1167000-96.2023.8.26.0100. Promessa de compra e venda. Continuidade. Especialidade subjetiva.
Processo 1167000-96.2023.8.26.0100, j. 2/2/2024, DJe 6/2/2024, Dra. Renata Pinto Lima Zanetta. Acesso: http://kollsys.org/ttk
Ementa. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONTINUIDADE. QUALIFICAÇÃO PESSOAL – CÔNJUGE – CPF – ESPECIALIDADE SUBJETIVA. Não pode o titular inscrito alienar mais do que possui. Sendo mero promissário-cessionário de direitos decorrentes da promessa registrada, não pode transmitir mais do que possuía em virtude e força de seu título – nemo plus juris transferre potest quam ipse habet – afronta aos artigos 195 e 237 da LRP.
Procedimentos preliminares
Foi-nos apresentado para registro o “instrumento particular de contrato de venda e compra parcelado” firmado a 20 de março de 2010 por meio do qual MJA, representada por seu procurador, se “compromete a vender” a RVJ, casado, o imóvel da Matrícula X deste Registro.
O título foi protocolado e, após seu regular exame, o registro foi postergado para saneamento dos defeitos apontados na nota devolutiva respectiva.
Não se conformando com as exigências, o interessado reingressou o título com alentada exposição de motivos que embalam seu pedido de suscitação de dúvida.
Motivos obstativos do acesso do título
As razões que estão a impedir o acesso do instrumento particular foram indicadas na ND e são, em síntese, as seguintes:
- O instrumento particular apresentado foi intitulado “contrato de compra e venda”. O seu teor alude a uma promessa de compra e venda. O disponente figura no registro como promissário-cessionário (R.2).
- No R. 2 consta que MJA é possuidora do CPF X, o que diverge totalmente do título apresentado.
- 0 instrumento é omisso quanto à qualificação completa do cônjuge de RVJ, a saber: nome completo do cônjuge, regime de bens adotado no casamento (se antes ou depois da lei), nacionalidade, profissão, RG/CPF, endereço (artigo 176, § 11, inciso III, item 2, alínea “a” da Lei n. 6.015/73).
Razões apresentadas pelo interessado
São compreensíveis as razões apresentadas pelo interessado. De fato, a correção do CPF da promissária-cessionária, bem como a complementação da qualificação dos adquirentes podem ser deferidas por Vossa Excelência, aproveitando-se a prova produzida pelo interessado.
Todavia, a questão central remanesce e obsta o acesso do título. MJA não era mais do que promissária-cessionária dos direitos decorrentes da promessa registrada sob n. 1 na Matrícula. Não pode a promitente-cessionária transmitir mais do que possuía em virtude e força de seu título – nemo plus juris transferre potest quam ipse habet. Tal afronta odisposto nos artigos 195 e 237 da LRP.
Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.
Além disso, o interessado nos revela que a promissária-cessionária falecera em 2015, fato comprovado pela certidão de óbito anexada. Vê-se, ainda, que faleceu no estado civil de casada com HG, no regime da separação obrigatória de bens. Por fim, baseados nas declarações do óbito e compulsando os autos de inventário (Processo X), conhecemos que terá deixado a herdeira filha RAG.
Tais circunstâncias embaraçam o desenlace do caso. Com a notícia do falecimento de MJA, os seus direitos transmitem-se ipso facto aos herdeiros (art. 1.784 do CC). A jurisprudência não discrepa: Ap. Civ. 1001074-40.2020.8.26.0077 (http://kollsys.org/qae), Ap. 1006959-64.2022.8.26.0562 (http://kollsys.org/sj4), entre outras.
Circunstâncias singulares do caso
O processo de inventário de MJA foi aberto e se acha provisoriamente no arquivo, aguardando provocação das partes. Vê-se que o bem não foi arrolado entre aqueles que compõem o acervo hereditário – possivelmente em virtude da promessa feita em 2010 (R.1).
Além disso, verificamos que o proprietário do bem imóvel da Matrícula é HG, com quem a promissária-cessionária foi casada tempos depois. HG foi nomeado inventariante no processo de inventário.
Por fim, MJA compareceu no título representada pelo mesmo HG, sem ter apresentado a procuração conferindo-lhe poderes expressos e especiais para alienação (§ 1º do art. 661 do CCB).
Devolvo a Vossa Excelência a qualificação do título.
São Paulo, 28 novembro de 2023.
SÉRGIO JACOMINO, Oficial.
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