Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

100.10.023195-0. Carta de adjudicação – ITBI

Processo 100.10.023195-0 – Protocolo 234.572
Interessado: G.G

Ementa: Carta de adjudicação. ITBI –  Condomínio edilício – prova de quitação de débitos condominais. Sem o recolhimento do ITBI (ou declaração de não incidência do órgão próprio da administração) e sem a comprovação de inexistência de débitos condominiais, o registro não se defere.

  • Protocolo 234.572 – ITBI – débitos condominiais
  • Processo 100.10.023195-0 – IBI – débitos condominiais. Sentença.

Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, no uso de suas atribuições, vem suscitar dúvida, nos termos do art. 198 da Lei 6.015, de 1973, atendendo ao expresso requerimento do interessado, Sr. G.G.

O título foi prenotado sob número 234.572, estando em vigor a prenotação até que se possa dirimir a controvérsia – que se cinge à obrigatoriedade, ou não, de recolhimento de ITBI pela transmissão judicial e de comprovação de inexistência de débitos condominiais.

Motivos impedientes do registro

a) ITBI – imposto de transmissão de bens imóveis

Controverte-se sobre a necessidade de recolhimento do imposto sobre transmissão de bens imóveis a título oneroso pela adjudicação instrumentalizada pela carta anexa.

O valor da adjudicação é de R$ 30.172,51, conforme se comprova pelo R. despacho que adjudicou o bem (fls. 44) e auto de adjudicação (fls. 46).

No mesmo site consultado pelo interessado, informa-se que a isenção alcança as “transmissões de bens e de direitos a eles relativos para imóveis de uso exclusivamente residencial, cujo valor total seja igual ou inferior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) na data do fato gerador, quando o contribuinte for pessoa física”.

O valor é levemente superior. Nesse caso o imposto é devido.

Seja-me concedido consignar que no mesmo site onde o adjudicatário simulou os valores, há o campo denominado “valor da transação” que deve ser obrigatoriamente informado. Procedemos como ele próprio o fez e o resultado foi diferente, como se verifica da cópia anexa.

Não será demasiado destacar que o valor de R$ 30.172,51 foi alvitrado pelo próprio interessado (fls. 42).

b) Comprovação de inexistência de débitos condominiais.

A segunda exigência está amparada no art. 4º, parágrafo único da Lei 4.591, de 1964, que reza:

Art. 4º A alienação de cada unidade, a transferência de direitos pertinentes à sua aquisição e a constituição de direitos reais sôbre ela independerão do consentimento dos condôminos.

Parágrafo único – A alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio.

Grassa certa controvérsia acerca da obrigatoriedade da prova de quitação das obrigações condominiais para a prática do ato de registro.

O interessado anexou R. decisão da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo em que se concluiu pela desnecessidade da dita comprovação em virtude de revogação do dispositivo supra pelo novo Código Civil.

A R. decisão foi veiculada por mim mesmo no Boletim Eletrônico dos Registradores paulistanos de 10 de setembro de 2009 [1], com o espírito de fomentar os debates e divulgar a excelência das decisões que são proferidas pela Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo.

Todavia, há notícia de respeitáveis acórdãos do Conselho Superior da Magistratura, proferidos posteriormente à data da R. decisão indicada como arrimo para a dispensa da comprovação. Cito, como exemplo, a Ap. Civ. 1.247-6/6, da Capital, em que é apelante o Ministério Público de São Paulo, rel. des. Munhoz Soares, do qual extraio a ementa e excerto:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de venda e compra de unidade condominial – Acesso negado – Indispensabilidade da quitação das despesas condominiais – Responsabilidade do adquirente pelas dívidas condominiais anteriores à transação – Dúvida improcedente – Recurso provido.

(…)

Ao examinar hipótese idêntica à que gerou a presente dúvida o E. Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir no sentido de que a exigência do art. 4º da Lei n. 4.591/64 não foi afastada pelo disposto no art. 1.345 do Código Civil:

“Deveras, o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 4.591/64 é categórico ao dispor que a alienação de unidades condominiais, assim como a transferência de direitos a elas relativos, “dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio. Por isso, já decidiu este Conselho que, para acesso do respectivo título ao fólio real, é de se exigir tal comprovação (Apelação Cível nº 56.318-0/6[2], Capital, Rel. Des. Nigro Conceição, pub. D.O. 09/04/99, p. 07).

Quanto ao artigo 1.345 do novel diploma civil substantivo, longe de revogar tal regra, teve por escopo, tão-somente, explicitar o caráter “propter rem” dos débitos condominiais. É norma destinada a preservar o condomínio de inadimplemento decorrente de eventual disputa entre alienante e adquirente acerca da responsabilidade pelo pagamento.

O voto do des. Marco César Müller Valente, proferido na mesma apelação cível recorda outra, em que se deu a arrematação em hasta pública. Peço vênia para citar parte do voto:

O artigo 4º, § único, da Lei nº 4.591/64, que não foi revogado pelo artigo 1.345 do Código Civil, prevê expressamente que a alienação de unidade condominial e a transferência de direitos a ela relativos depende de prova da quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio.

Na espécie, o título – carta de arrematação – apresentado pelos apelantes para registro foi qualificado negativamente diante da ausência de prova de quitação das obrigações condominiais.

Agiu com acerto o Oficial Registrador, de acordo com a jurisprudência pacífica deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura, invocada pelo douto Relator em seu voto, a exigir essa comprovação para acesso do título ao fólio real.

Nesse sentido ainda:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de arrematação – Dúvida procedente – Unidade condominial integrante de condomínio edilício – Recusa do Oficial de Registro de Imóveis ao registro – Ausência de prova de quitação de débitos condominiais – Inteligência do art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 4.594/64 e do art. 1.345 do Código Civil – Recurso não provido (Apelação Cível n. 1.034-6/4 – São Paulo – Conselho Superior da Magistratura – Relator: Ruy Camilo – 17.03.09 – V.U. – Voto n. 17.586)”.

Neste último aresto, o des. Ruy Camilo explicita a exigência para os títulos judiciais e fundamenta o entendimento na doutrina de Francisco Eduardo Loureiro, para quem a regra se aplica aos títulos de extração judicial:

Quanto à parte contemplada por título judicial, o tratamento não é diferente, como revela o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 769-6/0, Piracicaba, relatado pelo E. Des. Gilberto Passos de Freitas, cuja ementa é clara:

“Registro de Imóveis – Unidade condominial – Dúvida julgada procedente – Negativa de acesso ao registro de mandado extraído dos autos de ação de adjudicação compulsória – Título inapto ao ingresso no registro imobiliário – Instrumentação do título que se deve materializar por carta de sentença – Necessidade, ainda, de comprovação de quitação das obrigações do alienante para com o condomínio, sem o que não se admite o acesso, ao fólio real, da transferência de domínio – Recurso não provido”.

Deveras, o artigo 1.345 do Código Civil deixou patente o cabimento da exigência ao explicitar o caráter “propter rem” dos débitos condominiais, com ênfase à responsabilidade de quem adquire o imóvel, o que vale, por óbvio, dada a ausência de qualquer ressalva, inclusive na hipótese de aquisição por arrematação judicial: “O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.

Oportuno, no concernente ao caso focalizado, o comentário de Francisco Eduardo Loureiro, em glosa ao dispositivo legal por último referido: “O artigo usa a expressão genérica adquirente, não restringindo às aquisições por negócio jurídico, de modo que também alcança as vendas judiciais, atingindo o arrematante e o adjudicatário” (Código Civil Comentado, Coord. Min. Cezar Peluso, Ed. Manole, Barueri, 2007, p. 1.214).

Desse entendimento não discrepa a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça: “O adquirente, mesmo no caso de arrematação, responde pelos encargos condominiais incidentes sobre o imóvel arrematado, ainda que anteriores à alienação.

Recurso especial não conhecido” (REsp nº 506.183/RJ, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 25/02/2004, apud ob. cit., p. 1.215).

Logo, considerando que, como visto, o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64, no que diz respeito à unidade autônoma, subordina a “alienação ou transferência” à “prova de quitação” das obrigações condominiais, mostra-se correta a exigência do registrador. E, evidentemente, não é “impossível” cumpri-la, mesmo porque a própria recorrente reconhece sua responsabilidade pelo pagamento e enuncia a intenção de efetuá-lo (fls. 118).

As decisões do Eg. Conselho Superior da Magistratura ostentam um caráter “quase-normativo”, na feliz expressão do desembargador BRUNO AFFONSO DE ANDRÉ, quando exercia a Corregedoria-Geral de Justiça do nosso Estado:

“No Estado de São Paulo compete ao Conselho Superior da Magistratura o julgamento de tais recursos [em decisões proferidas em dúvida], permitindo uma interpretação uniforme da lei que, usualmente, não é obtida quando o julgamento compete a órgãos diversos. Tal expediente da Lei Estadual de Organização Judiciária possibilita que as decisões assumam caráter quase normativo, servindo como orientação, quer para os Oficiais, quer para os Juízes, quer para os próprios interessados nos atos de registro”. (apresentação à obra de Narciso Orlandi Neto, org. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. IX).

Além da abonação de critérios, representada pelos V. acórdãos citados, o próprio STJ, pelo voto da ministra Nancy Andrighi, deixou patente que o disposto no parágrafo único do art. 4º da Lei 4.591, de 1964 não se acha revogado. O V. acórdão é de 2004 – REsp 469.915 – RJ (2002⁄0116443-7), rel. min. Nancy Andrighi, j. de 28.9.2004, DOU de 1/2/2005, p. 538.

Enfim, nunca houve qualquer dúvida acerca da natureza jurídica das obrigações condominiais. Muito antes do diploma legal de 2002, a doutrina sempre considerou essa obrigação típica obligatio propter rem. Por todos, Sílvio Rodrigues (Direito Civil. Parte geral das obrigações. Vol. 2. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 104, n. 52) e Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, Vol. IV, 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 255).

Estas são as razões pelas quais deneguei o acesso do título.

Vossa Excelência haverá de dirimir o conflito de maneira superior. Este Registro cumprirá incontinenti a determinação deste R. Juízo.

Aproveito para reiterar a Vossa Excelência os protestos de elevada estima e consideração.

São Paulo, 8 de junho de 2010.

Sérgio Jacomino

5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo.


[1] http://registradores.org.br/prova-de-debitos-condominiais-e-desnecessaria-em-sp/

[2] Para acessar as decisões aqui citadas: http://wp.me/pcDhK-9U

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