0021331-49.2011.8.26.0100. usufruto – constituição pelo registro
Processo 0021331-49.2011.8.26.0100
Interessado: L.M.I et alii.
Dúvida – prejudicada. Escritura pública – original – cópia reprográfica – declaração das partes. Usufruto – instituição – registro. Retificação de escritura – ata notarial.
EMENTA NÃO OFICIAL. 1 – A não apresentação do original do título torna a dúvida prejudicada. 2 – O direito real de usufruto se institui pelo registro. A vontade das partes não pode ser presumida. 3 – Escritura pública – retificação por Ata Notarial – Inviabilidade – Necessária nova manifestação de vontade das partes por meio de escritura de re-ratificação.
- Processo 0021331-49.2011.8.26.0100 – processo – fac-símile.
- Processo 0021331-49.2011.8.26.0100 – usufruto – instituição.
- Processo 0021331-49.2011.8.26.0100 – sentença. Dúvida julgada procedente em 18.8.2011. Sentença transitada em julgado em 21.9.2011.
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo à R. determinação de fls. 23 dos autos, tenho a honra de prestar as seguintes informações.
L.M.I e outros não se resignaram com os óbices opostos por este Registrador à pretensão de registro da escritura lavrada no 32º Tabelionato de Notas da Capital (livro 367, fls. 221) que tem por objeto os imóveis das Transcrições 82.829 e 82.830 integrantes do Edifício M. Marcondes de Mattos.
O inconformismo se dirige contra as exigências consubstanciadas na nota devolutiva que se acha reproduzida às fls. 18 dos autos (documento 7). E veiculam sua irresignação na consideração de que o cartório deveria presumir a vontade e a intenção dos doadores.
Mantida a exigência, os interessados elegeram a via oblíqua da suscitação de dúvida inversa, insistindo na tese e pugnando pelo acesso do título.
Aspecto preliminar: título apresentado em cópia reprográfica
Preliminarmente, calha observar que os interessados não reapresentaram os títulos tal como fora feito no ingresso original nesta Serventia, juntando tão somente as cópias reprográficas que se acham acostadas às fls. 13 e seguintes dos autos.
Malgrado tal fato, prenotamos o título (protocolo 246.946) suspendendo o prazo de vigência até solução final deste procedimento.
Consoantes reiteradas decisões do Eg. Conselho Superior da Magistratura, na suscitação de dúvida inversamente suscitada, os interessados devem diligenciar a apresentação dos títulos no original, para que sejam devidamente prenotados e, caso julgada improcedente a dúvida, sejam imediatamente registrados, nos termos do art. 203, II, da Lei 6.015, de 1973.
Na Apelação Cível 1.203-6/6 , j. 6.10.2009, Bauru, rel. des. Reis Kuntz, extrai-se lição haurida de precedentes citados no corpo do V. acórdão (no caso, AC 43.728-0/7, Batatais, rel. des. Sérgio Augusto Nigro Conceição). Pela clareza do texto e aplicabilidade ao caso concreto, peço vênia para reproduzir:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversamente suscitada – Falta do título original e de prenotação – Inadmissibilidade – Prejudicialidade – Recurso não conhecido”.
“Pacífica a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da necessidade de apresentação do título original, como decidido na apelação cível n.º 30.728-0/7, da Comarca de Ribeirão Preto, Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, nos seguintes termos:
‘Ora, sem a apresentação do título original, não admite a discussão do quanto mais se venha a deduzir nos autos, porque o registro, em hipótese alguma, poderá ser autorizado, nos termos do artigo 203, II, da Lei 6.015/73. Não é demasiado observar que no tocante à exigência de autenticidade, o requisito da exibição imediata do original diz respeito ao direito obtido com a prenotação do título, direito que não enseja prazo reflexo de saneamento extrajudicial de deficiências da documentação apresentada’”.
Prossegue-se:
‘Ao ser suscitada a dúvida, a requerimento do interessado, o título recusado deve ser prenotado para que esteja assegurado o direito de prioridade do apresentante. Se fosse admitido cumprir exigência durante o procedimento, estaria aberto caminho para uma injusta prorrogação do prazo da prenotação que, muita vez, viria em prejuízo dos eventuais detentores de títulos contraditórios’.
E conclui-se:
‘Não tendo sido mantido nos autos, no original, nem oportunamente prenotado, o título cujo registro pretende a recorrente, não é de ser conhecido o recurso, prejudicadas as demais questões suscitadas pelas partes’.
Imprescindível, deveras, em situações como a presente, o exame material do próprio título original, não apenas para que se venha a ter certeza de sua autenticidade e regularidade, mas, ainda, para que, caso autorizado o registro, este possa efetivamente se concretizar. Do contrário, tal concretização dependeria de evento futuro e incerto, consistente na apresentação, ao registrador, daquele original faltante. Ou seja, este Conselho estaria a proferir decisão condicionada. Não se admite, outrossim, pelos fundamentos explicitados no Aresto supra transcrito, que a exigência de prenotação venha a ser cumprida durante o procedimento, máxime em fase recursal, sendo certo que seus efeitos se projetam para o futuro, não podendo retroagir.
A ausência dos requisitos supra mencionados prejudica a dúvida e, ipso facto, fulmina o recurso interposto, inviabilizando seu conhecimento.
Motivo impediente do Registro
O ato notarial é defectivo. De fato, o registrador não pode presumir a vontade das partes que deve ser captada e reduzida a termo no ato lavrado pelo tabelião.
A doação da “nua propriedade” não faz presumir a reserva do usufruto. Muito menos se infere, do fato, a vontade dos doadores, como sustentam os interessados.
Para enquadramento do caso concreto é necessário recapitular as regras que imperam o surgimento de um direito real no direito civil pátrio. Diz o Código Civil, no seu artigo 1.227:
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
Por outro lado, o usufruto se constitui pelo registro no cartório competente, nos termos do artigo 1.391 do Código Civil cc. artigo 167, I, 7 da Lei 6.015/1973:
Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.
…
Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I – o registro:
7) do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito de família;
O sistema de aquisição de direitos reais no país é causalista, isto é, exige um título, como se vê no dispositivo supra, ao lado do modo, que é representado pelo registro. Sem a conjugação desses elementos causais, o direito simplesmente não nasce. Segue-se daí que, não havendo expressa disposição consubstanciada no ato notarial, constituindo-se, assim, o título em sentido material, não pode o direito real de usufruto nascer baseado, unicamente, na presunção da vontade das partes.
Ademar Fioranelli, forte na experiência do dia a dia de um aplicado registrador, aliada à sua notável capacidade de síntese, enfrenta o problema nos brindando com elucidativa conclusão:
Excetuando o usufruto legal e o decorrente de usucapião (cujo registro não tem efeito gerador ou constitutivo), os demais necessitam, para terem efeitos reais e serem exercidos erga omnes, de registro obrigatório, mesmo o que na prática é chamado de reserva, o qual será levado a efeito imediatamente após o registro da transmissão da propriedade.
Exigível ainda que essa reserva venha expressa no título que deverá, com clareza, definir o titular desse direito real, não podendo o Cartório, assim, deduzi-lo quando ocorre somente a transmissão da nua- propriedade, mormente quando sabemos – e isto pode perfeitamente ocorrer na prática – ser possível a constituição (por instituição) de usufruto sobre o mesmo imóvel em favor de terceiros por outro título pendente de registro. (Fioranelli. Ademar. Direito registral imobiliário. Porto Alegre: safE, 2011, p. 417).
Jurisprudência
O Colendo Conselho Superior da Magistratura já teve ocasião de enfrentar caso análogo. Trata-se da Apelação Cível 23.526-0/9, j. 11/5/1995, Guarulhos, rel. des. Antônio Carlos Alves Braga.
Recebido para registro escritura que continha em seu bojo alienação de “nua propriedade”, nada especificando com relação ao usufruto e não constando, registrado antecedentemente na matrícula respectiva, o direito real limitado, o registrador denegou o acesso do título.
Suscitada a dúvida, foi a mesma julgada procedente e em grau de recurso a sentença foi confirmada. O Colendo órgão entendeu ser necessário o registro do usufruto nos seguintes termos:
Com efeito, dispõe o artigo 715 do Código Civil que ressalvado o caso em que o gravame resulte de relação de direito de família, o usufruto dependerá sempre de registro.
Frise-se que, exceção feita à ressalva citada, constitutiva dos casos do chamado usufruto legal (cf. Orlando Gomes, in Direitos Reais, Forense, 10ª ed., pág. 284), nenhuma distinção faz o texto legal no que tange à espécie de usufruto.
Sobretudo não distingue a lei o usufruto constituído por alienação ou retenção, de qualquer maneira decorrente de forma voluntária de instituição.
Como visto, apenas ‘os usufrutos legais prescindem, para sua constituição, de registro imobiliário.’ (Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, in Usufruto, Aide, 2ª ed., pág. 59).
Fora daí, contudo, a publicidade inerente ao registro é o que determina a submissão do sujeito passivo universal, ou seja, a coletividade, marca do ônus real (cf. cit., pág. 55).
Isto em qualquer das duas hipóteses aventadas pelo Ministério Público, repita-se, ambas de constituição voluntária do usufruto.
A não ser assim e, quando da extinção do usufruto, consolidando a propriedade do bem em mãos do nu-proprietário, por mera averbação, em verdade estará sendo assentado, no registro, a extinção de direito real da tábua desconhecido; o que é impossível.
Aliás, a falta de registro de usufruto, mesmo no caso de reserva, significa legar ao desconhecimento de quem adquira a nua-propriedade apenas, o que o recorrente, com razão, obtempera possível, circunstância a militar em seu desfavor, as condições do usufruto e, pois, das circunstâncias de sua extinção, com consolidação da propriedade, então não mais limitada.
E não é só. A nua-propriedade deve ser comprometida como gravada por uma limitação, um verdadeiro ônus, em que se constitui o usufruto.
Ônus este de natureza real que, por conseguinte, para fazer espraiar seus efeitos depende de registro.
Por último, insta salientar que, mesmo ad argumentandum admitida a desnecessidade de registro para o deductio usufructu, o que já se examinou incorreto, a reserva deve ser expressa, e não inferida, no título, até face à possibilidade da separada instituição do usufruto em favor de terceiro.
Concluindo, sem que se disponha claramente no título acerca da instituição do usufruto o registro da “nua propriedade”, presumindo a dedução do usufruto, não se fará por ferir expressa disposição legal.
Devolvo a apreciação do pedido a Vossa Excelência, reiterando os protestos de elevada estima e consideração.
São Paulo, 6 de julho de 2011.
Sérgio Jacomino
5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo.