de, em abstrato, promover o exame de minutas ou formulários

Passo a examinar cada uma das exigências, apresentando a Vossa Excelência o entendimento deste Registrador.

Mandato – poderes especiais e expressos

Os emitentes, coobrigados e devedores fiduciantes, são representados por RNP, nos termos das várias procurações apresentadas.

Em síntese, a controvérsia cinge-se a definir a extensão dos poderes conferidos pelo mandato outorgado ao representante.

Reza o art. 661 do vigente Código Civil:

Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1º Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

A questão passa, portanto, por definir o que sejam poderes especiais e expressos e, ato contínuo, verificar se as procurações outorgadas preenchem esta exigência legal.

A redação das procurações lavradas em São Paulo e Madri, pela autoridade consular, sugere mandato para simples administração: são conferidos os mais amplos, gerais e ilimitados poderes para gerir e administrar todos os bens dos outorgantes, com extenso elenco de autoridades e atos passíveis de realização.

Tais mandatos podem ser expressos, mas não são específicos.

Para alienação ou oneração de bens imóveis a lei exige mandato com a conjugação de poderes especiais e expressos. Poderes especiais, na lição de Serpa Lopes, consistem na “individualização de cada um dos poderes conferidos, com um caráter de especificidade”. Já poderes expressos quer dizer que a manifestação de tais poderes há de se revelar “exteriormente de um modo a ser compreendida direta e inequivocamente, não se permitindo uma interpretação por deduções”. (SERPA LOPES. Curso de Direito Civil. Fontes das obrigações: contratos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 250).

As procurações apresentadas de fato são expressas, isto é, revelam claramente o seu âmbito de incidência, mas peca pela sua inespecificidade, já que impera, aqui também, um princípio de especialidade dos poderes, que devem incidir sobre os negócios e bens perfeitamente especializados e individuados.

A lição de  Pontes de Miranda, sempre relembrada, merece ser transcrita por sua clareza e precisão:

Mandato expresso e mandato com poderes especiais são conceitos diferentes. É expresso o mandato em que se diz: ‘com poderes para alienar, hipotecar, prestar fiança’. Porém não é especial. Por conseguinte, não satisfaz as duas exigências do artigo 1.295, parágrafo 1º, do Código Civil que fala de ‘poderes especiais e expressos’. Cf. Código Comercial, artigo 134, in fine. Poderes expressos são os poderes que foram manifestados com explicitude. Poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados. Não pode hipotecar o imóvel “a” o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem se dizer qual o imóvel: recebeu poder expresso, mas poder geral, e não especial. Cf. 4ª; Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 20 de abril de 1944 (R. dos T., 151, 651).” (Tratado. T. XLIII, Rio de Janeiro: Borsoi, 1963, p. 35, § 4.679, n. 3).

O próprio Clóvis remarcou sua posição de maneira clara ao comentar o art. 1.295 do código de 1916 (com a mesma redação agora reproduzida no art. 661 do vigente):

O mandato geral, ainda que declare que o mandante terá todos os poderes, libera administratio, somente confere os da administração ordinária. O mandato para conferir direitos, que excedam da administração ordinária, deve ser especial, isto é, devem os poderes referir-se, expressa e determinadamente, ao negócio jurídico.

1.a – O mandato relativo a todos os negócios do mandante, omnium rerum não se restringirá aos atos de simples administração, desde que expressamente conferir poderes para os diferentes atos que os exigem especiais”. (BEVILAQUA. Clóvis. Código Civil comentado. Vol. V, 2º tomo – obrigações, São Paulo: Francisco Alves, 1926, p. 41).

Carvalho Santos acompanha a doutrina. Diz que a questão da exigência de mandato com poderes expressos e especiais não apresenta tão grande dificuldade:

O Código exige não só poderes expressos, mas também especiais, o que vale dizer: para que o mandatário possa alienar bens do mandante faz-se mister que expressamente a procuração lhe confira poderes para tanto, com referência a determinado ou determinados bens especializados, ou concretamente mencionados na mesma procuração (CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado. Direito das Obrigações. Vol. XVIII, 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993, p. 165).

Ainda recentemente, comentando o referido art. 661 do Código Civil, Cláudio Luiz Bueno de Godoy registra que a lei não contém termos inúteis e que os poderes expressos “identificam, de forma explícita (não implícita ou tácita) exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender)”. E segue pontuando que os “poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender tal ou qual imóvel)”. E conclui dizendo que sem a especialização do bem “haverá poderes expressos, mas não especiais, inviabilizando então a consumação do negócio pelo procurador”. (GODOY. Cláudio Luiz Bueno de. PELUSO, Cézar, Org. Código Civil comentado. 6ª ed. São Paulo: Manole, 2012, p. 681).

Como se vê, a necessidade de conferência de poderes expressos e específicos é da tradição do direito brasileiro. Mesmo quando se admita procuração em que todos os imóveis do mandante autorizadamente possam ser alienados, tal circunstância especial deverá ser apontada no instrumento (cfr., a propósito, as observações de CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado. Direito das Obrigações. Vol. XVIII, 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993, p. 163 e 164)

Jurisprudência

O Conselho Superior da Magistratura enfrentou a questão, tendo o V. Órgão decidido pela negativa do registro nos casos em que o alienante terá sido representado por procuração com poderes expressos, porém inespecíficos.

Trata-se da Ap. Civ. 524-6/3. O eminente relator destacou que o art. 661 exige a conjugação cumulativa de poderes especiais e expressos para alienação de imóveis. Citando a lição de Pontes de Miranda, acima transcrita, remata:

Conclui-se, pois, que os poderes especiais e os poderes expressos, referidos no § 1º do artigo 661 do Código Civil, têm significados diversos.

Estes últimos são os referidos no mandato (exemplo: poderes para vender, doar, hipotecar, etc). Já aqueles correspondem à determinação específica do ato a ser praticado (exemplo: vender o imóvel ‘A’, hipotecar o imóvel ‘B’, etc). E o ordenamento jurídico, como já visto, exige a presença de ambos na procuração com o escopo de se alienar bens.

Isso mais se avulta quando a hipótese envolve a venda de imóveis, cujo alto valor que, em regra, tais negócios encerram, já impõe, por si só, redobrada cautela, ainda que outorgante e outorgado sejam entre si casados.

Daí decorre o entendimento de Carvalho Santos, citado por Arnaldo Marmitt:

Da necessidade dos poderes expressos e especiais para poder o mandatário alienar bens de propriedade do mandante resulta, também, a necessidade de constarem na procuração os bens a serem vendidos, devidamente individualizados, a não ser que os poderes abranjam todos os bens do mandante (Mandato, Aide Editora, 1ª edição, 1992, p. 182.3).

No mesmo sentido, decidiu o TRF da 5ª Região:

O mandato, para conferir poderes que ultrapassem a simples administração ordinária, deve ser outorgado em termos especiais, isto é, os poderes devem referir-se, especificamente, determinadamente, ao negócio jurídico que se tem em mira.

(…)

Os poderes conferidos sempre se interpretam restritivamente. Incidência, na hipótese, dos arts. 145, III, e 1.295, § 1º, do Código Civil, anterior às alterações introduzidas pela Lei 10.406/2002 (Apelação Cível nº 303.001-PB, Relator Desembargador Federal Frederico Azevedo, julgada em 11 de dezembro de 2003, por unanimidade).

O mandato, assim, embora contenha poderes expressos para alienar, não atribui poderes especiais para a transação em questão. (Ap. civ. 524-6/3, Serra Negra, rel. Gilberto Passos de Freitas, j. 3.8.2006).

O STJ vem sustentando o entendimento que se fez majoritário na doutrina e na jurisprudência. O mais recente dos acórdãos foi relatado pelo Ministro Luís Felipe Salomão, cuja ementa (parte) é a seguinte:

“3. Para realização de negócio jurídico que transcende a administração ordinária, tal qual a alienação de bens imóveis, exige-se a outorga de poderes especiais e expressos, com a respectiva descrição do objeto a ser negociado. Precedentes”. (REsp. 262.777-SP, j. 5.2.2009, rel. min. Luís Felipe Salomão).

Além desse recente julgado, podem ser consultados os seguintes arestos: REsp 79.660-RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 25.11.1996, assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL – ALIENAÇÃO DE IMOVEL – PODERES ESPECIFICOS E EXPRESSOS – MATERIA DE FATO.

I – Tratando-se de ato típico de alienação, que transcende da administração ordinária, a cessão de uso exige a outorga de poderes especiais e expressos.

II – A matéria fática da lide, em que se ancorou o aresto recorrido, não pode ser revista em sede de especial (Sum. 7/STJ).

III – recurso não conhecido.

Vários outros julgados antecedentes trilharam a mesma senda, valendo citar os seguintes: REsp 31.392-SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 25.8.1997; REsp 98.143-PR, rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19.2.1998; REsp 170.294-PA, rel. min. Waldemar Zveiter, j. 9.6.1998.

No bojo desses arestos há referência a precedente do Supremo Tribunal Federal (RE 90.779-RJ), da relatoria do ministro Cordeiro Guerra, assim ementado:

Não nega vigência ao art. 1.295, 1º, do Código Civil, o acórdão que anula doação feita com procuração que não especifica o bem a ser doado, nem o donatário, quando o mandatário, às vésperas do desquite, usando procuração genérica com poderes para alienar os bens do casal, doa parte do imóvel da esposa ao filho, à revelia da mandante, com quem era casado pelo regime da sepração absoluta de bens. (RTJ 96/806, RE 90.779-RJ).

Essa orientação jurisprudencial é longeva. Acrescento, para arrimo das teses, o decido pelo STF no antigo Recurso Extraordinário 25.851, de São Paulo, rel. min. Luiz Gallotti, assim ementado:

Procuração. Hipoteca. Poderes expressos.

Para hipotecar, exigem-se poderes especiais e expressos. Art. 1295, § único do Código Civil.

Os poderes impressos constantes de instrumento do mandato só valerão, se forem ratificados pelo outorgante.

Por fim, este é o teor do Enunciado 183 do Conselho da Justiça Federal:

“Para os casos em que o parágrafo primeiro do art .  661 exige poderes especiais, a procuração deve conter a identificação do objeto”.

Em conclusão, as procurações apresentadas não preenchem os requisitos legais para sustentar a alienação fiduciária em garantia instrumentalizada pelo contrato privado anexo.

Uma última palavra acerca da procuração outorgada por GNB a 19.4.2011.

Nesse caso, a procuração especializa o negócio e o objeto, como exige a lei civil. Contudo, o documento não foi firmado e autenticado como os demais o foram pelo Consulado-Geral do Brasil e Madri, o que nos leva a considerar que se trate de cópia reprográfica ou minuta – em todo o caso sem validade e eficácia para os fins do contrato.

Devolvo a qualificação do título a Vossa Excelência para que possa apreciar soberanamente o caso concreto e lhe dar o deslinde adequado.

Com os nossos cordiais cumprimentos.

São Paulo, 7 de maio de 2012.

Sérgio Jacomino

5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo.

Written by SJ

10 de maio de 2012 às 12:04 PM

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