Cadastro municipal – exigibilidade
A questão abaixo debatida é controversa. Era uma suscitação de dúvida que a parte. notificada para impugná-la, desistiu de fazê-lo. Não sei o motivo da desistência. O fato é que a matéria envolve certas questões importantes sobre a coordenação do cadastro com o Registro de Imóveis. Eis a razão pela qual a publico aqui.
Procedimentos preliminares
Foi apresentada para registro escritura de sobrepartilha e adjudicação de direitos que tem por objeto parte ideal dos imóveis objetos das matrículas identificadas na suscitação de dúvida, todas desta serventia.
Cadastro – Registro – interconexão
O óbice apontado pelo Registro se relaciona à necessidade de comprovação do número do cadastro municipal dos imóveis objetos das matrículas indicadas. Tal requisito é essencial para a especialidade objetiva dos imóveis e para conferência dos tributos devidos pela sua transmissão.
No caso concreto, sempre houve a designação cadastral indicada no descerramento das matrículas respectivas.
[…]
Em suma: não é possível coordenar cada imóvel matriculado com o cadastro individualizado de cada um.
O descompasso entre a situação física (espelhada pelo cadastro municipal) e a jurídica (refletida pelo Registro) leva à indeterminação do objeto, o que fere o princípio da especialidade objetiva e inocula o germe da insegurança jurídica.
Este Oficial solicitou a comprovação da individualização de cada imóvel no cadastro municipal – ao que respondeu o interessado que os imóveis “possuem lançamento fiscal de forma regularizada junto a Municipalidade”. Contudo, apresentou certidões de tributos imobiliários e dados cadastrais que acabam por demonstrar que não houve a inscrição individualizada das casas e de seus respectivos terrenos.
A inscrição no cadastro municipal (Cadastro Imobiliário Fiscal) é exigência da Lei Municipal paulistana 10.819, de 28 de dezembro de 1989:
Art. 2º Todos os imóveis, construídos ou não, situados na zona urbana do Município, inclusive os que gozem de imunidade ou isenção, devem ser inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal”.
Especialização objetiva
A designação cadastral é um elemento importante na especialização objetiva do imóvel matriculado (letra “b”, 3, II, § 1º do art. 176 da LRP). A lei exige que se a indique “quando houver”.
Todavia, a lei municipal paulistana, já referida, obriga o cadastramento de todo e qualquer imóvel localizado no município de São Paulo. Infere-se da conjunção das leis federal e municipal que a indicação precisa do cadastro imobiliário é de fato exigível.
Constando a designação cadastral na especialização do imóvel, consoante prevê o artigo 176, § 1º, 3, “b” da Lei de Registros Públicos, sua alteração (ou cancelamento) exigiria alteração a ser promovida nos termos do art. 246 da Lei nº 6.015/1973.
Cadastro, ITCMD e base de cálculo de emolumentos
Por outro lado, a questão da indicação da inscrição cadastral está diretamente relacionada com a verificação do recolhimento de tributos – especialmente do imposto sobre transmissão causa mortis, como no caso.
Nos termos do art. 9º, § 1º, da Lei Estadual n. 10.705, de 2000, a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido, assim considerado o valor de mercado. Já o art. 13 da referida Lei, exige, quando se tratar de imóvel urbano ou direito a ele relativo, que o valor desta base de cálculo não seja inferior ao fixado para o lançamento do imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU.
Portanto, a indicação do número de inscrição no cadastro municipal é requisito obrigatório para a apuração da base de cálculo do imposto de transmissão causa mortis.
A questão se torna ainda mais problemática na medida em que o art. 8º da Lei nº 10.705, de 2000 traz regra de responsabilidade ao Registrador em caso de não observância do art. 25 da mesma lei, que assim dispõe:
Art. 8º. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – o tabelião, escrivão e demais serventuários de ofício, em relação aos atos tributáveis praticados por eles ou perante eles, em razão de seu ofício;
(…)
Art. 25. Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do pagamento do imposto.
Por fim, os registradores devem exercer rigorosa fiscalização do pagamento dos tributos devidos por força dos atos que pratiquem[1]. A regra encontra conforto no art. 289 da Lei 6.015/1973:
“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”
Esse dispositivo legal se coordena com o art. 30 da Lei 8.935/1994, inciso XI, e art. 134 do CTN.
Todas essas questões relacionam-se com os valores que são atribuídos pela autoridade fiscal e tributária municipal a cada um dos imóveis transmitidos. A regularização da situação cadastral é medida administrativa relativamente fácil de ser conseguida.
Por fim, a 1ª Vara de Registros Públicos de SP já conta com um precedente desta Serventia: Processo 1029068-08.2019.8.26.0100, j. 17/5/2019, DJe 20/5/2019, Dra. Tânia Mara Ahualli (http://kollsys.org/nbs).
Por essas razões e em atenção ao princípio da estrita legalidade, foi denegado o registro.
[1] Processo nº 1036090-83.2020.8.26.0100 da 1ª VRPSP, J. 31/7/2020, Dj. 4/8/2020. Acesso: http://kollsys.org/p83. Processo nº 1017878-87.2015.8.26.0100 da 1ª VRPSP, J. 31/3/2015, Dj. 7/4/2015. Acesso: http://kollsys.org/hvp.
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