1045458-29.2014.8.26.0100. Especialidade objetiva – alteração de numeração predial
Processo 1045458-29.2014.8.26.0100 – Protocolo 273.292
Interessado: CM.
Especialidade objetiva. Numeração predial. Alteração de numeração predial. Necessidade de certidão municipal para a prática do ato de averbação (art. 167, II, 4 c.c. art. 246, § 1º da LRP).
- Processo 1045458-29.8.26.0100, São Paulo, j. 3.6.14, juiza: Tânia Mara Ahualli – decisão
À Excelentíssima Senhora
Dra. TÂNIA MARA AHUALLI,
Juíza de Direito da 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo requerimento formulado pelo interessado vem, nos termos do art. 198 da LRP, suscitar dúvida pelos fatos e fundamentos seguintes.
Foi apresentado para registro a escritura pública de inventário e partilha lavrada nas notas do 2º Tabelião de Notas da Capital (livro 2.524, p. 349 e ss.) relativa ao inventário extrajudicial de JMF.
O título foi sucessivamente prenotado até que, reapresentado, e novamente prenotado (protocolo 273.292), remanescendo um único óbice oposto ao seu ingresso, os interessados, não se conformando, requereram a suscitação de dúvida.
Permanece a inscrição no Livro 1 – Protocolo em vigor até a solução definitiva deste processo de dúvida, nos termos do art. 203 da mesma LRP.
Especialidade objetiva
A controvérsia cinge-se exclusivamente ao seguinte fato: o imóvel transmitido aos herdeiros, e que é objeto da Matrícula 58.796 deste Registro, constitui-se de terreno e prédio “com dois pavimentos para uma loja e duas residências, com 180,00m2 de área construída e recebendo os n. 786, 788 e 790 da Rua Rodrigues dos Santos” (av. 2/58.796). Já a descrição do imóvel consignada na referida escritura, divergindo do que consta do registro, aludirá a um prédio com dois pavimentos – uma loja e duas residências, com a área construída de 180m2, números 786 e 788, “antes números 786, 788 e 790, anteriormente número 156”.
Há uma evidente mutação na situação física dos imóveis sem que tal mudança tenha sido objeto de averbação instruída com base em documentos oficiais (art. 167, II, 4 c.c. art. 246, § 1º da LRP).
A interessada, por seu turno, justifica que a exigência seria descabida pelas razões que indica em sua alentada petição dirigida a este oficial Registrador. Peço vênia a Vossa Excelência para indicar os argumentos e alinhavar as razões pelas quais considero invencível a exigência formulada por nós.
Averbação equivocada
A base para a refutação da exigência deste Registro cingiu-se à alegação de que essa numeração nunca existiu e que, portanto, a Prefeitura Municipal jamais poderia “expedir certidão constando algo inexistente em seus registros” (fls.). E mais: tendo em mãos os documentos que serviram de base para a averbação guerreada, fornecidos por este mesmo Registro, alega que “em nenhum momento tais documentos mencionam que o imóvel em questão obteve três numerações concomitantes (786, 788 e 790) como equivocadamente consignado na averbação n. 2” (fls.).
Em suma: a averbação não exprimiria a verdade documental, carecendo de ser retificada, nos termos do art. 212 da LRP.
Responde-se.
Em primeiro lugar, os próprios interessados declararam a existência dos prédios tal e como descritos na Matrícula 58.796. Tais declarações, prestadas perante o tabelião, foram por ele confirmadas já que se presume tenha examinado e analisado, como é próprio de seu nobre mister, os títulos de propriedade, verificando que o bem, objeto de inventário, seria constituído de um prédio com dois pavimentos (loja e duas residências), números 786 e 788, “antes números 786, 788 e 790 e anteriormente 156” (escritura referida, item 3.1).
Essa declaração consta do ato notarial. Ou seja, as partes envolvidas, e o próprio tabelião, reconheceram expressamente o trato que culminou na configuração física atual dos prédios envolvidos. Fosse de outra maneira, e o próprio tabelião, no aconselhamento ínsito à atividade, cavere notarial, recomendaria que se procedesse à retificação da averbação número 2 feita na Matrícula 58.796 antes de consagrar tal declaração no título.
Entretanto, optando por reduzir a termo a notícia de que houvera um mutação física no imóvel transmitido, criou, aos próprios interessados, o encargo de justificar e promover a alteração com base em documentos oficiais. Que não se consigam os documentos da Prefeitura Municipal é circunstância que escapa à qualificação registral.
Em segundo lugar, os documentos anexados a este procedimento pelos interessados compõem-se dos alvarás 122.659 e 146.635. Mas há outros, não anexados, e que foram apresentados por ocasião do registro e que podem nos ajudar a esclarecer a situação posta em debate.
Os alvarás noticiam o aumento de área construída para “prédio de 2 pavimentos destinados a 2 habitações à rua Rodrigues dos Santos n. 786 e 788”. Mas além dos ditos alvarás, temos o lançamento de IPTU de 1959, noticiando que existiriam no terreno da Rua Rodrigues dos Santos os prédios “786 a 790” (doc. # 1, anexo). Igualmente o ITBI, recolhido por ocasião da lavratura da escritura de doação de 9/11/1967 (registrada sob n. 3 na mesma Matrícula 58.796) e que traduz uma declaração dos proprietários indica, claramente, a existência dos prédios 786, 788 e 790 (doc. # 2).
Por fim, vale reproduzir o que se acha no bojo da escritura de doação que foi objeto do R. 3/58.796. Terá sido pelas declarações acolhidas no ato notarial e com base nos documentos acessórios que o acompanharam que se procedeu à Av. 2 da referida matrícula:
(…) a totalidade do citado imóvel é tributado da seguinte forma: o imposto municipal (predial) pelo contribuinte n. 017-088-0053 como Rua Rodrigues dos Santos n. 786 e 790 e a taxa de água e esgoto pelos n. 788 e 790 da mesma rua, ficando o Sr. oficial do Registro de Imóveis competente autorizado a fazer a averbação de numeração, valendo-se das certidões de tributos, municipal e estadual” (Escritura lavrada no 15º Cartório de Notas de São Paulo – livro 681, fls. 32v., negrito e itálico nossos – doc. # 3):
Como se vê, a configuração física do imóvel, com a numeração predial como consignada na matrícula representa a situação atual e somente baseados em documentos oficiais se poderá proceder à alteração da dita numeração predial. A jurisprudência consagra este entendimento. Na mesma 1ª Vara de Registros Públicos, destaca-se:
Especialidade objetiva – prova documento municipal – alteração de numeração predial.
ALTERAÇÃO DE NUMERAÇÃO PREDIAL – certidão da prefeitura. A apresentação de certidão municipal comprovando a alteração da numeração do imóvel alienado é imperiosa. Somente documento oficial poderá afastar qualquer tipo de questionamento acerca da individualização do imóvel. Processo 1VRPSP 0052332-52.2011.8.26.0100, j. 12/03/2012, Dje 21/03/2012, juiz Carlos Henrique André Lisboa.
Especialidade objetiva – alteração de numeração predial. EMENTA NÃO OFICIAL. Pelo princípio da especialidade, não se admite o acesso de título cuja descrição do bem não coincida com o registro anterior. Processo 1VRPSP 0022469-85.2010.8.26.0100 (100.10.022469-4), j. 28/10/2010, Dje 10/11/2010, Dr. Relator: Gustavo Henrique Bretas Marzagão.
No mesmo sentido: Processo 1VRPSP 583.00.2008.209220-1, São Paulo, j. 19/01/2009, Dje 03/02/2009, Juiz Dr. Gustavo Henrique Bretas Marzagão; Ap. Civ. 150-0, São Paulo, j. 20/11/1980, rel. des. Adriano Marrey.
Retificação de registro X dúvida registral
O art. 252 da LRP estabelece que o registro, latamente considerado, enquanto não cancelado, produz todos os seus regulares efeitos. O ataque de eventual erronia no registro deve ser promovido em sede própria – e não em procedimento de dúvida.
Aliás, a interessada acenou expressamente com a necessidade de retificação de registro em sua petição (fls.): “requer a reconsideração da indigitada exigência com a consequente retificação da averbação n. 2 à margem da matrícula 58.796” (fls.).
Os procedimentos administrativos de dúvida e de retificação de registro se distinguem muito claramente e têm o curso definido em dispositivos legais específicos: a dúvida no art. 198 da LRP; a retificação no art. 213 e seguintes. Embora o processamento de ambas se dê na Capital de São Paulo perante a 1ª Vara de Registros Públicos, a competência recursal, todavia, é distinta: no primeiro caso, competente é o Corregedor Geral da Justiça; no segundo o Conselho Superior da Magistratura.
Em conclusão, não se promove a retificação de registro no bojo de um processo de dúvida. Se a questão reduz-se à necessidade de mera retificação de registro, fica subentendido que a denegação de acesso, por via de consequência, há de ser reputada escorreita.
Jurisprudência
Esta é a orientação do Conselho Superior da Magistratura, como se vê da Ap. Civ. 63.968-0/8, da comarca de Itapetininga, cuja ementa é a seguinte:
Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Pretensão de retificação de registro – Inexistência de dissensão entre o interessado e o oficial registrador envolvendo ato de registro em sentido estrito – Recurso improvido – Decisão Mantida. (Ap. Civ. 63.968-0/8, Itapetininga, j. 28/10/1999, Dje 03/02/2000, rel. des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).
De resto, esta é a longeva orientação do Eg. Conselho, consoante precedentes. Peço vênia para citar parte do v. aresto na Ap. Civ. 6.773:
Não se afeiçoa o procedimento de dúvida ao deslinde de pretensões retificatórias ao registro. Visa a dúvida a solver dissonância do oficial em relação a registro stricto sensu de título que lhe é exibido (arg. do art. 198, Lei n.° 6.015, de 31-12-73), ao passo que a retificação tem por finalidade corrigir, por meio de averbação, assentamento errôneo. A última volta-se para o pretérito, buscando corrigi-lo; a dúvida curva-se para o futuro, tratando de alterar, por inscrição de fato novo, a situação jurídica real publicizada
(…).
Se há, no caso dos autos, inexatidão registral, cumpre ao Espólio interessado emendá-la por meio de processo próprio assegurado o contraditório, na medida em que a retificação pretendida envolve redução do objeto do direito real de promessa de venda e compra. Até, porém, que se profira determinação jurisdicional alteradora do teor da inscrição em tela, não pode recusar-se sua vigência, pena de ofensa ao preceito do art. 252, Lei de Registros Públicos. (Ap. Civ. 6.773-0, São Paulo, j. 09/02/1987, DJ 20/03/1987, rel. des. Sylvio do Amaral).
No mesmo sentido: Ap. Civ. 6.742-0, Ap. Civ. 6.783. Neste último acórdão há um elenco apreciável de decisões timbradas no mesmo sentido.
Conclusões
De todo o exposto é possível concluir:
- O procedimento de dúvida não é o meio adequado para retificação de possível erronia do registro. O interessado deverá valer-se das regras consagradas no art. 213 e seguintes da Lei de Registros Públicos para atingimento de seus objetivos.
- Suposto que os dados do registro espelhem a realidade das mutações físicas e jurídicas do imóvel da Matrícula 58.796, é imperiosa a apresentação de certidão municipal comprovando a alteração da numeração predial do imóvel alienado. Somente documento de caráter oficial poderá afastar qualquer tipo de questionamento acerca da individualização do imóvel e fundamentar a averbação modificativa.
- Indicado que tenha sido no ato notarial que a mutação na numeração predial efetivamente ocorreu, cria-se, para o interessado, o ônus de promover a averbação retificativa, nos termos do art. 167, II, 4 c.c. art. 246, § 1º da LRP.
Estas são as razões de denegação de registro.
Submeto o pedido a Vossa Excelência com o devido respeito e acatamento.
São Paulo, maio de 2014.
SÉRGIO JACOMINO
Oficial Registrador.
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