Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

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1020060-70.2020.8.26.0100. Mandato – poderes especiais e expressos

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Processo 1020060-70.2020.8.26.0100 – Of. exp.312/2020-crpd

Protocolo – 336.788 Interessada: JGS.

Mandato – poderes especiais. Compra e venda com Alienação fiduciária em garantia.

 SÉRGIO JACOMINO, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo ao requerimento formulado pela interessada, por seu procurador, vem suscitar dúvida, pelos fatos e fundamentos a seguir deduzidos.

Procedimentos preliminares

Foi apresentado para registro instrumento particular de compra e venda com alienação fiduciária em garantia, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 64.155.

O título foi devolvido para atendimento de exigência, contra a qual a interessada se insurge, tendo reingressado com requerimento de suscitação de dúvida. O título acha-se prenotado sob nº 336.788, permanecendo a inscrição em vigor até solução final deste processo de dúvida, nos termos do art. 203 da Lei nº 6.015, de 1973.

Razões de recusa

Para a alienação fiduciária é necessário mandato com poderes expressos e especiais, nos termos do art. 661, § 1.º do CC.

A procuração apresentada foi confeccionada de forma genérica, ou seja, não há informação de que o outorgante confere poderes específicos e expressos para sua representante adquirir e dar em garantia por alienação fiduciária o imóvel objeto do instrumento particular, qual seja: apartamento nº X, localizado no Xº andar do EDIFÍCIO, matricula nº 64.155.

Mandato – poderes especiais e expressos

Em síntese, a controvérsia cinge-se a definir a extensão dos poderes conferidos pelo mandato outorgado ao representante.

Reza o art. 661 do vigente Código Civil:

“Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1º Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.”

A questão passa, portanto, por definir o que sejam poderes especiais e expressos e, ato contínuo, verificar se o traslado da procuração outorgada preenche esta exigência legal.

A redação da procuração lavrada em Washington, Estados Unidos, pela autoridade consular, sugere mandato para administração: são conferidos poderes para gerir e administrar todos os bens do outorgante, com extenso elenco de autoridades e atos passíveis de realização.

Tal mandato pode ser expresso, mas não é específico.

Para alienação ou oneração de bens imóveis a lei exige mandato com a conjugação de poderes especiais e expressos. Poderes especiais, na lição de Serpa Lopes, consistem na “individualização de cada um dos poderes conferidos, com um caráter de especificidade”. Já poderes expressos quer dizer que a manifestação de tais poderes há de se revelar “exteriormente de um modo a ser compreendida direta e inequivocamente, não se permitindo uma interpretação por deduções”. (SERPA LOPES. Curso de Direito Civil. Fontes das obrigações: contratos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 250).

A procuração apresentada de fato é expressa, isto é, revelam claramente o seu âmbito de incidência, mas peca pela sua inespecificidade, já que impera, aqui também, um princípio de especialidade dos poderes, que devem incidir sobre os negócios e bens perfeitamente especializados e individuados.

Jurisprudência

O Conselho Superior da Magistratura enfrentou a questão, tendo o V. Órgão decidido que nos casos em que ausente o poder especial exigido pela lei, inviável o registro pretendido, porquanto competia aos representados indicação dos bens imóveis que poderiam ser alienados.

Trata-se da Apelação Cível nº 0024552-06.2012.8.26.0100, Rel. Des. José Renato Nalini, j. 7/2/2013, Dj. 2/4/2013 – Kollemata ID: 24100, com a ementa:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Cédula de crédito bancário garantido por alienação fiduciária de bem imóvel sacada por meio de representação – Existência de poderes expressos mas não especiais – Art. 661, p. 1°, do Código Civil – Exigência de poderes expressos e especiais – Recurso não provido.”

 O eminente relator destacou o art. 661 do CC. que exige a conjugação cumulativa de poderes especiais e expressos para alienação de imóveis. Citando a lição de Pontes de Miranda, acima transcrita, remata:

“Conclui-se, pois, que os poderes especiais e os poderes expressos, referidos no § 1º do artigo 661 do Código Civil, têm significados diversos.

Estes últimos são os referidos no mandato (exemplo: poderes para vender, doar, hipotecar, etc). Já aqueles correspondem à determinação específica do ato a ser praticado (exemplo: vender o imóvel ‘A’, hipotecar o imóvel ‘B’, etc). E o ordenamento jurídico, como já visto, exige a presença de ambos na procuração com o escopo de se alienar bens.

Isso mais se avulta quando a hipótese envolve a venda de imóveis, cujo alto valor que, em regra, tais negócios encerram, já impõe, por si só, redobrada cautela, ainda que outorgante e outorgado sejam entre si casados.

Daí decorre o entendimento de Carvalho Santos, citado por Arnaldo Marmitt:

Da necessidade dos poderes expressos e especiais para poder o mandatário alienar bens de propriedade do mandante resulta, também, a necessidade de constarem na procuração os bens a serem vendidos, devidamente individualizados, a não ser que os poderes abranjam todos os bens do mandante (Mandato, Aide Editora, 1ª edição, 1992, p. 182.3).

No mesmo sentido, decidiu o TRF da 5ª Região:

O mandato, para conferir poderes que ultrapassem a simples administração ordinária, deve ser outorgado em termos especiais, isto é, os poderes devem referir-se, especificamente, determinadamente, ao negócio jurídico que se tem em mira.

(…)

Os poderes conferidos sempre se interpretam restritivamente. Incidência, na hipótese, dos arts. 145, III, e 1.295, § 1º, do Código Civil, anterior às alterações introduzidas pela Lei 10.406/2002 (Apelação Cível nº 303.001-PB, Relator Desembargador Federal Frederico Azevedo, julgada em 11 de dezembro de 2003, por unanimidade). 

O mandato, assim, embora contenha poderes expressos para alienar, não atribui poderes especiais para a transação em questão. (Ap. civ. 524-6/3, Serra Negra, rel. Gilberto Passos de Freitas, j. 3.8.2006).”

Neste sentido confira-se a Apelação Cível nº 1007580-86.2018.8.26.0405, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 28/3/2019, Dj. 28/6/2019 – Kollemata ID: 34868, com a ementa:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura de compra e venda de imóvel. Substabelecimento. Procuração. Necessidade de poderes especiais. Art. 661 § 1° do CPC. Recurso desprovido.”

 Da mesma forma, O STJ no acórdão relatado pelo Ministro Luís Felipe Salomão, cuja ementa (parte) é a seguinte:

3. O Código Civil estabelece que, para a realização de negócio jurídico que transcende a administração ordinária, tal qual a disposição de bens imóveis (alienação, doação, renúncia, transferência, dentre outros), faz-se necessária a outorga de poderes especiais e expressos (art. 661, § 1º), com a respectiva descrição do objeto a ser transferido/negociado (Em. 183 das Jornadas de Direito Civil)”. (Resp.1551430/ES, j. 521.9.2017, rel. min. Luís Felipe Salomão).

Por fim, este é o teor do Enunciado 183 do Conselho da Justiça Federal:

“Para os casos em que o parágrafo primeiro do art. 661 exige poderes especiais, a procuração deve conter a identificação do objeto”.

Em conclusão, a procuração apresentada não preenche os requisitos legais para sustentar a compra e venda com alienação fiduciária em garantia instrumentalizada pelo contrato privado anexo.

Devolvo a qualificação do título a Vossa Excelência para que possa apreciar soberanamente o caso concreto e lhe dar o deslinde adequado.

Com os nossos cordiais cumprimentos.

São Paulo, 25 de fevereiro de 2020.

Sérgio Jacomino, Oficial,

Cássia Regina Padovini Deranian, Escrevente Substituta.

Written by SJ

15 de junho de 2020 às 8:53 AM

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