Publicidade registral – questões controversas
Ofício requisitório.
Interessado: Ministério Público do Estado de São Paulo
PARECER E DECISÃO DO OFICIAL
- Ementa: Publicidade registral – Área verde – preservação. Requisição, pelo Ministério Público do Estado de SP, de informações sobre possíveis omissões em certidões expedidas pelo Cartório tendo por base matrículas deste Ofício Predial, além de requisição de certidão.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio do Ofício 9.203/2015, extraído do PJPP – CAP 121/2015, requereu certidões filiatórias das matrículas 12.952 e 12.953, bem como extração de “cópia de escrituras, requerimentos dos proprietários, ofícios administrativos e ordens judiciais”. Além disso, requisita “informações sobre os motivos pelos quais não foram lançadas na matrícula 12.952 as restrições de uso constantes na averbação efetivada em 04/09/1974, decorrente de requerimento da Associação Instrutiva da Juventude Feminina”.
No ofício referido, Sua Excelência nos encaminhou “termo de declarações” prestadas pelo arquiteto-urbanista ACVA que declarou que “as restrições constantes na matrícula 12.953, relativa ao terreno localizado entre as Ruas Caio Prado e Marquês de Paranaguá, também estão presentes na matrícula 12.952, relativa ao imóvel de 7.600m2, localizado entre as Ruas Augusta, Caio Prado e Marquês de Paranaguá”. Manifestou, ainda, perplexidade em face do fato de que o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo não ter verificado o fato indicado no termo – i.e., não terem sido mencionadas as restrições ambientais na Matrícula 12.952.
Por fim, o Sr. arquiteto-urbanista declarou que, nos termos da Lei Municipal 10.365/1987, “as áreas de vegetação contínua superiores a 10.000m2 constituem bosque ou floresta heterogênea”, áreas “consideradas de preservação permanente, não podendo ser suprimida a vegetação nelas constantes”.
Determinei que se autuasse o pedido do parquet paulista e que fossem requisitadas cópias simples de escrituras públicas e certidões das serventias extrajudiciais que lavraram ou registraram as escrituras relacionadas com as matrículas supra referidas, tudo com o fim de prestar uma informação objetiva, rápida e precisa ao Ministério Público, contribuindo, assim, com o seu nobre mister.
Aspecto preliminar: arquivamento de documentos
Preliminarmente, assente-se que os títulos de extração pública (escrituras públicas, termos administrativos, títulos e ofícios judiciais, etc.) não devem ser mantidos obrigatoriamente no Registro de Imóveis (arg., a contrario, do art. 194 da Lei 6.015/1973 e art. 211 do Decreto 4.957, de 1939 – diploma vigente à época das aquisições anteriores) [1].
A publicidade formal do Registro de Imóveis tem por finalidade precípua manifestar a situação jurídica dos bens imóveis tendo por base os atos registrais praticados (art. 17 e ss. da Lei 6.015/1973). Tudo isso se faz com base nos livros de registro, excetuada a conhecida regra do art. 194 da mesma lei que prevê a expedição de certidão do próprio título [2].
Portanto, para que se possa obter cópia autenticada dos referidos documentos requeridos, deve o Ministério Público oficiar aos tabelionatos, varas judiciais e departamentos da administração pública para obtenção de certidão dos atos respectivos – sem prejuízo das certidões que poderão ser extraídas dos livros desta Circunscrição Imobiliária.
No que pese o supra indicado, para atender com rapidez e presteza ao requerido pelo MP, determinei que se diligenciasse a recuperação de cópias dos sucessivos termos de compromisso (datados de 19/3/1974, 29/8/1985 e 4/9/1986), que foram objetos de averbações lançadas à margem de várias transcrições e matrículas desta circunscrição imobiliária e do Primeiro Registro de Imóveis da Capital.
Obtidas as cópias, estas devem ser encaminhadas à apreciação do Sr. Promotor de Justiça.
Averbações do termo de compromisso e sua extensão
A primeira questão a ser enfrentada diz respeito aos “motivos pelos quais não foram lançadas na matrícula 12.952 as restrições de uso constantes na averbação efetivada em 04/09/1974, decorrente de requerimento da Associação Instrutiva da Juventude Feminina, de 13/08/1974”.
Deve ser observado, igualmente em preliminar, que os atos foram praticados há muito tempo atrás, antes da nossa investidura, e que não teria, o atual Oficial do Registro, qualquer responsabilidade pessoal em relação à prática dos atos que acabaram por suscitar dúvidas no espírito do Sr. arquiteto-urbanista e motivaram o representante do Ministério Público a formular os quesitos.
À parte tal ressalva, ainda assim, em respeito e consideração aos meus antecessores neste nobile officium registral, penso ser possível interpretar os atos praticados, cotejando-os com os documentos que lhes deram origem, buscando, assim, apanhar, por exegese, a motivação que é ínsita e subjacente à longeva decisão do então Oficial Registrador.
Penetrando nas alamedas labirínticas dos antigos livros e arquivos registrais, foi possível compreender, salvo melhor juízo, que as averbações não foram feitas na matrícula 12.952 porque, realmente, não deveriam sê-lo.
Vejamos em detalhe.
A Matrícula 12.952 se filia à Transcrição 64.342 (16/5/1969 – título datado de 22/11/1968). Esta, por sua vez, se coarcta à Transcrição 17.942 (2/7/1941 – título datado de 21/3/1907). A área da antiga Transcrição 17.942 abrangia, originariamente, uma área regular de 80 X 150 metros – maior do que a área alienada pela escritura objeto da Transcrição 64.342, lavrada no ano de 1968. Tal desfalque fez remanescer uma nesga que seria oportunamente agregada à área abrangida pela Matrícula 12.953.
Este é o ponto: a existência desse pequeno remanescente, unificado posteriormente à área contígua, fez com que a averbação do termo de compromisso fosse lançada, muito mais tarde, à margem da transcrição originária (Transcrição 17.942).
A pretensão averbatória jamais teve o condão de alcançar a Matrícula 12.952. Isto porque a área havia sido alienada e as averbações foram feitas a rogo da anterior proprietária. As averbações não foram feitas por rogação da administração pública, mas instadas pela proprietária no bojo de um empreendimento de natureza privada.
O compromisso ambiental não poderia mesmo abranger toda a área, já que a proprietária primigênia – Associação Instrutiva da Juventude Feminina – havia alienado, e isto em novembro de 1968, a área que acabou inaugurando a Matrícula 12.952.
Em suma: a alienação se deu em data muito anterior (22/11/1968) à celebração do primeiro compromisso firmado com a Municipalidade – o que se daria somente a 29/3/1974.
A área da Matrícula 12.952 foi alienada sem qualquer restrição ou ônus de caráter ambiental. E o registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus regulares efeitos (art. 252 da LRP). As sucessivas mutações na titularidade do imóvel deram-se livres e desembaraçadas de quaisquer limitações de caráter administrativo-ambiental.
Enfim, aparentemente o Sr. arquiteto-urbanista foi induzido a erro por uma compreensão excessivamente singela e imperita do que seria a filiação da Matrícula 12.952. Ligando-a mediatamente à Transcrição 17.942 convenceu-se de que as restrições também estariam “presentes na matrícula 12.952”, como declarou.
Termo original e sua retificação posterior: a área objeto da limitação foi claramente especificada
Além de tudo o que se expôs, outro elemento confirma, de modo inequívoco, o que sustentamos.
O termo de compromisso, firmado pela ASSOCIAÇÃO INSTRUTORA DA JUVENTUDE FEMININA, que foi objeto de averbação nas transcrições originárias, previa que as restrições assumidas com o Município, para consecução de projeto de incorporação e construção de empreendimento hoteleiro, abrangeriam tão somente uma área de 16.400m2. Note-se que esta área é inferior à soma das áreas das duas matrículas.
Além disso, é possível, pela descrição que se acha no Termo de Compromisso de 29/3/1974, recompor a figura geodésica que foi decalcada da Transcrição 17.942, já referida, e da Transcrição 45.162 da 1ª Circunscrição Imobiliária. Ou seja: fora dos limites da área objeto da Matrícula 12.952.
Mas, não só. Tal fato será confirmado pelos termos da renovação, feita a 29/8/1975, do compromisso original, nesta altura firmado por TEIJIN do Brasil Importação e Exportação [3]. Na renovação ficou expresso que as obrigações abrangiam tão somente uma área de 16.133m2 – coincidente com a área da Matrícula 12.953.
Por fim, a 4 de setembro de 1986, novo termo seria firmado entre os interessados, retificando o anteriormente assinado, termo que foi averbado unicamente na Matrícula 12.953 (av. 5).
Em conclusão, corroborando tudo o que se expôs neste pequeno estudo, verifica-se que a soma das áreas das Matrículas 12.952 e 12.953 importaria em 23.733m2 – superfície evidentemente superior à área abrangida pelos instrumentos de compromisso (16.133m2).
Desapropriação das áreas em discussão
Uma última observação calha para dilucidar a questão em debate.
O Decreto Municipal 9.238/1970, que declarava de utilidade pública a área objeto deste estudo, já delimitava, claramente, a área que seria afetada.
Na descrição do bem ficou evidenciado que a área da Matrícula 12.942 se achava inteiramente fora dos limites do decreto. Decreto esse que seria revogado pelo Decreto 10.954, de 1974. Posteriormente, sob a égide do Decreto 10.766, de 7 de dezembro de 1973, os compromissos seriam firmados.
Todos esses diplomas confirmam o entendimento esposado neste estudo: a área da Matrícula 12.952 jamais esteve sujeita às restrições ambientais.
Conclusões
À vista dos elementos trazidos à reflexão e estudo, determino que se expeça ofício ao excelentíssimo senhor promotor de justiça com a redação abaixo.
São Paulo, 16 de dezembro de 2015.
SÉRGIO JACOMINO,
Oficial Registrador
MODELO DO OFÍCIO
Ofício___, em ___de dezembro de 2015.
Ao Ilustríssimo Sr.
M.D. Promotor de Justiça
São Paulo – SP.
Ref. Resposta ao ofício 9.203/2015, PJPP – CAP 121/2015 – 4PJ.
Senhor Promotor.
Em atenção ao Ofício 9.203/2015, datado de 9 de dezembro de 2015, venho reencaminhar as certidões requisitadas e prestar as seguintes informações.
Aspecto preliminar: arquivamento de documentos
1
Preliminarmente, cumpre-nos informar que os títulos de extração pública (escrituras públicas, termos administrativos, títulos e ofícios judiciais, etc.) não necessitam ser mantidos obrigatoriamente no Registro de Imóveis (arg., a contrario, do art. 194 da Lei 6.015/1973 e art. 211 do Decreto 3.957, de 1939 – diploma vigente à época das aquisições anteriores). Para se obter cópia autenticada dos referidos documentos deve ser oficiado aos tabelionatos, ofícios judiciais e departamentos da administração pública para obtenção de certidão dos atos respectivos.
2
No que pese o informado no item 1, para atender com rapidez e presteza ao requerido por Vossa Excelência, recuperamos as cópias dos sucessivos termos de compromisso – datados de 29/3/1974, 29/8/1975 e 4/9/1986 -, que foram objetos de averbações sucessivas lançadas à margem de várias transcrições e matrícula desta circunscrição imobiliária. Inclusive, diga-se de passagem, da Transcrição 45.162 do 1º Registro de Imóveis da Capital de São Paulo. Servimo-nos dos préstimos do colega da 1ª Circunscrição Imobiliária que prontamente nos encaminhou os documentos que ora remetemos a V. Exa.
Averbações do termo de compromisso e sua extensão
3
Vossa Excelência nos inquire “sobre os motivos pelos quais não foram lançadas na matrícula 12.952 as restrições de uso constantes na averbação efetivada em 04/09/1974, decorrente de requerimento da Associação Instrutiva da Juventude Feminina, de 13/08/1974”. Muito embora o ato tenha sido praticado muito tempo atrás – antes mesmo de nossa investidura, é possível interpretar e defender os atos práticos por esta Serventia. Entendemos, salvo melhor juízo, que as averbações não foram feitas porque realmente não deveriam sê-lo. Explicamo-nos.
4
A Matrícula 12.952 se filia à Transcrição 64.342 (16/5/1969 – título datado de 22/11/1968) que, por seu turno, se filia à Transcrição 17.942 (2/7/1941 – título datado de 21/3/1907). A área da Transcrição 17.942 abrangia originariamente uma área regular de 80 X 150 metros – maior do que a área alienada pela escritura objeto da Transcrição 64.342, lavrada no ano de 1968.
5
Será justamente tal desfalque que fez remanescer uma nesga que seria oportunamente agregada à área abrangida pela Matrícula 12.953. Em virtude da existência desse remanescente a averbação do termo de compromisso privado foi lançada na transcrição originária já anteriormente segregada (Tr. 17.942), não alcançando, logicamente, a Matrícula 12.952.
6
Salvo melhor juízo, o compromisso ambiental não poderia mesmo abranger toda a área, já que a proprietária primigênia – Associação Instrutiva da Juventude Feminina – havia alienado, já em novembro de 1968, a área que acabou inaugurando a Matrícula 12.952. Em suma: a alienação se deu em data muito anterior (22/11/1968) à celebração do primeiro compromisso firmado com a Municipalidade (29/3/1974).
Termo original e sua retificação posterior: a área objeto da limitação foi claramente especificada
7
O termo de compromisso firmado pela ASSOCIAÇÃO INSTRUTORA DA JUVENTUDE FEMININA, que foi objeto de averbação nas transcrições originárias, seria renovado a 29 de agosto de 1975, agora firmado por TEIJIN do Brasil Importação e Exportação (transcrito no Livro 2, fls. 20 e 23, da Supervisão Central de Uso e Ocupação do Solo da Coordenadoria Geral do Planejamento do Gabinete do Prefeito, de cujo livro se poderá extrair certidão) e tendo por objeto tão só uma área de 16.133m2 – coincidente com a área da Matrícula 12.953.
8
Posteriormente, a 4 de setembro de 1986, novo termo seria firmado entre os interessados, retificando aquele anteriormente assinado (29/8/1975), tendo sido averbado sob número 5 na Matrícula 12.953.
9
À guisa de conclusão, corroborando tudo o que se expôs neste pequeno estudo, verifica-se que a soma das áreas das Matrículas 12.952 e 12.953 importa em 23.733m2 – superfície evidentemente superior à área abrangida pelos instrumentos de compromisso (16.133m2).
10
Encaminho certidões atualizadas das matrículas 12.952 e 12.953 e cópias não autenticadas de escrituras e termos, extraídos de documentos aqui arquivados e em outras serventias. Havendo necessidade de autenticação das escrituras e termos, resta indicada a fonte primária desses documentos, cujos órgãos responsáveis poderão, se instados por V. Exa., extrair certidão autenticada dos livros oficiais.
Sem outro particular, apresento a Vossa Excelência os nossos cumprimentos, colocando-nos às ordens para prestar todo e qualquer esclarecimento que julgar necessário.
SÉRGIO JACOMINO,
Oficial Registrador.
NOTAS
[1] JACOMINO. S. O instrumento particular e o Registro de Imóveis. In Direito Imobiliário Brasileiro. BENACCHIO. Marcelo. GUERRA. Alexandre. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 1.159, passim.
[2] Sobre uma discussão ampliado do tema, conferir: JACOMNO. S. Publicidade registral – aspectos práticos. In Observatório do Registro [http://goo.gl/vNIzKt. Acesso no site original em 15/12/2015].
[3] O termo foi transcrito no Livro 2, fls. 20 e 23, da Supervisão Central de Uso e Ocupação do Solo da Coordenadoria Geral do Planejamento do Gabinete do Prefeito.
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