Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

Informação e prestação de serviços

Processo – RFB – informações registrais

leave a comment »

À Excelentíssima Sra.
Dra. Tânia Mara Ahualli,
MM. Juíza Corregedora Permanente dos
Registros Prediais de São Paulo – Capital.

Senhora Magistrada.

Com o devido respeito, represento a Vossa Excelência a requisição da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pela Superintendência da 8ª Região Fiscal (SRRF – 8ª RF), datada de 26.2.2016, intimando-nos para que se entregue à fiscalização os documentos indicados no “termo de início de diligência fiscal”, conforme se vê no termo anexo.

Objeto da requisição

A intimação em epígrafe requisita o envio de arquivos em “meio magnético” dos documentos indicados na peça rogatória. Em suma:

  1. Layout de dos sistemas utilizados pelo 5º Registro de Imóveis da Capital;
  2. “Cadastro” completo de todos os imóveis registrados, com indicação de titulares e DOI, abrangendo, no mínimo, as seguintes informações:
    1. Imóveis matriculados nos termos da Lei 6.015, de 1973;
    2. Imóveis sem matrícula;
    3. “Qualquer outro imóvel não abrangido pelos itens 1 e 2 acima”.
  3. Cadastro do IPTU da Prefeitura do Município de São Paulo
  4. Todas as informações declaradas na DOI de 2005 a 2015 – inclusive “operações não informadas”, nos termos indicados.
  5. Imóveis usucapidos até o dia 31/12/2015.

Preliminar: o Registro Eletrônico e seus repositórios

Aparentemente, os requisitantes partem do pressuposto de que os Cartórios de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo mantêm um Registro Eletrônico perfeitamente estruturado e em pleno funcionamento, já que os prazos previstos no art. 39 da Lei 11.977, de 2009, contados da promulgação do diploma, encontram-se na iminência de se esgotar.

Esta será a razão de pedirem o layout dos registros, com detalhamento de campos de um banco de dados que se estima estruturado e em funcionamento nos Cartórios de Registro de Imóveis da Capital.

Todavia, a regulamentação do chamado Registro Eletrônico, nos termos dos arts. 37 a 41 da Lei 11.977/2009, ocorreu no âmbito do Poder Judiciário, como se vai detalhar logo abaixo, sem que, contudo, se criassem repositórios eletrônicos em substituição aos livros tradicionais do Registro de Imóveis.

De fato, nos termos do Provimento CNJ  47/2015, de 19/6/2015 (Dje 19/6/2015), de lavra da ministra Nancy Andrighi, o Registro Eletrônico, nos termos do art. 2º, consiste de um sistema digital que realiza:

  1. o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os ofícios de registro de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral;
  2. a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico;
  3. a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico; e
  4. a formação, nos cartórios competentes, de repositórios registrais eletrônicos para o acolhimento de dados e o armazenamento de documentos eletrônicos.

Note-se que o Registro Eletrônico é fundamentalmente um portal de acesso, por meios eletrônicos, aberto às diversas unidades de Registro de Imóveis espalhadas por todo o território nacional.

A regulamentação da Lei 11.977, de 2009, não previu uma mudança substancial nos meios tradicionais de suporte de informação. Os livros de Registro, previstos nos arts. 3º e seguintes, combinados com os art. 173 da Lei 6.015, de 1973, permanecem exatamente como previstos desde a sua criação: livros em papel, escriturados de modo tradicional, nos termos do arts. 3º e 4º cc. Inc. I do art. 231 da LRP.

Os repositórios registrais eletrônicos, referidos no item “d” supra, foram previstos para acolher tão-somente os documentos que fossem originariamente apresentados em formato eletrônico – documentos eletrônicos assinados digitalmente, nos termos do art. 10º da MP 2.200-2, de 2001.

A escrituração registral, feita de modo inteiramente eletrônica, foi adrede postergada entre nós. Não é factível, nem tampouco seguro, que se faça a substituição integral dos suportes da informação registral no atual estágio tecnológico. Não se operou no país a migração big bang de substituição dos meios tradicionais em papel por repositórios inteiramente eletrônicos a partir de uma data pré-determinada. Essa modalidade de implantação dos chamados registros eletrônicos é firmemente criticada em fóruns internacionais que tratam da matéria[1].

A implantação do Registro Eletrônico, entre nós, é progressiva, assim consagrada na regulamentação paulista, nos termos do art. 4º do Provimento CG 42/2012:

Artigo 4º. Até que sobrevenha a regulamentação pela Corregedoria Geral da Justiça, a escrituração em meio eletrônico, sem impressão em papel, restringe-se aos indicadores reais e pessoais, controle de títulos contraditórios, certidões e informações registrais.

De fato, os livros auxiliares – indicadores pessoal e real (inc. IV e V do art. 173 da LRP) – hoje são escriturados eletronicamente. Mas os dados não serão diferentes daqueles que poderão ser obtidos da ARISP – Associação de Registradores de Imóveis de São Paulo, com quem a Receita Federal já mantém um protocolo de cooperação[2].

Concluindo, não será possível atender singelamente o pedido da Receita Federal pela boa e simples razão de que os dados requisitados não se acham estruturados num sistema homogêneo de Registro Eletrônico, como sugere a requisição.

Livros do registro – requisição exógena

Admitindo-se, ad argumentandum tantum, que os livros indicadores real (art. 179 da LRP) e pessoal (art. 180 da LRP) representem atualmente livros estruturados e mantidos em bancos de dados, formando os repositórios eletrônicos de que trata o Provimento CNJ 47/2015 (item “d” do art. 2º), ainda assim seria necessário observar estritamente a regra consagrada no art. 22 da LRP combinado com art. 46 e seu parágrafo único da Lei 8.935/1994. Verbis:

Art. 22. Os livros de registro, bem como as fichas que os substituam, somente sairão do respectivo cartório mediante autorização judicial (Lei 6.015//1973).

…..

Art. 46. Os livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação deverão permanecer sempre sob a guarda e responsabilidade do titular de serviço notarial ou de registro, que zelará por sua ordem, segurança e conservação.

Parágrafo único. Se houver necessidade de serem periciados, o exame deverá ocorrer na própria sede do serviço, em dia e hora adrede designados, com ciência do titular e autorização do juízo competente. (Lei 8.935/1994).

É possível atender à requisição?

Entendemos que sim.

A Administração Pública já tem pleno acesso aos dados dos Registros de Imóveis, nos exatos termos da Lei 11.977/2009, especialmente art. 41:

Art. 41.  A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento.

Como vimos, a regulamentação da Lei 11.977/2009 deu-se no âmbito do Poder Judiciário pelo Provimento CNJ 47/2015. Muito antes daquela data, todavia, os serviços de Registros Públicos já disponibilizavam, ao Poder Executivo Federal, “por meio eletrônico e sem ônus”, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados[3].

A obrigação se renova e vem estampada no art. 3º do dito Provimento:

Art. 3º. O intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os ofícios de registro de imóveis, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral estará a cargo de centrais de serviços eletrônicos compartilhados que se criarão em cada um dos Estados e no Distrito Federal.

A Central de Serviços Eletrônicos compartilhados, no Estado de São Paulo, foi consolidada pelo Provimento CG 42/2012. Dentre os módulos da Central, acha-se o denominado ofício eletrônico, cuja regulamentação, em nosso Estado, acha-se consolidada nas Normas de Serviço da Eg. Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. V. item 316, Sub. II, Seção XI, Cap. XX:

  1. O Sistema de Ofício Eletrônico consiste em aplicativo de Internet destinado à requisição eletrônica, por órgãos da Administração Pública, de informações e de certidões registrais, às unidades de Registro de Imóveis do Estado, em substituição aos ofícios em papel.

No que pesem todos esses argumentos, entendo, ainda assim, possível atender às requisições da Receita Federal, in rebus. Veremos a seguir.

FATCA – Foreign Account Tax Compliance Act

O Brasil e os Estados Unidos firmaram, em 23/9/2014, acordo de cooperação intergovernamental (IGA) para implementar o FATCA – Foreign Account Tax Compliance Act que prevê assistência mútua em assuntos tributários com base em infraestrutura para troca automática de informações e dados entre os dois países. Por esse convênio prevê-se a troca automática de informações sobre titulares de contas e de movimentação financeira.

Aparentemente, o modelo que se acha em funcionamento na ARISP não atende plenamente às necessidades da Receita Federal. Será necessário que se busquem alternativas para que se possa atender, sem malferir a lei, os pedidos do órgão fazendário da União.

É preciso reconhecer que não é factível que a Receita Federal promova uma pesquisa individualizada, com base em cada CPF e CNPJ, acessando, individualmente, a base de dados da ARISP (Ofício Eletrônico), joeirando, uma a uma, ocorrências que possam indicar movimentação suspeita ou lavagem de dinheiro. Isso não é exequível. É preciso utilizar-se de outras ferramentas.

A Fazenda dispõe de um setor de inteligência estratégica que atua analisando e processando uma massa impressionante de dados. Trata-se de tecnologia de big data.

Como facilmente se pode perceber, o Sistema ARISP não está aparelhado para disponibilizar os dados nos moldes e no tempo que a Fazenda Nacional necessita. Será possível atender a esta demanda, com alguma modificação no sistema, sem afrontar a privacidade e os dados sensíveis do Registro Imobiliário.

Mas, como se fará isso?

Repassando os itens requisitados, temos:

  1. Layout do sistema de Registro de Imóveis Eletrônico utilizado pela serventia. A gerência administrativa e financeira da Serventia é de exclusiva responsabilidade do titular da delegação (art. 21 da Lei 8.935/1994). Os sistemas de processamento de dados, instrumentos auxiliares da registração, são de livre escolha do titular e não guardam simetria, nem adotam os mesmos padrões, de molde a proporcionar um acesso automatizado aos dados. Nada impediria, contudo, que se pudesse informar à Receita Federal a estrutura de dados dos indicadores pessoal e real. O uso que se fará dos dados, aos quais esta estrutura se relaciona, será abordado logo abaixo.

 

  1. Cadastro completo de todos os imóveis registrados. À parte o equívoco da expressão que guarda o item 2 da requisição – cadastro – penso que esses dados podem ser obtidos a partir das próprias DOI´s que foram enviadas à Receita por ocasião de cada transação efetuada[4].

 

  1. Cadastro do IPTU. Este não é um dado registral, mas cadastral. A própria administração pública municipal disponibilizou os dados cadastrais na internet, conforme noticia o Portal UOL Notícias[5]. Esses mesmos dados já são enviados periodicamente aos 18 Cartórios de Registro de Imóveis da Capital, em contrapartida aos dados por estes fornecidos à administração municipal, nos termos do acordo firmado com o TJSP em dezembro de 1991 “visando à troca de dados por meios telemáticos”. Penso que esses dados poderão ser fornecidos à Receita Federal, já que a própria administração tomou a iniciativa de fazê-lo pela internet.

 

  1. DOI´s de 2005 a 2015. Igualmente nesse caso, pensamos que os dados poderão ser fornecidos. Já foram enviados anteriormente, nada impede que se reenviem esses dados, desde que se encontrem no interregno previsto na tabela de temporalidade do Cartório.

 

  1. DOI´s. Idem supra.

 

  1. Usucapião. Não há um registro (ou um campo) específico que identifique os imóveis adquiridos em ações de usucapião. Esses dados não são discriminados para efeito de estatística ou para qualquer outra finalidade. Nem seu destaque é exigido pela lei. Desse modo, julgamos que não será possível atender ao pleito.

Conclusões

À guisa de conclusão, gostaríamos de trazer à baila as discussões que se levaram após o advento da recente Lei Federal 13.114, de 16 de abril de 2015, que dispôs sobre a obrigatoriedade de os serviços de registros civis de pessoas naturais comunicarem à Receita Federal os óbitos registrados.

Dita lei acrescentou o parágrafo único ao art. 80 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973:

Parágrafo único. O oficial de registro civil comunicará o óbito à Receita Federal e à Secretaria de Segurança Pública da unidade da Federação que tenha emitido a cédula de identidade, exceto se, em razão da idade do falecido, essa informação for manifestamente desnecessária.

Em casos de relevante interesse público – como se reconhece na postulação da Receita Federal – admite-se que, por meio de permissivo legal, possa se estabelecer deveres de cooperação e informação impostos aos registradores.

A propósito da lei e das obrigações acessórias de informação que prevê, a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo baixou o Provimento CG 11/2016, que alterou as Normas de Serviço da CGJSP sancionando o envio das informações à Receita Federal. No corpo do parecer aprovado pelo des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, o Dr. Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani lançou as seguintes considerações e advertências, de todo aplicáveis ao caso concreto:

Imperioso lançar uma observação sobre a função delegada exercida pelos registradores e sua relação com as normas que disciplinam a atividade extrajudicial.

A regulamentação de determinadas situações (caráter normativo em busca de moralização do serviço registral) não pode ampliar a incidência ou contrariar a legislação e a principiologia.

Significa que o delegado, como agente prestador de serviço público que é, deverá exercer a atividade delegada dentro de certos parâmetros, seguindo as leis, normas e decisões normativas que são emitidas para preservar a uniformidade procedimental, exatamente porque a estrita observância do princípio da legalidade busca a almejada estabilidade jurídica que concede segurança ao usuário[6].

Assim, concluímos que, nos termos do art. 22 da Lei 6.015/1973, combinado com o § único do art. 46 da Lei 8.935/1994, é possível o atendimento do pleito sub modus, desde que o pedido seja aprovado por Vossa Excelência, juízo competente para os efeitos da regra legal.

São Paulo, 21 de março de 2016

SÉRGIO JACOMINO
Oficial Registrador.

[1] Assim se pronunciou Nicolas P. Nogueroles no Congresso do Cinder, realizado em 2014 na cidade de Santiago do Chile: “Las reformas big-bang no existen en materia de registros, salvo que se pretenda destruir un sistema. Las reformas son graduales, requieren tiempo y responder a las verdaderas exigencias de los ciudadanos. Los países que han sido capaces de evolucionar hacia un registro de derechos han necesitado muchos años, incluso siglos, y lo han hecho progresivamente (Australia, Escocia o Irlanda). La simple introducción de nuevas tecnologías no supone necesariamente una mejora de la tecnología jurídica, antes al contrario, si no se mejora la tecnología jurídica puede perpetuar los vicios e inseguridades anteriores y aun potenciarlos.Las historia nos muestra quehasta los opositores al establecimiento o desarrollo de los sistemas registrales han aceptado las reformas a cambio de  beneficiarse de la claridad del registro para el ejercicio de su función , sin que ello  aproveche a los ciudadanos. (Site: http://goo.gl/7XTNXw , acesso em 21.3.2016). Cfr. Do mesmo autor: ¿reforma big bang o reforma gradual? inglaterra y alemania: dos reformas recientes. In Folivm-CNJ-CGJSP-USP-ARISP – em https://goo.gl/pStttQ – acesso na mesma data.

[2] A ARISP mantém convênio com um grande número de órgãos da administração pública – inclusive a própria Receita Federal. Trata-se do convênio firmado a 24.7.2009 com o Superintendente da Receita Federal do Brasil da 8ª Região – Dr. Luiz Sérgio Fonseca Soares. Acesso: https://goo.gl/O8l4wh em 21.3.2016.

[3] Desde o ano de 1997 os Registros Prediais proviam acesso à informação registral por meios eletrônicos. Cfr. Provimento CG 29/2007, de 4/10/2007, des. Gilberto Passos de Freitas. O módulo Ofício Eletrônico acha-se vinculado à Central Registradores de Imóveis e tem por objetivo “viabilizar a emissão de certidões digitais ao Poder Público, por meio do intercâmbio de solicitações feitas eletronicamente entre as entidades solicitantes e os registradores de imóveis”. (Processo CG 131.428/2012, dec. de 17/12/2012, Dje 19/12/2012, des. José Renato Nalini).

[4] Há um pequeno equívoco na formulação do pedido. Solicita-se: I – imóveis matriculados; II – imóveis sem matrícula e III – Qualquer outro imóvel “não abrangido pelos itens I e II”. Evidentemente, não há outros registros além dos itens I e II, já que não há registros fora dos livros oficiais. Além disso, as DOI´s foram exigidas somente a partir da década de 70. Haverá inúmeras transcrições (ou mesmo inscrições) feitas anteriormente e que se acham perfeitamente válidas e eficazes e não foram reportadas em declarações para a Receita.

[5] Haddad remove sigilo e abre cadastro com nome de donos de imóveis. In UOL notícias, 9/12/2015, acesso: http://goo.gl/UarxV2 em 21.3.2016.

[6] Processo CG 2015/82020 – REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS – Mudança legislativa a exigir regulamentação – Art. 80, parágrafo único da Lei 6.015/73, com redação dada pela Lei nº 13.114/15 – Dever de cooperação e informação dos registradores e notários – Função pública que justifica a obrigação legal – Comunicação de óbito – Proposta de alteração dos itens 27.6 e 27.8, Capítulo XVII, das NSCGJ. Dje de 21.3.2016, p. 6 et seq.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

%d blogueiros gostam disto: