Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

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1005034-90.2024.8.26.0100. CND RF/INSS – dispensa por inconstitucionalidade

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Compra e venda. CND INSS e Receita Federal. Princípio da legalidade.

Processo 1005034-90.2024.8.26.0100, j. 23/2/2024, DJe 27/2/2024, Dra. Renata Pinto Lima Zanetta. Disponível em: http://kollsys.org/twh.

Procedimentos preliminares

Foi-nos apresentada para registro escritura pública de compra e venda (livro X, fls.), lavrada em 27/11/XXXX pelo Tabelião de Notas desta Capital, tendo por objeto do imóvel aqui matriculado. Figura como transmitente a pessoa jurídica REIL. e adquirente AMB.

O título foi devolvido pelo não atendimento do requisito legal previsto na alínea “b” do inciso I do art. 47 da Lei nº 8.212/91, tendo sido prenotado sob nº X com o pedido de suscitação de dúvida, permanecendo a inscrição em vigor até solução deste processo de dúvida, nos termos do art. 203 da Lei nº 6.015, de 1973.

Da exigibilidade da CND da RFB e PGFN.

Nos termos do art. 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/91 é exigida CND da empresa por ocasião da alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo. Ressalte-se que até a presente data, não foi declarada a inconstitucionalidade da letra “b”, inciso I, do art. 47, da lei acima referida, permanecendo o dispositivo em vigor.

Conforme art. 1º da Portaria MF nº 358, a prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional será efetuada mediante a apresentação de certidão expedida conjuntamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN, referente a todos os tributos federais e à Dívida Ativa da União – DAU por elas administradas, ou seja, uma única certidão conjunta para todos os tributos federais.

Além disso, a responsabilidade do oficial registrador mantém-se na referida lei, nos termos do artigo 48 e seu parágrafo 3º:

Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos (grifo nosso).

§ 3º O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível (grifo nosso).

Nota bene: o ato praticado, sem a observância do requisito previsto na lei, acarreta a nulidade do próprio ato, com graves e danosas consequências eventuais aos interessados, além da responsabilidade pessoal do registrador.

Apesar da sucessão de decisões que dispensam a prova de regularidade fiscal, sempre nos impressionou a tese divergente veiculada no voto proferido pelo des. RICARDO DIP na Ap. Civ. 0001652-41.2015.8.26.0547, que consagrou o entendimento de que “não é dado conceder dispensa de observância de norma infraconstitucional mediante suposta incompatibilidade material com regra da Constituição”. Vale a pena extrair trecho de seu voto. A respeito do art. 47 da Lei 8.212/1991, diz Sua Excelência, in verbis:

“A bem ver, contudo, essa regra está em vigor.

Primo, a inconstitucionalidade da Lei 7.711/1988, art. 1º, I, III e IV, e §§ 1º, 2º e 3º, declarada pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 173-6 e 394-1 não alcança o  art. 47 da vigente Lei de Organização da Seguridade Social: é que os motivos determinantes das declarações de inconstitucionalidade – essa a doutrina corrente do Pretório Excelso – não transcendem para casos símiles (Rcl 7.956-AgR, j. 19.9.2013; Rcl 11.478-AgR, j. 5.6.2012).

Secundo, o art. 1º da Lei Complementar n. 147 (de 07-8-2014), dando nova redação ao art. 9º da Lei Complementar n. 123 (de 14-12-2007), de um lado, e o Decreto Federal 8.302 (de 04-9-2014), de outro, só revogaram (a) a alínea d do inc. I do dito art. 47, (b) o Decreto 6.106, de 30 de abril de 2007 (in totum), e (c) alguns dispositivos do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (em particular, o art. 257, I, d)[1]”.

Lei 14.382/2022 e o veto à dispensa da CND 

Recentemente, houve uma série de iniciativas que buscavam consagrar em lei a dispensa da exigência de apresentação da CND. Houve, além disso, várias decisões do próprio CNJ até que, após o advento da Lei 14.382/2022, houve o veto ao dispositivo que revogava a alínea ‘b’ do inciso I e o inciso II do caput do art. 47 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. A razão de veto foi a seguinte: 

“Contudo, em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público ao dispensar a comprovação de regularidade fiscal para o exercício de determinadas atividades pelos contribuintes, o que reduz as garantias atribuídas ao crédito tributário, nos termos do art. 205 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. 

Ressalta-se que o controle da regularidade fiscal dos contribuintes, por um lado, exerce indiretamente cobrança sobre o devedor pela imposição de ressalva à realização de diversos negócios e, por outro lado, procura prevenir a realização de negócios ineficazes entre devedor e terceiro que comprometam o patrimônio sujeito à satisfação do crédito fazendário. 

Desse modo, a proposição legislativa está em descompasso com a necessária proteção do terceiro de boa-fé, o que resultaria no desconhecimento pelo terceiro da existência de eventual débito do devedor da Fazenda Pública, sujeitando a prejuízo aqueles que, munidos de boa-fé, fossem induzidos a celebrar negócio presumivelmente fraudulento, a teor do disposto no art. 185 da Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional”[2].

Last, but not least, em 17 de outubro de 2022, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil expediria a Instrução Normativa RFB n. 2.110, reforçando o dever de fiscalização dos registradores no que toca à matéria:

“Art. 258. O titular de serviço notarial e de registro é pessoalmente responsável pela infração a obrigação acessória prevista na legislação previdenciária, em nome do qual será lavrado o documento de constituição do crédito tributário, por meio de sua matrícula CEI ou CAEPF atribuída ou não de ofício. (Lei nº 8.212, de 1991, art. 48, § 3º, e art. 68, § 5º; e Regulamento da Previdência Social, de 1999, art. 228, § 6º).

(…)

Art. 262. As infrações isoladas, por ocorrência, poderão integrar, para economia processual, um único Auto de Infração ou uma única Notificação de Lançamento.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, configura-se uma ocorrência:

I – cada segurado não inscrito, independentemente da data de contratação do empregado, do empregado doméstico, do trabalhador avulso ou do contribuinte individual;

II – cada Perfil Profissiográfico Previdenciário não emitido para trabalhador exposto aos agentes nocivos, ou não atualizado;

III – cada certidão negativa de débitos não exigida, nos casos previstos em lei;

IV – cada obra de construção civil não matriculada no prazo estabelecido em lei; e

V – a ausência de entrega, a entrega fora do prazo ou a apresentação com incorreções ou omissões, pelo município ou Distrito Federal, da relação de todos os alvarás, habite-se e certificados de conclusão de obra emitidos no mês”.

AnoregSP e a ação de inconstitucionalidade

Por outro lado, a ANOREG-SP, entidade representativa dos notários e registradores do Estado de São Paulo, impetrou mandado de segurança coletivo, visando a declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 47 e 48 da Lei nº 8.212/91, “determinando às autoridades coatoras que se abstenham de lavrar autos de infração em relação aos notários e registradores que deixarem de exigir das partes a apresentação da Certidão Negativa de Débito-CND para a prática dos seus atos de ofício”.

A liminar foi concedida, mas, por decisão de 1/12/2023, suspendeu-se a decisão proferida anteriormente até o julgamento do agravo de instrumento interposto pela UNIÃO. Os argumentos apresentados pela UNIÃO são ponderosos:

“Extrai-se do julgamento que o Supremo Tribunal Federal entendeu que, exigir do contribuinte a apresentação de certidão de quitação de débito, caracterizaria sanção política, na medida em que tais normas obrigariam o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário em aberto.

Todavia, a certidão de quitação fiscal não deve ser confundida com a certidão de regularidade fiscal, pois institutos distintos. Enquanto a certidão de quitação impõe ao contribuinte que todos seus débitos estejam quitados para a sua emissão, a certidão de regularidade fiscal exige do contribuinte apenas a regularidade de seus débitos para que seja emitida.

Vale dizer que, a emissão de certidão de regularidade fiscal pode ser expedida mesmo que o contribuinte tenha débitos pendentes de quitação, bastando que este providencie a sua regularização antes da emissão da certidão de regularidade fiscal.

Nos termos do artigo 205 do Código Tributário Nacional, a Certidão Negativa de Débito (CND) será expedida quando inexistir débito tributário constituído relativamente ao cadastro fiscal do contribuinte. Por sua vez, nos termos do artigo 206, do mesmo diploma legal, poderá ser expedida a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPEN) quando a exigibilidade do débito estiver suspensa, nos termos do artigo 151 do CTN, ou o débito em cobrança judicial esteja integralmente garantido nos autos fiscais”[3].

Todos esses precedentes devem ser ponderados em face de uma decisão que afronta a literalidade da Lei 8.212/1991.

Portanto, com fundamento na letra “b” do inc. I do art. 47 da Lei 8.212/1991 e em atenção ao princípio da estrita legalidade, foi denegado o registro da compra e venda. 

Devolvo a Vossa Excelência a apreciação das razões apresentadas pelo interessado, com o devido respeito.

São Paulo, 12 de janeiro de 2024.

SÉRGIO JACOMINO
Oficial.


Notas

[1] Ap. Civ. 0001652-41.2015.8.26.0547, Santa Rita do Passa Quatro, j. 31/7/2017, Dje 10/10/2017, rel. des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS. Acesso: http://kollsys.org/l5h.    

[2] Mensagem 329, de 27 de junho de 2022, DJ de 28/6/2022.

[3] AI 5031693-86.2023.4.03.0000, TRF 3, São Paulo, j. 1/12/2023, Des. RENATO BECHO. Acesso: http://kollsys.org/tpl.

Written by SJ

28 de fevereiro de 2024 às 1:58 PM

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