Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

1042783-44.2024.8.26.0100. Hipoteca – cancelamento – quitação. Assinatura eletrônica avançada – qualificada.

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Cancelamento de hipotecas – Assinatura avançada versus qualificada

Sérgio Jacomino.

Pedido de Providências – Averbação de Cancelamento de Hipotecas – Assinatura Eletrônica Avançada. Pedido de providências contra a negativa de averbação de cancelamento de hipotecas do imóvel matriculado. Termo de liberação de garantia hipotecária com assinatura eletrônica avançada, desatendendo às formalidades legais. Discute-se a aplicabilidade da Lei n. 14.063/2020 e da MP n. 2.200-2/2001, especialmente após a recente alteração pela Lei n. 14.063/2024, quanto ao uso de assinaturas eletrônicas em atos de registro imobiliário. Considerando a importância da segurança jurídica nos atos registrais e a necessidade de observância às formalidades previstas na legislação, incluindo a exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas para o cancelamento de hipoteca, julgou-se procedente o pedido de providências, mantendo o óbice registral imposto pelo Oficial do Registro de Imóveis (redigido pelo ChatDigestum).

Processo 1042783-44.2024.8.26.0100, São Paulo, j. 8/4/2024, DJ 9/4/2024, Dra. Renata Pinto Lima Zanetta. Disponível: http://kollsys.org/u6g

A questão das modalidades de assinatura eletrônica admitidas no Registro de Imóveis é, ainda, um tema inseguro, assentado sobre um terreno doutrinário movediço, um microssistema em que se mesclam aspectos tecnológicos e jurídicos. Muito já se escreveu e falou sobre as mudanças advindas no bojo da onda reformista representada pela Lei 14.382/2022 e seus consectários legais e regulamentares. Muitos dispositivos, ainda pendentes de regulamentação, não oferecem um senso de direção, nem um ambiente seguro e livre de controvérsias, base para a atuação diuturna dos registradores.

Tive ocasião de enfrentar um caso prático que nesta coluna oficinal trago à consideração dos leitores do Migalhas Notariais e Registrais. Foi-nos apresentado requerimento formulado por grande instituição financeira, firmado por seus representante legais, em que se autorizava o cancelamento de “ônus” averbados na Matrícula X (na verdade, averbação-notícia de hipotecas registradas e transpostas nos termos do art. 230 da LRP.

A dita averbação se referia a três hipotecas (de 1º, 2º e 3º graus) que gravavam várias unidades de um condomínio edilício. Prenotado regularmente, o título fora posto em devolução com exigências, contra as quais os interessados se insurgiram solicitando a “suscitação de dúvida”. Sobrestamos o protocolo e processamos o pleito como pedido de providências. Ao final deste estudo, o leitor poderá acessar a decisão proferida pela magistrada.

Disclaimer

Antes de prosseguirmos, deixe-me fazer um alerta. Apesar de o pleito ter sido indeferido, a lei faculta ao interessado recorrer à Eg. Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, podendo ocorrer (ou não) a reforma da r. sentença, razão deste aviso.

Penso que, apesar disso, o tema merece ser explorado e discutido, motivo pelo qual o divulgo nestas páginas. Tenho perfeita consciência de que, consentaneamente com a viragem (de)formalista provocada pela reforma legal – igualmente no que diz respeito às assinaturas eletrônicas – , pode estar em curso um processo de substituição progressiva da segurança jurídica – representada pelo rigor formal no acesso dos títulos ao registro (lembrem-se: autenticidade, autoria, integridade e notarização) – pela segurança econômica e/ou tecnológica.

Estes são temas atuais e que estão a merecer profunda reflexão dos registradores e notários brasileiros.

Objeções ao ingresso do título

As exigências formuladas pelo Registro de Imóveis cingiram-se a um único ponto: O documento foi apresentado fisicamente, cópia simples, extraída de típico documento eletrônico. Por este motivo, entendeu-se que ele não atenderia às exigências de cumprimento de formalidades legais. Como se sabe, exige-se, para o cancelamento de hipotecas, documento no original, datado, assinado, firmas reconhecidas dos subscritores, representantes do credor hipotecário. Na réplica que ensejou o pedido de reconsideração, os interessados agitaram os seguintes argumentos:

  1. Haveria expressa referência normativa para acessar o Portal de Assinaturas da instituição financeira, nos termos dos itens 365 e 374 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça (NSCGJSP).
  2. O termo de quitação fora formado obedecendo-se aos requisitos da ICP-Brasil, sem que se promovesse a distinção entre assinatura avançada e qualificada.
  3. Verificação de autenticidade no site do ITI – Instituto de tecnologia da informação.
  4. Apresentação de pen-drive com o “documento original” para fins de validação das assinaturas. Envio do título por e-mail.

Enfrentamos, respeitosamente, os argumentos do Sr. advogado, com nossas objeções submetidas à apreciação do juízo competente.

a) Assinatura ICP-Brasil (itens 365 e 374 das NSCGJSP)

De todos os itens que compõem a série indicada pelos interessados, destaco do Capítulo XX das NSCGJSP o seguinte:

366.1. É permitida a recepção para registro de imagens de documentos, preferencialmente no formato PDF, ou padrão mais atual a ser definido pela Central Registradores e autorizado pela Corregedoria Geral da Justiça, desde que o acesso ao original nato digital possa ser realizado para conferência através de sites confiáveis.

As alterações das ditas NSCGJSP foram consagradas por meio do Provimento CG 56/2019, de 11/12/2019, baixado pelo então Corregedor Geral de Justiça, Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco. Os estudos que embasaram a reedição das Normas de Serviço naquela ocasião foram compilados no bojo do Processo CG 81.973/2018[1]. Portanto, o ato normativo foi baixado em data anterior às sucessivas alterações legislativas que inovaram o panorama das chamadas assinaturas eletrônicas e para a autenticação e verificação de autoria e integridade dos documentos digitalizados que acedem o Registro Imobiliário. Citem-se, especialmente:

  1. Lei 14.063, de 23 de setembro de 2020, que estabeleceu que, “nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, será necessária a assinatura eletrônica qualificada (inc. IV, § 2º, art. 5º).
  2. Lei 14.382/2022, de 27 de junho de 2022. Esta lei alterou as Leis 6.015/1973 e 11.977/2009, entre outras, conforme segue:
    1. Lei 6.015/1973. Reza o § 1º do art. 17: “O acesso ou o envio de informações aos registros públicos, quando realizados por meio da internet, deverão ser assinados com o uso de assinatura avançada ou qualificada”, (…) nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça.
    1. Lei 11.977/2009. Reza o art. 38: “Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, com a utilização de assinatura eletrônica avançada ou qualificada”.
    1. Lei 14.620/2023. As instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário foram autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública e os partícipes dos contratos correspondentes poderão fazer uso das assinaturas eletrônicas nas modalidades avançada e qualificada de que trata a Lei.

Como vimos, os itens das NSCGJSP foram editados anteriormente às leis supervenientes. A sua exegese deve ser iluminada pelo quadro legal atualmente em vigor. A utilização da assinatura eletrônica avançada, de cuja espécie é a utilizada no documento apresentado pelos interessados (§ 2º do art. 10 da MP 2.200-2/2001), acha-se pendente de regulamentação pela E. Corregedoria Nacional de Justiça, nos termos das leis citadas.

Em suma: para o cancelamento de hipotecas – inscrições constitutivas negativas – liberando o imóvel dos direitos reais de garantia, todo o rigor deve ser observado. Para tanto, os requerimentos firmados pelo credor devem ser autenticados pelo notário (inc. II do art. 221 da LRP c.c. inc. I do art. 251 da LRP) ou devem ser firmados pelo credor com assinaturas eletrônicas qualificadas (ICP-Br – § 1º do art. 10 da MP 2.200-2/2001).

b) Distinção entre assinatura eletrônica avançada e qualificada

O requerimento apresentado a registro foi firmado com típica assinatura eletrônica avançada, embora traga no seu frontispício o logo da ICP-Brasil. A espécie molda-se ao tipo estabelecido no inciso II do art. 4º da Lei 14.063/2020:

assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:

a) está associada ao signatário de maneira unívoca;

b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;

c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável”.

A modalidade da assinatura avançada vem delineada igualmente na própria MP 2.200-2/2001, no § 2º do art. 10:

 “O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.

Admite-se o uso da assinatura avançada desde que as partes admitam o documento firmado como “válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento” (Inc. II do art. 4º da Lei das Assinaturas Eletrônicas). Ou seja, o seu uso decorre de um acordo prévio de vontades que envolve não só os firmantes, mas integra, no seu plexo eficacial, aqueles em face de quem o documento produzirá seus efeitos. O Registro de Imóveis produz efeitos erga omnes; somente a assinatura qualificada supre as exigências de garantia de autoria, autenticidade e integridade dos documentos apresentados a registro, repercutindo os seus efeitos em face de todos os terceiros (além das próprias partes firmantes do instrumento). Tais presunções de autenticidade, autoria, integridade decorrem diretamente da lei, não dependem de qualquer aceitação das contrapartes ou de terceiros. Diz o § 1º do art. 4º da Lei 14.063/2020: “a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos”.

Não será mero acaso que a recente reforma legislativa espanhola – Lei 11/2023, de 8 de maio[2] – que transpôs parte das Diretivas da União Europeia em matéria de digitalização de atos notariais e registrais, reformando a Lei do Notariado de 28/5/1862, o Código de Comércio (Real Decreto de 22/8/1885) e a Lei Hipotecária, aprovada pelo Decreto de 8/2/1946[3], consagrou o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas[4].

c) A reforma da Lei 14.620, de 2023 e a eficácia contida da norma

O interessado poderia agitar em seu favor a recente alteração da Lei 14.063/2020 que em seu artigo Art. 17-A dispôs:

“As instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública e os partícipes dos contratos correspondentes poderão fazer uso das assinaturas eletrônicas nas modalidades avançada e qualificada de que trata esta Lei”.

De fato, a lei faculta às entidades financeiras do crédito imobiliário o uso da modalidade avançada ou qualificada de assinaturas eletrônicas – como equiparou seus instrumentos a alguns dos efeitos da escritura pública. Entretanto, é preciso verificar que a eficácia deste dispositivo – especificamente no que se refere aos efeitos que poderão produzir nos Registros Públicos – acha-se na dependência da regulamentação do SERP – Sistema de Eletrônico de Registros Públicos pela Corregedoria Nacional de Justiça, que haverá de estabelecer os requisitos e padrões de segurança e interoperabilidade de todo o sistema. Ou seja, será o Poder Judiciário, por seus órgãos, que definirá qual modalidade de assinatura eletrônica será utilizada em cada ato específico, seja de mera averbação ou de registro. Diz o art. 38 da Lei 11.977/2009:

“Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, com a utilização de assinatura eletrônica avançada ou qualificada, conforme definido no art. 4º da Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020”.

As entidades poderão, de fato, utilizar as assinaturas eletrônicas “nas modalidades avançada e qualificada de que trata esta Lei”, vale dizer: para todas as modalidades de operações que realizem, exceto aquelas que haverão de produzir efeitos jurídicos constitutivos ou declarativos no Registro de Imóveis e que se acham pendentes de regulamentação[5]. Além disso, vale repisar: o uso da assinatura avançada somente se legitimará quando for expressamente admitida “pelas partes como válido ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento” (inc. II do art. 4º da Lei das Assinaturas Eletrônicas). No caso dos termos de liberação de garantia hipotecária, trata-se de documento firmado unilateralmente pelo credor e os efeitos que se originarão de seu ingresso no fólio hão de projetar-se erga omnes – inclusive contra o próprio registrador, que poderá ser responsabilizado pela admissibilidade de documentos inidôneos ou fraudados[6].

A regulamentação, pelo CNJ, solverá as contradições e desconformidade entre as várias disposições legais.

d) ITI – Verificação de autenticidade

O documento apresentado a registro não foi reconhecido pelo ITI – Instituto de Tecnologia da Informação do Governo Federal. Todavia, o sistema do próprio Banco reconheceu a assinatura do subscritor. Neste passo, é preciso observar que a autenticação da assinatura não se acha indissoluvelmente ligada à integridade do próprio documento, pois a autenticação se faz por meio de um simples QR-code e pelo código de verificação (hash) que revelam, unicamente, a autenticidade do firmante, não a integridade do documento sobre o qual a assinatura incide. Tampouco se verifica uma vinculação indissolúvel entre uma e outro. Basta pensar na possibilidade de se substituir o conteúdo do documento, mantendo-se a observação lateral e os códigos de verificação (hash e QR-code). O documento poderá servir muito facilmente a todo tipo de fraude.

e) Apresentação de pen-drive com o “documento original” para fins de validação das assinaturas. Envio pelo e-mail.

O pen-drive não revelava outro arquivo que não o mesmo enviado pelas plataformas eletrônicas. Nada se pode acrescentar além do que foi dito acima. Ao documento portado pelo pen-drive se aplicam as considerações acima dispendidas. Ademais, não se admite o envio de títulos a registro por intermédio de e-mail do interessado, nos termos do item 368.4 das NSCGJSP:

“O título eletrônico poderá também ser apresentado direta e pessoalmente na serventia registral em dispositivo de armazenamento portátil (CD, DVD, cartão de memória, pen-drive etc.), vedada a recepção por correio eletrônico (e-mail), serviços postais especiais (SEDEX e assemelhados) ou download em qualquer outro site”.

NSCGJSP e jurisprudência

Os itens 365 e 366 do Cap. XX das Normas de Serviço rezam:

“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 – Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.

366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.

Aqui se reitera a necessidade de homologação da plataforma pelos órgãos correcionais nacional e estaduais. A própria 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo vem de decidir exatamente nesse sentido:

“O título particular, portanto, pode ser acolhido em formato eletrônico, mas desde que estruturado conforme padrões próprios de arquitetura eletrônica para o recebimento de assinatura digital de todos os signatários e testemunhas.

No caso concreto, porém, as assinaturas das partes e das testemunhas não foram produzidas com certificado digital ICP-Brasil, como exigem o artigo 5º, § 2º, IV, da Lei n. 14.063/2020, e o artigo 324, § 1º, I, do Provimento CNJ n. 149/2023 (fls. 11/27 e 28/30)”.

A exigência, portanto, subsiste”[7].

                Mais recentemente, a Eg. Corregedoria Geral de Justiça do nosso estado julgou improcedente recurso de parte interessada confirmando a negativa de averbação de cancelamento de hipoteca registrada. Diz o magistrado parecerista:

“Como se vê, não basta que o título tenha sido encaminhado por intermédio do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR) e que o requerimento apresentado ao Oficial de Registro venha assinado digitalmente pelo apresentante. É preciso que o título seja nativamente digital (gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários), digitalizado com padrões técnicos ou, então, que tenha sido desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil”[8].

O documento apresentado não se configura conforme as espécies indicadas na r. decisão.

Venho insistindo que a Lei 14.382/2022 acabou sancionando o que pode vir a ser uma monstruosidade: a ereção do particular à figura de agente autenticador, para fins de registro, de documentos encaminhados a registro. V. § 2º do art. 130 e art. 6º da Lei 14.382/2022[9]. O envio dos títulos a registro tende a sujeitar-se às seguintes hipóteses:

  1. mediante desmaterialização realizada por notário ou registrador (artigos 23 e 29 do Provimento nº 100/2020 do Conselho Nacional de Justiça[10] e artigo 1º, § 4º, da Lei 6.015/73); ou
  2. mediante apresentação na serventia, em meio físico; ou ainda
  3. quando assinado digitalmente pelos representantes do credor, atendendo aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil (artigo 17, § 1º, da Lei 6.015/73, itens 366 e 366.5 do Capítulo XX das NSCGJ-SP).

Além disso, o envio do documento deu-se pelas plataformas compartilhadas do ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico (protocolo eletrônico), infraestrutura igualmente dependente de regulamentação pela Corregedoria Nacional de Justiça.

Por fim, nunca é excessivo relembrar o disposto no § 5º do art. 5º da Lei 14.063, de 23 de setembro de 2020, que reza que, no caso de “conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas”.

Está em causa a ausência de fé pública do apresentante de documentos “digitalizados com requisitos técnicos”, conforme se verá de passagem logo abaixo.

Conselho Superior da Magistratura

Depois do julgamento dos processos pela Corregedoria Geral de Justiça, o Eg. Conselho Superior da Magistratura do Estado visitaria o tema no julgamento da Ap. Civ. 1032116-25.2022.8.26.0114[11], tendo por objeto um instrumento particular de compra e venda e alienação fiduciária em garantia.

A parte interessada sustentava (s. m. j., de modo tergiversante) que o instrumento fora “devidamente assinado por todas as partes mediante certificação digital, em conformidade com o inc. I do art. 5º do Decreto n. 10.278/2020, dentro do padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)”. Todavia, o mesmo interessado declararia que a verificação e confirmação da validade das assinaturas apostas seriam feitas pelo acesso à plataforma privada, “via portal validador”, o que indica que a modalidade de assinatura eletrônica seria outra, não a qualificada e em “conformidade com o inc. I do art. 5º do Decreto n. 10.278/2020” (ICP-Brasil).

O Oficial corretamente identificara que o título não fora formado nos exatos termos do inc. I do art. 5º do Decreto 10.278/2020 (ICRP-Br), razão pela qual exigira a apresentação do título em formato “nato-digital e assinatura eletrônica de todos os subscritores ou no original”. De fato, o artigo 5º contém três incisos – o primeiro deles trata exatamente da assinatura eletrônica qualificada, firmada com o certificado vinculado à ICP-Brasil (inc. III do art. 4º da Lei  14.063/2020 e § 1º do art. 10 da MP 2.200-2/2001). Extrai-se do texto do v. acórdão:

“O Oficial Registrador informou que a plataforma utilizada para a assinatura do título só vale entre as partes que convencionam seu uso; que o título não foi assinado com certificação digital por todas as partes, nos termos do art. 5º do Decreto n. 10.278/2020, (omissis); que a assinatura eletrônica qualificada, isto é, com certificado digital ICP-Brasil de todas as partes, é obrigatória para a transmissão de imóveis, não bastando o relatório apensado ao fim do documento para esse fim”.

O E. Conselho aludiu de passagem ao item 366.5 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, que admite o acesso de instrumentos públicos e particulares, portados por intermédio de plataformas eletrônicas, desde que se revista das seguintes formas: “documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes”, verbis:

“366.5. A recepção de instrumentos públicos ou particulares, em meio eletrônico, quando não enviados sob a forma de documentos estruturados segundo prevista nestas Normas, somente será admitida para o documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes”.

Parece extreme de dúvida que a utilização de assinaturas eletrônicas avançadas será eventualmente admitida, desde que haja a regulamentação pela Eg. Corregedoria Nacional de Justiça, como já demonstrado acima e nos casos excepcionais, como se verá abaixo.

Documentos digitalizados com requisitos técnicos

As respeitáveis decisões da CGJSP e CSMSP aludem aos “documentos digitalizados com requisitos técnicos”. A expressão foi decalcada do Decreto Federal nº 10.278, de 18 de março de 2020, e daria apoio ao revogado Provimento CNJ 94 de 28/3/2020 (e ao sucedâneo CNN/CN/CNJ-Extra). Com base nesse quadro normativo, busca-se fundamentar o acesso de documentos digitalizados “com padrões técnicos”, ou seja, “aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5º do Decreto n. 10.278, de 18 de março de 2020”.

Sempre é lembrado que a Lei 12.682, de 9 de julho de 2012 autorizou a digitalização e armazenamento em meio eletrônico e a reprodução de documentos públicos e privados (art.  2º-A), porém, desde que preenchidos o seguintes requisitos:

  1. Para a garantia de preservação da integridade, da autenticidade e da confidencialidade de documentos públicos será usada certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) – § 8º do art. 2º-A;
  2. O processo de digitalização deverá ser realizado de forma a manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do documento digital, com o emprego de assinatura eletrônica (art. 3º);
  3. Os registros públicos originais, ainda que digitalizados, deverão ser preservados de acordo com o disposto na legislação pertinente.
  4. Os documentos digitalizados deverão observar as legislações específicas e regulamento.

A digitalização de documentos feita nos termos da Lei 12.682/2012 deve observar os requisitos e padrões estabelecidos pelos órgãos competentes – em primeiro lugar, os órgãos do próprio Poder Judiciário. Por outro lado, todos os órgãos públicos devem observar os padrões técnicos estabelecidos nas diretrizes baixadas pelo Arquivo Nacional (inc. IV do art. 2-A do Decreto 4.073/2002). Os documentos que os registros públicos recebem, alteram, arquivam, geram (especialmente os atos próprios), seja em que meio for, são reputados documentos de preservação permanente, assim definidos no § 3º do art. 7º da Lei 8.159/1991. Mesmo os documentos microfilmados não podem ser descartados, mas devem ser recolhidos ao arquivo público (art. 13 do Decreto 1.799/199). Este é o sentido do conjunto normativo representado pelos artigos 22 a 27 da LRP e art. 46 da Lei 8.935/1994.

 A especificação dos tais padrões técnicos e metadados, exigidos pelo decreto, não foi até hoje estabelecida para o foro extrajudicial. No âmbito de incidência do Decreto 10.278/2020, coube ao CONARQ, por meio da Resolução 48, de 10 de novembro de 2021, a tarefa de especificar e estabelecer padrões e requisitos técnicos mínimos exigíveis para a garantia de validade (stricto sensu, i. e, em sua ordem) dos documentos digitalizados[12].

O próprio Judiciário, no âmbito do CNJ, baixou a Resolução 469, de 31/8/2022, que estabeleceu critérios para a digitalização de documentos recepcionados e processados em sistemas de gestão documental (que não há para o extrajudicial). É necessário cumprir com os requisitos estabelecidos pela administração “de forma a garantir a integridade, a autenticidade, a confidencialidade, a disponibilidade e a preservação” de tais documentos.

A pergunta que sempre calha é esta: quais são os padrões e requisitos técnicos que os documentos digitalizados devem cumprir para produzir os efeitos jurídicos que os habilite a ingressar no Registro de Imóveis? A resposta que sempre ocorre é esta: deve-se observar o padrão de digitalização (anexo I) e a inserção de metadados mínimos (anexo II do Decreto 10.278/2020). Todavia, a realidade é que qualquer resposta que se dê a esta pergunta acaba sendo despicienda, já que nem os que digitalizam os títulos e os enviam ao Registro de Imóveis observam, em regra e rigorosamente, os critérios (que nem sequer estão pré-definidos para o extrajudicial), nem os cartórios, que os recepcionam, baseiam-se em regras e padrões uniformes (que não estão estabelecidos). Não há um programa de gestão documental em meios digitais para os cartórios brasileiros e isto deve ser curado com urgência.

Por fim, é preciso reconhecer ser admissível que essa modalidade de assinatura eletrônica – dita “avançada” – possa ser excepcionalmente utilizada, como reconhece o v. acórdão do CSMSP citado. A adoção de um processo modal de admissibilidade de ingresso de títulos ao Registro de Imóveis, permitiria a assinatura avançada nos casos de mera atualização administrativa dos atos de registro – averbações de casamento, construção, demolição, e várias outras espécies de atos que são praticados a partir de documentos públicos, fidedignos, conservados e perenizados na fonte e cujas certidões expedidas sejam reputadas autênticas. Já a assinatura qualificada estaria reservada para as hipóteses de mutação da situação jurídica dos bens matriculados, consoante a regra do inc. IV, § 2º, do art. 5º da Lei das Assinaturas Eletrônicas.

Segurança jurídica versus rapidez e agilidade

É preciso conciliar segurança jurídica com agilidade, eficiência e rapidez nos processos registrais. Como alcançar um equilíbrio entre esses valores? A resposta acha-se na lei: instrumentos notarizados ou assinados com assinaturas eletrônicas qualificadas.

Especialmente para garantia dos interesses do próprio credor hipotecário, todo o esforço para aparelhar os seus instrumentos com a garantia de segurança e fiabilidade é sobejamente compensado pela segurança jurídica das transações.

O cancelamento de hipoteca é um ato especialmente importante e de consequências gravosas se não praticado com todo o cuidado e precaução – o chamado “prudente critério”.

Vale a pena conhecer a r. decisão que enfrentou a questão posta por este registrador. Ela pode ser consultada aqui: Processo 1VRPSP  1042783-44.2024.8.26.0100, São Paulo, j. 8/4/2024, Dje 9/4/2024, Dra. Renata Pinto Lima Zanetta.

Pedido de Providências – Averbação de Cancelamento de Hipotecas – Assinatura Eletrônica Avançada. Pedido de providências contra a negativa de averbação de cancelamento de hipotecas de imóvel matriculado. Termo de liberação de garantia hipotecária com assinatura eletrônica avançada, desatendendo às formalidades legais. Discute-se a aplicabilidade da Lei n. 14.063/2020 e da MP n. 2.200-2/2001, especialmente após a recente alteração pela Lei n. 14.063/2024, quanto ao uso de assinaturas eletrônicas em atos de registro imobiliário. Considerando a importância da segurança jurídica nos atos registrais e a necessidade de observância às formalidades previstas na legislação, incluindo a exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas para o cancelamento de hipoteca, julgou-se improcedente o pedido de providências, mantendo o óbice registral imposto pelo Oficial do Registro de Imóveis (ementa gerada pelo ChatDigestum). Decisão disponível em: http://kollsys.org/u6g.


[1] Processo CG 81.973/2018, São Paulo, J. 11/12/2019, Dje 16/12/2019, Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco. Disponível em: http://kollsys.org/oa6.

[2] Boletim Oficial do Estado n. 110, de 9/5/2023 – edição especial.

[3] Transposição da Diretiva (UE) 2019/1151 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20.6.2019, que altera a Diretiva (UE) 2017/1.132.

[4] No âmbito da União Europeia são utilizadas as assinaturas simples, avançadas e qualificadas, nos termos do Regulamento (UE) 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23/7/2014. As assinaturas eletrônicas qualificadas produzem efeitos jurídicos e legais equivalentes ao de uma assinatura manuscrita (art. 25, n. 2), desde que sejam criadas observando-se os requisitos previstos no Regulamento. Para efeitos de simplificação, é possível estabelecer uma equivalência entre as assinaturas qualificadas (EQS)  previstas no regulamento europeu e na Lei 14.063/2020 e MP 2.200-2/2002.

[5] Já tive ocasião de demonstrar que a reforma da reforma da reforma (que redundou na Lei 14.620, de 2023) é uma perfeita inutilidade. Basta pensarmos que os títulos constitutivos de direitos de garantia, oriundos do SFI e do SFH (instituições do crédito imobiliário), apresentados há décadas nos balcões do Registro de Imóveis, nunca foram autenticados pelos notários, sendo apresentados com a simples assinatura das partes, sem qualquer tipo de reconhecimento. Vide JACOMINO. Sérgio. MP 1.162/2023 – a reforma da reforma da reforma. In NALINI. José Renato. Sistema Eletrônico de Registros Públicos. Comentado por notários, registradores, magistrados e profissionais. São Paulo: Forense, 2022, p. 380. JACOMINO, Sérgio. Instrumentos particulares, títulos digitalizados – requisitos técnicos. As reformas sucessivas da Lei 14.382/2022. São Paulo: Observatório do Registro, 23.9.2023. Disponível: https://cartorios.org/2023/09/23/instrumentos-particulares-titulos-digitalizados-requisitos-tecnicos-as-reformas-sucessivas-da-lei-14-382-2022/.

[6] Não custa relembrar o cenário periclitante que surgiu no auge da pandemia pelos atos normativos em tão baixados pelo CNJ – especialmente  em termos de responsabilidade civil. O art. 208 da Código Nacional de Normas do CNJ (Provimento 149/2023), reza: “os oficiais de registro e os tabeliães, a seu prudente critério, e sob sua responsabilidade, poderão recepcionar diretamente títulos e documentos em forma eletrônica, por outros meios que comprovem a autoria e integridade do arquivo (consoante o disposto no art. 10, § 2º, da Medida Provisória 2.200-2/2001)”. Parece-nos que o “prudente critério” recomenda exigir, sempre, documentos notarizados ou assinados com certificados emitidos pela ICP-Brasil, deixando as modalidades de assinaturas avançadas (ou mesmos simples) para pleitos que não inovem a situação jurídica da matrícula. A preocupação não é cerebrina. Há notícia de indícios de crime de falsificação de documentos públicos envolvendo contratos particulares com força de escritura pública da Caixa Econômica Federal (Comunicação de Interesse Geral n. 0048674-67.2023.8.24.0710 do Núcleo IV – Extrajudicial do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina).

[7] Processo 1153196-61.2023.8.26.0100, São Paulo, j. 17/11/2023, Dje 22/11/2023, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad. Disponível: http://kollsys.org/tk0.

[8] Processo CG 1054061-56.2022.8.26.0506, Ribeirão Preto, dec. de 8/3/2024, Dje 12/3/2024, Des. Francisco Eduardo Loureiro. Disponível em: http://kollsys.org/tzm.

[9] No RTD, JACAOMINO, Sérgio. Oficina notarial e registral: Instrumento particular. Título inscritível – Certidão de RTD. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 9.11.2022, Disponível: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/376718/oficina-notarial-e-registral-instrumento-particular. No Registro de Imóveis, JACOMINO, Sérgio. SERP – havia uma pedra no caminho. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 9.1.2023. Disponível: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/379632/serp–havia-uma-pedra-no-caminho.

[10] O Provimento 100/2023 seria revogado pelo Provimento 149, de 30/08/2023 (Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça –  Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra). Definiu-se a digitalização (ou “desmaterialização”) o “processo de reprodução ou conversão de fato, ato, documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio não digital, para o formato digital” (inc. VIII do art. 285). Tal processo ocorre no âmbito do CENAD –  Central Notarial de Autenticação Digital dos notários (artigos 305 e 306 do CNN/CN/CNJ-Extra).

[11] Ap. Civ. 1032116-25.2022.8.26.0114, Campinas, j. 9/4/2024, Dje 16/4/2024, Des. Francisco Eduardo Loureiro. Disponível: http://kollsys.org/u7c.

[12] Os aspectos relacionados com a admissibilidade do “título digitalizado com padrões técnicos” foram abordados em JACOMINO. Sérgio. Original e cópia – o inebriante efeito especular da digitalização. Velhas questões, novos desafios. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais. 11.3.2024. Disponível: www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/403150.

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