1068739-43.2016.8.26.0100. União Federal – consulta – emolumentos – venda e compra
Processo 1068739-43.2016.8.26.0100 – sentença
À Exma. Sra.
Dra. Tânia Mara Ahualli,
MM. Juíza da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo.
Interessada: UNIÃO
Emolumentos – União Federal. Consulta do Oficial nos termos do art. 29 da Lei 11.331, de 26 de dezembro de 2002 acerca da incidência de emolumentos para a prática do ato de registro de venda e compra.
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, nos termos do art. 29 da Lei 11.331, de 26 de dezembro de 2002 vem consultar Vossa Excelência sobre o critério a ser adotado para a prática de ato de registro de compra e venda, de interesse da União Federal, no caso de entender este Oficial pela necessidade do depósito prévio.
- Fundamento legal
O pedido funda-se no art. 29 da Lei 11.331, de 2002, que reza:
Artigo 29 – Em caso de dúvida do notário ou registrador sobre a aplicação desta lei e das tabelas, poderá ser formulada consulta escrita ao respectivo Juiz Corregedor Permanente, que, em 5 (cinco) dias, proferirá decisão.
De fato, tendo em vista ocorrer dúvida acerca do critério a ser adotado no caso concreto, formulamos esta consulta, vazada nos seguintes termos e com base nos seguintes fundamentos.
- Questão preliminar: depósito prévio – direito do registrador
Antes de analisar os fundamentos que embasaram o pedido da interessada, mister destacar o que dispõe o artigo 14 da Lei 6.015, de 1973 (LRP):
Art. 14. Pelos atos que praticarem, em decorrência desta Lei, os Oficiais do Registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos, pelo interessado que os requerer, no ato de requerimento ou no da apresentação do título.
A interessada não promoveu o depósito prévio, como a lei faculta ao Oficial exigir. Diversamente, protocolou o seu pedido capeado pelo Ofício n. 34173/2016-MP, de 13 de junho de 2016, encaminhado pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, em que expressamente requer a prática dos atos necessários com isenção “do pagamento de custas e emolumentos”, com base em legislação que abaixo será examinada.
Sem adentrar, portanto, no mérito da admissibilidade (ou não) do ingresso do título, como exigência preliminar inadimplida, requeremos a Vossa Excelência a apreciação da pertinência (ou não) da cobrança dos emolumentos e, em caso positivo, do depósito prévio.
A fim de resguardar os interesses da União prenotamos o título (protocolo 297.488) inscrição que permanecerá hígida até solução deste pedido.
- União paga emolumentos?
A questão a ser respondida é justamente esta: a União está isenta do pagamento de emolumentos?
Responde-nos a Lei de Custas e Emolumentos de São Paulo (LCESP): sim, a União goza de isenção apenas parcial, gizada pela própria lei:
Artigo 8º – A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, e as respectivas autarquias, são isentos do pagamento das parcelas dos emolumentos destinadas ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça.
Parágrafo único – O Estado de São Paulo e suas respectivas autarquias são isentos do pagamento de emolumentos.
Concluiu-se, logicamente, que a União é isenta do recolhimento das parcelas do Estado, da Carteira de Previdência, do custeio de atos gratuitos do Registro Civil e da taxa de fiscalização do Judiciário, mas não da parcela devida aos Oficiais do Registro. O ente da federação que goza de isenção total é o Estado de São Paulo e respectivas autarquias.
- CGJSP – Jurisprudência
Há copiosa jurisprudência da Eg. Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo confirmando essa que é uma longeva orientação. São estes os precedentes:
- EMOLUMENTOS. Registro de Imóveis. Expedição de certidões de interesse do INCRA. Isenção concedida pelo Decreto-lei Federal n. 1.537/1977 à União e suas autarquias que não se aplica à hipótese. Incidência da Lei Estadual paulista n. 11.331/2002. Parcela dos emolumentos devida ao oficial registrador que deve ser paga. Orientação firmada no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça. (…). Requerimento que se indefere. (Processo CG 32.257/2009, São Paulo, dec. 18.6.2009, Dje 29.6.2009, des. Ruy Pereira Camilo)[1].
- EMOLUMENTOS. Cobrança pela averbação do cancelamento da indisponibilidade de bens imóveis. Isenção pretendida, em razão da responsabilidade exclusiva da União pela medida (indisponibilidade de bens) que agora se cancela. Inadmissibilidade. Recurso não provido. (Processo CGJSP 440/2007, Taquaritinga, dec. de 24.7.2007, DJe 24.10.2007, des. Gilberto Passos de Freitas).
- REGISTRO DE IMÓVEIS – Recurso contra a decisão do Juízo Corregedor Permanente que manteve a exigência do Oficial de cobrar emolumentos decorrentes do serviço de averbação de cessões de crédito referentes às cédulas rurais à União Federal. Exigência devida. A isenção concedida pelo artigo 8º da Lei Estadual 11.331/2002 é restrita às hipóteses que contempla. Não alcança os emolumentos devidos ao particular prestador do serviço público por delegação, cuja natureza é de tributo, qualificado como taxa de remuneração. Impossibilidade, ademais, de o Estado conceder isenção de tributo que não lhe é devido, porque só pode isentar quem pode tributar. Inaplicabilidade do Decreto-Lei 1537/77, o qual não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porque afronta, ao instituir isenção sobre tributo estadual, o princípio federativo. Recurso não provido. (Processo CGJSP 1041/2006, Jaboticabal, parecer de 31/01/2007 da dra. Ana Luiza Villa Nova).
- EMOLUMENTOS – Registro de Imóveis – Expedição de certidões de interesse da Caixa Econômica Federal – Isenção concedida à União pelo Decreto-lei federal n. 1.537/1977 – Inaplicabilidade – Prevalência de norma estadual (Lei Estadual n. 11.331/2002) – Parcela dos emolumentos devida ao oficial registrador que deve ser paga – Decisão da Corregedoria Permanente em sintonia com precedentes da Corregedoria Geral da Justiça (Proc. CG 382/2004 e Prot. CG 52.164/2004) – Recurso não provido. (Processo CG 732/2006, Rio Claro, dec. 27.9.2006, Dje 18.10.2006, des. Gilberto Passos de Freitas).
- REGISTRO DE IMÓVEIS – Cobrança de emolumentos pelo serviço de expedição de certidões – Decisão administrativa que considerou inaplicável norma federal instituidora de isenção sobre tributo estadual em benefício da União – Manutenção da orientação firmada, ressalvados eventuais pronunciamentos jurisdicionais nos casos concretos – Indeferimento do pleito de reconsideração da decisão proferida. Certidão. Custas e emolumentos – União – isenção. (Processo CG 52.164/2004, Campinas, dec. 30.5.2006, Dje 13.6.2006, des. Gilberto Passos de Freitas).
- REGISTRO DE IMÓVEIS. Recurso Administrativo. Cobrança de emolumentos pelo serviço de expedição de certidões. Natureza de taxa. Tributo estadual. Impossibilidade de lei federal instituir isenção, sob pena de afronta ao princípio federativo. Recurso improvido. Custas e emolumentos – natureza jurídica. Taxa. União federal – isenção. Certidão – expedição. (Processo CG 382/2004, Votuporanga, dec. 25.6.2004, Dje 2.7.2004, des. José Mário Antonio Cardinale).
Pelo elenco aqui reproduzido vê-se que a orientação da Corregedoria-Geral da Justiça aponta no sentido de que a isenção de emolumentos concedida à União e às suas autarquias é parcial, alcançando, apenas e tão somente, a parte devida ao Estado, à Carteira, ao Tribunal de Justiça e custeio do Registro Civil.
- Isenção federal sobre tributo estadual?
No ofício n. 24173/2016-MP, o sr. Coordenador de Incorporação – SPU – SP acena com a aplicação ao caso concreto do Decreto-Lei 1.537, de 13.4.1977.
Entretanto, o Decreto-Lei 1.537, de 13.4.1977, não poderia impor gratuidades ou imunidades sobre tributos estaduais, sob pena de rompimento do pacto federativo. Não se chega a proclamar administrativamente a inconstitucionalidade do “escolho da ditadura” em face da Nova Carta de 1988 – como chegou a fazer – e muito bem – a Dra. Fátima Vilas Boas Cruz em parecer oferecido no Processo CG 382/2004, ao qual ainda se aludirá. O caso, simplesmente, será de não recepção da regra na nova ordem constitucional inaugurada com a carta de 1988.
O raciocínio parece claro e singelo. A Constituição Federal, em seu artigo 236, previu que “Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro” (§ 2º).
A competência para legislar sobre os tributos decorre da Constituição Federal (art. 24) e nos casos específicos da legislação concorrente, “a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais” (art. 24, § 1º).
Cada ente da federação possui competência para legislar sobre os próprios tributos. Veda-se a concessão de isenções ou reduções de tributos, conhecidos em doutrina como isenções heterônomas. A vedação decorre do texto constitucional:
Art. 151. É vedado à União:
III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”.
Afasta-se, pela clareza da própria lei, a interminável controvérsia sobre o exato sentido de normas gerais tributárias. No caso concreto dos emolumentos, a própria constituição estabelece que a lei federal estará limitada pelo caráter de generalidade (art. 24, § 1º c.c. art. 236, § 2º da carta de 1988). A legislação estadual há de especializar e singularizar as regras gerais a partir dos lindes definidos em lei federal. Esta será necessária para dar plena eficácia ao comando constitucional.
A lei federal de que cogitamos veio a ser editada em 2000 e traz, em seu preâmbulo, justamente a definição de seu escopo: regular o § 2º do art. 236 da Constituição Federal, “mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”.
Aqui parece não haver qualquer dúvida a respeito do sentido de complementariedade das regras federais e estaduais no que tange aos emolumentos cartorários. A Lei 10.169, de 29 de dezembro de 2000, reza em seu art. 1º o seguinte:
Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.
Portanto, compete a cada estado membro da Federação (e o Distrito Federal) fixar os valores correspondentes aos emolumentos devidos pela prática dos atos de ofício. Além das tabelas de valores (art. 2º, I, da Lei 10.169/2000), a Lei do Estado de São Paulo previu, no já citado art. 8º, as hipóteses de isenção e de concessão de gratuidades.
Como vimos, a União goza de isenção parcial. Salvo melhor juízo, tal isenção não alcança os emolumentos devidos ao Oficial pela prática dos atos de seu interesse.
- Taxas – modalidade de tributo. Cabe isenção?
Os emolumentos possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, tal como previsto no art. 145, II da CF e art. 77 c.c. art. 79 do CTN. Tal é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em inúmeros precedentes. Citem-se: RE 116.208-MG, j. 20.4.1990, DJ 8.6.1990, Pleno, min. Moreira Alves, ADI 1444-PR, j. 12.2.2003, DJ 11.4.2003, Pleno, rel. min. Sydney Sanches, além dos precedentes arrolados no site do próprio Supremo Tribunal Federal, cuja ementa é a seguinte:
“A jurisprudência do STF firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade.” (ADI 1.378-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-11-1995, Plenário, DJ de 30-5-1997.) No mesmo sentido: ADI 3.826, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 12-5-2010, Plenário, DJE de 20-8-2010.
Enfrentando especificamente a questão da chamada isenção heterônoma (art. 151, III da CF), o STF, na ACO 1.646, em voto do min. Joaquim Barbosa, que negou os efeitos de antecipação da tutela, deixou consignado:
É pacífico nesta Corte que as custas e os emolumentos judiciais e extrajudiciais têm natureza tributária (cf., por todos, a ADI 3.089, red. p/ acórdão min. Joaquim Barbosa, DJe de 01.08.2008).
A Constituição de 1988 proíbe expressamente que um ente federado conceda exoneração, total ou parcial, de tributos cuja competência para instituição seja de outro ente federado (art. 151, III da Constituição). O obstáculo tem por objetivo proteger a ampla latitude da autonomia conferida a cada um dos entes, nos termos do pacto federativo, ao assegurar que as fontes de custeio constitucionalmente destinadas ao membro da Federação fiquem livres do arbítrio caprichoso da vontade política parcial de um de seus pares.
Em especial, a salvaguarda recebe maior prestígio quando se trata do impedimento imposto à União, ente federado que reconhecidamente conta com meios mais eficientes de pressão indireta para condicionar a conduta, as chamadas sanções políticas.
Assim, a exoneração escalonada ou integral posta nos arts. 43 e 44 da 11.977/2009 caracteriza-se como isenção heterônoma, proibida constitucionalmente, ao menos neste momento de juízo inicial.
Por outro lado, o apelo à competência da União para criar normas gerais em matéria de serviços notariais extrajudiciais é destituída de plausibilidade, por duas razões preponderantes. Inicialmente, as normas em discussão referem-se à instituição de tributos e do custeio propriamente dito dos serviços notariais, matéria que também é regulada pelos arts. 145, II e 151, III da Constituição, e não apenas do art. 236, § 2º da Constituição.
Ademais, a própria Constituição imuniza certos fatos contra a instituição e cobrança de custas judiciais e de emolumentos extrajudiciais (art. 5º, XXXIV e LXXVI, a e b da Constituição). A exoneração potencialmente causa desequilíbrio entre as fontes de custeio e os custos da atividade judicial e notarial, de modo a impelir os entes federados a estabelecer ‘forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal’ (art. 8º da Lei 10.169/2000).
Dada a existência do dever de compensação proporcional à exoneração, o benefício estabelecido pela União tende a transferir aos estados-membros e ao Distrito Federal o custo da isenção conferida, colocando-os em delicada situação interna, considerados os anseios e pleitos dos delegados notariais que serão diretamente afetados pelas normas federais.
Ante o exposto, indefiro o pedido para antecipação dos efeitos da tutela.
Em precedente da Eg. Corregedoria Geral da Justiça, abaixo indicado, encontramos interessante excurso sobre o tema. Discutia-se a possibilidade de cobrança de emolumentos da União com base no já referido Decreto-Lei 1.537/1997. A juíza-auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça, Dra. Fátima Vilas Boas Cruz, em lúcido parecer, destacava a natureza jurídica dos emolumentos, concluindo, citando precedente do STF, que a remuneração dos serviços notariais e de registro tem natureza de taxa e que as imunidades concedidas aos entes públicos somente podem referir-se a impostos, não abrangendo as taxas. E segue a meritíssima juíza:
“O artigo 1º do Decreto-lei 1.537/77 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que afronta diretamente o princípio federativo, ao instituir isenção sobre tributo estadual.
A União somente pode estabelecer regras gerais sobre os emolumentos devidos a título de prestação de serviço público, o que foi feito pela Lei 10.169/00, mas jamais está autorizada a decretar isenções sobre tributo estadual.
Nesse sentido:
‘À União, ao Estado-membro e ao Distrito Federal é conferida competência para legislar concorrentemente sobre custas do serviços forenses, restringindo-se a competência da União, no âmbito dessa legislação concorrente, ao estabelecimento de normas gerais, certo que, inexistindo tais normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades’. (Adin 1624/MG, 08.05.03).
A lei estadual de nº 11.331/02 estabeleceu isenção à União apenas quanto ao pagamento das parcelas dos emolumentos destinados ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, mas não a isentou quanto ao pagamento da remuneração dos serviços das serventias extrajudiciais prestados.
Como foi decidido na Adin nº 2.301-2, RS, citando a lição de Roque Antonio Carraza:
‘As leis isentivas não devem se ocupar de hipóteses estranhas à regra matriz do tributo, somente podendo alcançar fatos que, em princípio, estão dentro do campo tributário da pessoa política que as edita. Só se pode isentar o que se pode tributar. Quando não há incidência possível (porque a Constituição não a admite), não há espaço para a isenção’.
Ensina Cretella Junior que a ‘isenção é feita, na respectiva esfera, por lei estadual, lei municipal ou lei distrital; na área da União, por lei federal. Cada pessoa política tem competência para instituir isenção de tributo, em sua própria área. O contrário seria invasão indébita ou usurpação de competência de uma pessoa política na área de outra” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. VII/3587, 1993, Forense Universitária). (Processo CG 382/2004, dec. 25.6.2004, des. José Mário Antonio Cardinale).
Em outro precedente da mesma Eg. Corregedoria Geral, a mesma juíza percorre o mesmo caminho hermenêutico para chegar à conclusão de que a União não merece a isenção total. Peço vênia a Vossa excelência para citar, uma vez mais, o parecer ofertado no Processo CG 107/2006:
Os serviços prestados pelos notários e registradores são públicos, porém, exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme estabelece o artigo 236 da Constituição Federal.
Assim e de acordo com o artigo 236, §2º, da Constituição Federal, a Lei Federal deve estabelecer normas gerais para a fixação de emolumentos pelos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
Em decorrência deste dispositivo constitucional, foi editada a Lei Federal 10.169/2000, que estabelece normas gerais para a fixação dos emolumentos, e, no Estado de São Paulo, a questão está disciplinada na Lei Estadual 11.331/2002, competente para instituir o tributo e conceder isenção.
A remuneração deste serviço público delegado tem natureza tributária, é qualificado como taxa, tributo este que tem por hipótese de incidência uma atuação estatal diretamente referida ao contribuinte e que, na espécie, visa remunerar um serviço público, prestado pelo delegado, cujo valor cobrado está diretamente relacionado com o custeio do serviço prestado, conforme determina o artigo 1º da Lei Federal 10.169/00, ao dispor que ‘o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequação e suficiente remuneração dos serviços prestados’. (Processo CG 107/2006, São Paulo, parecer 10.4.2006, des. Gilberto Passos de Freitas).
- Normas técnicas – juízo competente – decisões com caráter normativo.
Este Registro está sujeito às normas técnicas baixadas pelo juízo competente. É o que reza o art. 30 da Lei 8.935, de 1994:
Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:
XIV – observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.
As decisões administrativas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, bem como suas conhecidas Normas de Serviço, ostentam o caráter de prescrições tendentes a pautar a atividade registral no Estado de São Paulo, decalcadas diretamente do cânon legal. Diz-se que “têm caráter normativo”, por representarem “regras judiciário-endógenas” – na expressão do des. Ricardo Dip – e que visam reproduzir leis, “sejam textualizações de usos e costumes ou, acaso, copilem jurisprudência firme”. (HC 426450-2, Guarujá, j. 25.11.2002, rel. des. Ricardo Dip).
Às decisões administrativas da Corregedoria-Geral se reconhece a natureza de “normas técnicas baixadas pelo juízo competente”, já que ostentam, como se reconhece, um “caráter normativo” quando publicadas no veículo oficial do estado. V.g.: Processo CG 120/81, São Paulo, parecer de 1.3.1982, Dr. José Horácio Cintra Gonçalves Pereira; Processo CG 186/81, São Paulo, parecer de 8.3.1982, Dr. José Horácio Cintra Gonçalves Pereira; Processo CG 42/88, São Paulo, parecer de 26.4.1989, Dr. Vito José Guglielmi. Processo CG 3.264/1996, São Paulo, dec. de 13.3.1996, DJ: 20.3.1996. parecer aprovado pelo des. Márcio Martins Bonilha. Processo CG 85.262/88, Cajuru, dec. 4.12.1996, DJ de 11.12.1996, parecer aprovado pelo des. Márcio Martins Bonilha, dentre centenas de outros precedentes.
As decisões indicadas no item 4, supra, ostentam o caráter normativo. São normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente às quais o Registrador acha-se vinculado – sob pena de incorrer em infração disciplinar pela inobservância de prescrições normativas, consoante dispõe o art. 31, I, da Lei 8.935, de 1994.
Essa é a razão e o fundamento para veicular esta consulta.
- Ação contra o Oficial deste Registro
A União moveu ação contra este Oficial de Registro de Imóveis em razão da cobrança de emolumentos conforme estabelece a Lei. Em recente decisão, publicada em 25/08/2015, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, decidiu:
Trata-se de reexame necessário e de apelações interpostas pela parte ré contra a sentença de fls. 205/212, que julgou procedente o pedido deduzido para reconhecer o direito da União à isenção de emolumentos, determinando ao 5º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo que se abstenha de exigir o seu pagamento ao proceder à transcrição nas matrículas dos imóveis por ela adquiridos e localizados na:
- a) Praça Franklin Roosevelt, nº 215, nº 225 e nº 235 (Rua Guimarães Rosa), composto pelas unidades autônomas sob as matrículas de números 54810, 54811, 54812, 54813, 54814, 54815, 54816, 54817, 54818, 54819, 54820, 54821, 54822, 54823, 54824, 54825 e 54826;
- b) Rua Antônio de Godoy nº 23, nº 27 e nº 33, e denominado Edifício Wilson Paes de Almeida;
- c) Avenida Rio Branco nº 10, registrado sob a matrícula nº 7356.
Condenou os réus ao pagamento de honorários advocatícios, pro rata, fixados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa.
O Estado de São Paulo alega, em síntese, o seguinte:
- a) inaplicabilidade do Decreto-lei nº 1.537/77;
- b) a União não está isenta ao pagamento de custas relativas ao registro da transferência e aquisição do imóvel adquirido;
- c) a Lei nº 10.169/00 outorga à União tão somente o direito de estabelecer regras gerais sobre os emolumentos devidos a título de prestação de serviço público, e não a decretar isenções sobre título estadual;
- d) o Decreto-Lei nº 1.537/77 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988;
- e) a interpretação da outorga de isenção deve ser feita restritivamente, nos termos do art. 111, III, do Código Tributário Nacional;
- f) o art. 8º, da Lei nº 11.331/02, não prevê a isenção da União ao pagamento de taxas devidas aos oficiais de registro de imóveis (fls. 214/223).
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (SP), sustenta que:
- a) no caso de taxas, a competência tributária é definida pela Constituição Federal em função da atividade estatal desenvolvida, nos termos do seu art. 145, II;
- b) tendo em vista que os serviços das serventias notariais e registrais são delegação de cada estado membro, a ele compete legislar acerca das questões que versam sobre a criação, majoração e isenção das taxa cobradas pela contraprestação de serviços, de modo que somente a ele caberá conceder isenções;
- c) não cabe à União instituir isenções de tributos de competência dos estados, com fundamento no art. 151, III, da Constituição Federal;
- d) inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1.537/77;
- e) inaplicabilidade do art. 24-A, da Lei n 9.028/95, tendo em vista que trata de isenções de taxa e custas judiciárias;
- f) os serviços notariais e de registro tem natureza privada, como estabelece o art. 236, da Constituição Federal (fls. 226/250).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 265/269v.).
Decido.
Emolumentos. Fazenda Pública. Exigibilidade. Sustenta-se que a Fazenda Pública estaria isenta de emolumentos devidos em favor dos serviços notariais e de registros, nos termos dos arts. 1º e 2º do Decreto-lei n. 1.537, de 13.04.77:
Art. 1º – É isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, com relação às transcrições, inscrições, averbações e fornecimento de certidões relativas a quaisquer imóveis de sua propriedade ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adquiridos.
Art. 2º – É isenta a União, igualmente, do pagamento de custas e emolumentos quanto às transcrições, averbações e fornecimento de certidões pelos Ofícios e Cartórios de Registros de Títulos e Documentos, bem como quanto ao fornecimento de certidões de escrituras pelos Cartórios de Notas.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça interpreta a isenção restritivamente, não a estendendo a terceiros que prestam serviços desvinculados da atividade estatal:
PROCESSUAL CIVIL – CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS – FAZENDA PÚBLICA: ISENÇÃO (ARTS. 38 DA LEF, 27 E 1.212, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC).
- Custas são o preço decorrente da prestação da atividade jurisdicional, desenvolvida pelo Estado-juiz através de suas serventias e cartórios.
- Emolumentos são o preço dos serviços prestados pelos serventuários de cartório ou serventias não oficializados, remunerados pelo valor dos serviços desenvolvidos e não pelos cofres públicos.
- Despesas, em sentido estrito, são a remuneração de terceiras pessoas acionadas pelo aparelho jurisprudencial, no desenvolvimento da atividade do Estado-juiz.
- Os terceiros que prestam serviços desvinculados da atividade estatal não estão submetidos às regras isencionais.
- Os peritos, os transportadores dos oficiais de justiça e as empresas de correios devem ser remunerados de imediato pelo autor ou interessado no desenvolvimento do processo.
- Recurso especial improvido. (STJ, REsp n. 366005, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.12.02)
Com efeito, os serviços notariais e de registro têm natureza privada, consoante estabelece o art. 236 da Constituição da República:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
Sendo a isenção modalidade de exclusão de crédito tributário (CTN, art. 175, I), segue-se que ela não tem a propriedade de excluir o crédito de índole privada devido em razão dos serviços notariais.
Honorários advocatícios. Sucumbência da Fazenda Pública. Ação declaratória. Apreciação equitativa. A fixação dos honorários advocatícios consoante apreciação equitativa do Juízo, prevista no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, contempla a possibilidade de arbitramento tomando-se como base o valor da condenação, o valor da causa ou mesmo em valor fixo, em especial nos casos de natureza declaratória. Nesse sentido, em julgamento de recurso especial repetitivo (CPC, art. 543-C), o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. AÇÃO ORDINÁRIA. DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. HONORÁRIOS. ART. 20, §§ 3º E 4º, DO CPC. CRITÉRIO DE EQUIDADE.
- Vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, ou mesmo um valor fixo, segundo o critério de equidade.
- Nas demandas de cunho declaratório, até por inexistir condenação pecuniária que possa servir de base de cálculo, os honorários devem ser fixados com referência no valor da causa ou em montante fixo.
- Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público e da Primeira Seção.
- Tratando-se de ação ordinária promovida pelo contribuinte para obter a declaração judicial de seu direito à compensação tributária segundo os critérios definidos na sentença – não havendo condenação em valor certo, já que o procedimento deverá ser efetivado perante a autoridade administrativa e sob os seus cuidados -, devem ser fixados os honorários de acordo com a apreciação equitativa do juiz, não se impondo a adoção do valor da causa ou da condenação, seja porque a Fazenda Pública foi vencida, seja porque a demanda ostenta feição nitidamente declaratória.
- Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008. (STJ, REsp n. 1.155.125, Rel. Min. Castro Meira, j. 10.03.10)
Do caso dos autos. A sentença merece reforma.
O Superior Tribunal de Justiça interpreta restritivamente a isenção concedida à União, não a estendendo a terceiros que prestam serviços desvinculados da atividade estatal.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao reexame necessário e às apelações para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial, condenando a autora ao reembolso das custas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios, para cada réu, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fundamento no art. 557, do Código de Processo Civil.
Comunique-se a decisão ao MM. Juízo a quo.
Decorrido o prazo legal, remetam-se os autos à vara de origem.
Publique-se. Intimem-se.
São Paulo, 05 de agosto de 2015.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
- Conclusões
Em vista de todo o exposto, em síntese se expõe e requer a Vossa Excelência:
a) admitida que seja a consulta ao juízo competente acerca de questões relativas à cobrança de emolumentos (art. 29 da Lei 11.331, de 2002);
b) Considerando que a União goza de isenção somente parcial dos emolumentos, nos termos do art. 8º da citada lei;
c) Que a Corregedoria-Geral da Justiça, no âmbito de suas atribuições, pode baixar provimentos e imprimir o “caráter normativo” a decisões administrativas, consoante precedentes citados.
d) Que os registradores acham-se vinculados às normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente (art. 30, XIV, da Lei 8.935/1994) e que se sujeitam a Normas de Serviço, provimentos e decisões que ostentem um caráter normativo.
e) Considerando-se que a inobservância de tais regras constitui infração punível (art. 31, I, da citada Lei 8.935/1994).
f) Em vista do exposto, requeremos a Vossa Excelência que possa dirimir a dúvida deste Registro, indicando qual critério deva prevalecer no atendimento do pleito da União, por meio de seus órgãos.
São Paulo, 4 de julho de 2016.
SÉRGIO JACOMINO
Registrador
[1] Para acessar a íntegra das decisões aqui citadas: http://wp.me/pcDhK-Ai
Deixe um comentário