Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

0005224-44.2011.403.6100. União – emolumentos

O Quinto Registro de Imóveis é réu em ação cominatória movida pela União Federal. A ação versa sobre questões relacionadas com o Edifício Wilton Paes de Almeida, que ruiu na Capital em sequência a um incêndio devastador.

Em pauta se achava a questão emolumentar – a eterna, delicada e tormentosa questão dos emolumentos. Delicada não tanto pela clareza solar que permite enxergar o problema sem grandes exercícios exegéticos. Especialmente tormentosa por envolver um substrato ideológico que raras vezes é enunciado – seja em decisões judiciais, seja nas justificativas produzidas no seio estatal. Uma questão que parece perenizar-se nas barras dos tribunais.

Todavia, as coisas parece estar se aclarando. Felizmente voltamos ao eixo da legalidade e da ordem democrática de direito com a observância estrita da lei.

As recentes decisões – inclusive do STF – apontam para a necessidade de se manter o equilíbrio econômico financeiro que se estabelece no contrato administrativo que subjaz à delegação do serviço público ao particular. Se o Estado delega o serviço – não podendo ele próprio exercê-lo diretamente – deve respeitar as regras por ele mesmo estabelecidas.

À parte as tecnicidades do assunto, uma vez mais somos obrigados a considerar que este debate é relevante, especialmente se considerarmos que há milhares de pequenas serventias extrajudiciais que, para valerem seus direitos, têm que contratar advogados, arcar com custas judiciais e litigar, por anos a fio, por uma questão que aparentemente vem gizada com muita clareza na própria lei.

Lembremo-nos que, segundo dados do próprio CNJ, perto de 70% das serventias brasileiras têm renda compatível com o mais baixo vencimento pago aos funcionários do próprio Estado. Mas há uma diferença abissal: os primeiros recebem sempre, inexoravelmente; os segundo têm que arcar com todas as despesas da atividade e suportar os azares do jogo.

Como o processo é público, disponibilizo aqui os lances desta pendenga, na esperança de que uma solução definitiva seja alcançada.

 

Lances da batalha

A ação foi proposta com pedido de deferimento de tutela antecipada.

Concedida a tutela antecipada, o Egrégio TRF, em sede de agravo, por decisão monocrática, caçou-a. Apreciando o agravo, a turma julgadora, por unanimidade, confirmou a decisão, retornando o processo à instância inferior para sentença.

Admiravelmente, o MM. juízo a quo julgou procedente a ação, condenando o Quinto Registro. Ao conduzir o recurso, indeferiu o efeito suspensivo da R. decisão, e os efeitos da tutela antecipada repristinaram-se. A desconsideração com o jurisdicionado é evidente. Se a câmara (preventa) já decidiu pela improcedência, julgar procedente a ação já seria uma decisão pirrônica, mas cumular o decisum com a repristinação dos efeitos da tutela antecipada soa excessivo.

Seja como for, de maneira heroica, um novo agravo foi veiculado e, uma vez mais, o Colendo TRF concedeu efeitos suspensivos ao recurso, de modo que o tema está nas mãos da mesma turma julgadora.

Identificação da ação

Processo 0005224-44.2011.403.6100 – Procedimento Ordinário
Ação Cominatória de Obrigação de não-fazer com pedido de tutela antecipada.
Autor: União Federal
Réus: Sérgio Jacomino e Estado de São Paulo

Andamento

TRF

  • Processo 0005224-44.2011.403.6100 – AGU.
  • AI 0011307-43.2011.4.03.0000/SP – 2011.03.00.011307-0/SP. Agravo de instrumento tirado contra a antecipação de tutela deferida anteriormente. Recurso julgado procedente.
  • AC 0005224-44.2011.4.03.6100/SP. Provimento ao recurso julgando improcedente o pedido inicial, “condenando a autora ao reembolso das custas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios, para cada réu, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fundamento no art. 557, do Código de Processo Civil”. São Paulo, 5/8/2015, des. Andre Nekatschalow, Desembargador Federal.
  • Agravo 0005224-44.2011.4.03.6100/SP. Agravo desprovido por não comprovação de que “a decisão recorrida se encontra incompatível com o entendimento dominante deste Tribunal ou dos Tribunais Superiores”. São Paulo, 14/3/2016. Andre Nekatschalow, Desembargador Federal.
  • Embargos de declaração 0005224-44.2011.4.03.6100/SP. Pretensão de simples rediscussão da controvérsia contida nos autos não dá margem à oposição de declaratórios. SP. 12/9/2016, Andre Nekatschalow, Desembargador Federal.

STJ

STF

  • RE 1.112.587, São Paulo. Os emolumentos são espécie de tributos (taxas). “Dessa definição exsurge algumas consequências, particularmente a não incidência da hipótese de imunidade tributária recíproca entre os entes federativos, dado que estas referem-se aos impostos, bem como a definição como sendo estadual para a competência tributária”.  Brasília, 15/5/2018, Ministro Edson Fachin.
    Relator

O caso

Versa a questão sobre registro de termo administrativo de dação em pagamento à UNIÃO FEDERAL de bens imóveis descritos no documento.

O título foi prenotado, examinado, e considerado apto a registro no dia 11.6.2010, pendente de recolhimento de custas e emolumentos.

Os documentos foram remetidos ao apresentante, conforme of. E documentos comprobatórios de entrega.

Consequências da prenotação

Em virtude da prenotação do título (234.940, em data de 24.5.2010) e das exigências formulada pelo Cartório (não cumpridas à época) nos termos do art. 205 da Lei 6.015, de 1973, a prenotação foi cancelada a 22.6.2010.

Para cumprimento da R. decisão judicial – “abstenção de exigir o pagamento de emolumentos” será necessário a apresentação dos títulos novamente, inaugurando-se uma nova sazão para se avaliar a viabilidade do registro segundo as regras contemporâneas à apresentação (tempus regit actum).

Linha de defesa

Competência originária do STF
Reza a CF/1988, art. 102, I, “f”:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta

O Estado de São Paulo, figurando como co-réu, acarreta o aforamento da Justiça Federal de São Paulo. O tema não foi ventilado até o presente momento pelo Tribunal. Contudo, é tema que pode ser agitado nas fases intercorrentes de recurso.

Atuação do registrador nesse caso é vinculada.
Nos termos do art. 30, XV, da Lei 8.935, de 1994, os registradores estão obrigados a observar “as normas técnicas baixadas pelo juízo competente”.
Há inúmeros precedentes da Corregedoria-Geral da Justiça (anexo) interpretando e regulamentando, em sua esfera de competência, o procedimento a ser observado nos casos como o da ação. Em todos esses processos acha-se a determinação expressa de que o registrador deve cobrar os emolumentos da União Federal.

Interpretação conforme a Constituição.

A defesa do Cartório, em face da legislação editada na época da ditadura, portanto anteriormente à Constituição Federal – e por ela não recepcionada – é no sentido de que existe um novo marco legal a regular o ato de cobrança de emolumentos. A interpretação do conjunto normativo é “conforme a Constituição”, como se diz em certos círculos jurídicos.

Vejamos em pequeno resumo sinóptico:

  • CF e as “Normas gerais” – A CF (art. 236, § 2º) estabelece que “Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”. Esse o norte para o legislador ordinário.
  • Lei 10.169/2001 – “norma geral”. Essa “norma geral” veio em 2001. Trata-se da Lei 10.169/2001. Nos termos do seu art. 1º os Estados e o Distrito Federal “fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei”. Logo, compete a cada Estado da Federação regular a matéria. Nesse mesmo diapasão é a regra insculpida no art. 14 da Lei Federal 6.015, de 1973:
    • Art. 14. Pelos atos que praticarem, em descorrência desta Lei, os Oficiais do Registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos, pelo interessado que os requerer, no ato de requerimento ou no da apresentação do título.
  • Portanto, não existindo, na “norma geral” qualquer dispositivo sobre o tema da isenção total ou parcial da União e suas autarquias, segue-se que o pagamento é devido.
  •  Lei Estadual 11.331, de 2002: Já a Lei Estadual é de uma clareza solar. diz o seu artigo 8º que a União é isento do pagamento das parcelas dos emolumentos devidos ao Estado, à Carteira de Previdência, custeio do registro civil e fundo do TJSP. Contudo, não está isenta da parcela relativa aos emolumentos, que representa a justa remuneração pelo ato praticado. Vejamos o art. 8º em detalhe:
    • Artigo 8º  – A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, e as respectivas autarquias, são isentos do pagamento das parcelas dos emolumentos destinadas ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça.
    • Parágrafo único – O Estado de São Paulo e suas respectivas autarquias são isentos do pagamento de emolumentos.
    • Já a discriminação das parcelas devidas vem no art. 19 da Lei Estadual 11.331 de 2002 assim disposta:

Artigo 19 – Os emolumentos correspondem aos custos dos serviços notariais e de registro na seguinte conformidade:

I – relativamente aos atos de Notas, de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas e de Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívidas:

a) 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) são receitas dos notários e registradores;

b) 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização;

c) 13,157894% (treze inteiros, cento e cinqüenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado;

d) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias;

e) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços;

II – relativamente aos atos privativos do Registro Civil das Pessoas Naturais:

a) 83,3333% (oitenta e três inteiros, três mil e trezentos e trinta e três centésimos de milésimos percentuais) são receitas dos oficiais registradores;

b) 16,6667% (dezesseis inteiros, seis mil seiscentos e sessenta e sete centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado.

Concluindo: dentre as isenções, não figura a relativa à remuneração do inciso “a”.

  • Direito de percepção dos emolumentos (do latim emolere frumentum – justa paga pela moagem do grão de trigo):
    • Art. 14 da Lei 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos. Pelos atos que praticarem, em descorrência desta Lei, os Oficiais do Registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos, pelo interessado que os requerer, no ato de requerimento ou no da apresentação do título.
    • Art. 28 da Lei 8.935/1994: Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.
    • Art. 1º, § único da Lei 10.169, de 2000;

Antecipação de tutela – requisitos

Esta questão foi vencida na disputa judicial.
Reproduzo os argumentos aqui para os possíveis atingidos pela política demandista da União.
Nos termos do art. 273, I, do CPC, um dos requisitos da concessão da tutela antecipada é o “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, além da “prova inequívoca”. Não se antevê esses requisitos, pois:
  • Existe a via  legal para a superação da controvérsia relacionada com cobrança de emolumentos na Lei 11.331, de 2002, no art. 30: “contra a cobrança, a maior ou a menor, de emolumentos e despesas devidas, poderá qualquer interessado reclamar, por petição, ao Juiz Corregedor Permanente”. Esta via não foi utilizada, o que leva à ideia de inadequação da ação para alcançar o objetivo.
  • Não havia “prova inequívoca”, já que a atuação do registrador é qualificada como uma atividade jurídica (art. 3º da Lei 8.935/94) e a decisão da cobrança, como juízo independente que se exercita como corolário da atividade (art. 28 da Lei 8.935/1994), poderia ser atacada eventualmente em mandado de segurança, nunca em ação ordinária.
  • Uma vez consumado o ato, liquida-se a pendência, já que o ato foi praticado e nada poderá ser feito para retornar ao status quo ante.

Emolumento é espécie de tributo – taxa. Essa configuração introduz algumas variáveis:

STF – O STF denegou liminar em ação proposta pela mesma AGU (ACO 1.646) sob o mesmo argumento. O voto do Min. Joaquim Barbosa é irretorquível:

“A Constituição de 1988 proíbe expressamente que um ente federado conceda exoneração, total ou parcial, de tributos cuja competência para instituição seja de outro ente federado (art. 151, III, da Constituição). O obstáculo tem por objetivo proteger a ampla latitude da autonomia conferida a cada um dos entes, nos termos do pacto federativo, ao assegurar que as fontes de custeio constitucionalmente destinadas ao membro da Federação fiquem livres do arbítrio caprichoso da vontade política parcial de um de seus pares”.

E  junge:

Por outro lado, o apelo à competência da União para criar normas gerais em matéria de serviços notariais extrajudiciais é destituída de plausibilidade, por duas razões preponderantes. Inicialmente, as normas em discussão referem-se à instituição de tributos e do custeio propriamente dito dos serviços notariais, matéria que também é regulada pelos arts. 145, II e 151, III da Constituição, e não apenas do art. 236, § 2º da Constituição.

Ademais, a própria Constituição imuniza certos fatos contra a instituição e cobrança de custas judiciais e de emolumentos extrajudiciais (art. 5º, XXXIV e LXXVI, a e b da Constituição). A exoneração potencialmente causa desequilíbrio entre as fontes de custeio e os custos da atividade judicial e notarial, de modo a impelir os entes federados a estabelecer “forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal” (art. 8º da Lei 10.169/2000).

Dada a existência do dever de compensação proporcional à exoneração, o benefício estabelecido pela União tende a transferir aos estados-membros e ao Distrito Federal o custo da isenção conferida, colocando-os em delicada situação interna, considerados os anseios e pleitos dos delegados notariais que serão diretamente afetados pelas normas federais.

A mesma questão foi ventilada na ACO 1.581, em curso pelo STF.

Respostas aos fundamentos da inicial da AGU.

  • O art. 22 da CF/1988 alude à competência legal para regular aspectos formais dos Registros Públicos. O quadrante onde se localiza a disciplina legal dos emolumentos é outro (art. 236, § 1º). Nesse caso, as normas gerais, de que fala a CF, foi já estabelecida pela lei feral 10.169/2000 – e nela não se vê a isenção apregoada;
  • O dec.-Lei 1.537/1977 não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, pois:
    • A configuração  institucional do registro imobiliário, após 1988, prevê o modelo de delegação do serviço público registral a um particular, com regime jurídico completamente distinto do espartilho agasalhado pela CF anterior, não subsistindo  a figura do “serventuário de justiça”. No quadro de um verdadeiro contrato administrativo entre o Estado e o particular, não cabe a alteração unilateral das regras de remuneração emolumentar.
    • As gratuidades do Registro Civil, julgadas constitucionais pelo STF, garantem um direito fundamental (art. 5º, LXXVI,da CF). Não é o caso.
  • A Lei 9.028/1995 trata de hipótese completamente distinta – “taxas judiciárias”, que se não confundem com os emolumentos pelos serviços extrajudiciais.  Custas e emolumentos e são espécies das “demais taxas judiciárias”. (Exemplo de emolumentos na Justiça do trabalho: Lei 10.537, de 2002, CLT etc.).

Precedentes

Written by SJ

12 de abril de 2011 às 4:56 PM

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