Quinto Registro de Imóveis de São Paulo

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1095809-59.2021.8.26.0100. Título. Cópia reprográfica – certidão de RTD

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  • Processo 1VRPSP 1095809-59.2021.8.26.0100, j. 28/10/2021, DJe 28/10/2021, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad. Acesso: http://kollsys.org/s5z. Dúvida julgada procedente.
  • Ap. Civ. 1095809-59.2021.8.26.0100, , j. 1/9/2022, DJe 26/10/2022, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia. Acesso: http://kollsys.org/s59. Recurso prejudicado.

EMENTA: Promessa de compra e venda. Cópia reprográfica – certidão de RTD – título no original. Especialidade subjetiva.

Procedimentos preliminares

Foi apresentado para registro certidão de RTD extraída de microfilme do contrato particular de compromisso de compra e venda datado de 27/7/1990, expedida em 23/6/2021 pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Paulo, em que figura como promitente vendedora MAR e como promitente comprador FCF, tendo por objeto o imóvel matriculado neste Registro.

O título foi devolvido por nota devolutiva veiculada pelo protocolo contra a qual o interessado se insurge, tendo reingressado com o requerimento de suscitação de dúvida, permanecendo a inscrição em vigor até solução final deste processo de dúvida, nos termos do art. 198 da Lei nº 6.015, de 1973.

Razões de recusa

As razões impedientes para o acesso do título ao registro são as seguintes: (a) certidão de RTD ou cópia reprográfica não são títulos hábeis para ingresso no fólio real e (b) o título é omisso quanto o estado civil do adquirente.

Da especialidade subjetiva do adquirente

A Lei nº. 6.015/1973 impõe, como requisito formal do registro (e, portanto, do próprio título que lhe sirva de base) a indicação da qualificação completa do promitente comprador (art. 176, § 1º, III, 2, “a”). Entretanto, só isto não basta; é necessário, também, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e a indicação do regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515/77. Deverá ser sempre indicado o número do CPF (Instrução Normativa RFB nº 1.548, de 13/2/2015, art. 3º, II, “a”).

Cumpre salientar que tal exigência poderá ser suprida por aditamento ao título ou mediante a juntada de documentos (RG, CPF, certidão de casamento atualizada e, se for o caso, escritura de pacto antenupcial e certidão de seu registro, tudo no original ou em cópia autenticada).

Título – via original

O interessado juntou certidão de RTD e cópia de promessa de compra e venda, conjunto que retraça a sucessão a partir da proprietária tabular. Ela teria prometido a venda do imóvel a FCF e este, por seu turno, o prometeu vender a JV.

À parte a incorreção consistente na intitulação do instrumento como “promessa de compra e venda” em que o outorgante não é o titular de domínio, o fato é que os tais instrumentos não são hábeis a permitir o ingresso e o registro.

A primeira questão que exsurge é: uma certidão de RTD da promessa, que ostenta o “mesmo valor probante que o original” (art. 217 do CC e art. 161 da LRP), pode merecer o registro?

Tradicionalmente, sempre se entendeu que tais títulos não merecem o ingresso. Citemos uma decisão do Conselho Superior da Magistratura que indica várias outras que se orientam no mesmo sentido:

“No que respeita às certidões expedidas pelos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos, a partir dos assentamentos mantidos como fruto de sua atividade, este Conselho Superior já firmou orientação no sentido de sua irregistrabilidade, vez que distingue-se o valor probante previsto no artigo 161 da Lei Federal n.6015/73 da forma específica reclamada para o ingresso dos títulos no registro predial e imposta, restritivamente, pelo artigo 221 do mesmo diploma legal (Apelações Cíveis 3.332-0, da Comarca de Guarujá; 3.522-0, da Comarca de Barueri; 6.391-0, da Comarca de Atibaia; 10.962-0/8, da Comarca da Capital; 14.797-0/3, da Comarca da Capital).

A possibilidade de certidões serem admitidas como títulos registráveis se limita a sua extração de autos judiciais e, implicitamente, quando expedidas por notários, a partir de instrumentos por estes lavrados, não se incluindo, neste âmbito, as certidões emitidas pelos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos, de atos praticados com base em instrumentos particulares, sob pena, inclusive, de se tornar letra morta o disposto no artigo 194 da Lei de Registros Públicos, que determina, ao registrador imobiliário, que, diante da recepção de um instrumento particular, promova seu arquivamento”[1].

Além disso, pode-se questionar: qual o valor probante das certidões extraídas do RTD?

O Código Civil prevê no seu artigo 217 que terão “a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas”.

Já a LRP prevê em seu artigo art. 161 que as “certidões do registro integral de títulos terão o mesmo valor probante dos originais, ressalvado o incidente de falsidade destes, oportunamente levantado em juízo”.

O tema da validade dos instrumentos foi objeto de acesa diatribe que envolveu os advogados no antigo Instituto da Ordem dos Advogados de S. Paulo. Na sessão plenária do dia 16/4/1929 foi objeto de discussões a tese proposta por LIMA PEREIRA e SPENCER VAMPRÉ acerca do valor probante das certidões expedidas pelo RTD. O Professor AZEVEDO MARQUES resolveu a questão adequadamente – e as suas lições atravessaram a noite dos tempos e nos chega com o mesmo vigor. Diz o lente das Arcadas que a “certidão extraída por oficial do Registro de Títulos e Documentos Particulares, de transcrição integral do documento, sendo impugnada, não contém, por si só, desacompanhada do original, valor probante algum”[2].

As objeções levantadas no começo do século passado foram acolhidas e hoje acham-se assimiladas na redação dada ao art. 161 da LRP. De fato, não se pode admitir a quebra do sistema de segurança jurídica do Registro de Imóveis a admissão de títulos cuja validade ou autenticidade sejam previamente certificadas. 

Em suma: a certidão não prova mais do que consta do próprio livro de registro.

Acerca da legitimidade das obrigações, fazemos nossas as advertências do mesmo Professor AZEVEDO MARQUES, que qualifica de “monstruosidade” considerar, de modo absoluto, que a certidão ostentará o mesmo valor probante que todo e qualquer original registrado: de outro modo resultaria que “qualquer documento falso, uma vez registrado, tornar-se-ia válido e provado!”[3].

CARVALHO SANTOS mais tarde sustentaria que as certidões extraídas dos instrumentos particulares registrados em RTD fazem a mesma prova que os originais, “vale dizer, [o mesmo valor probante] que esses livros”. E conclui: “o valor probante que serve de paradigma, portanto, tem de ser o dos livros”[4].

Justamente por essa razão, não sendo o título extraído das notas ou do processo judicial, o instrumento particular original deve ser mantido no arquivo do Registro de Imóveis, nos termos do art. 194 da LRP, a fim de garantir eventual prova de autenticidade.

Precedente da 1VRPSP

               Por dever de lealdade com esse R. Juízo devo noticiar a existência de precedente da Vara que deferiu registro nas condições aqui debatidas. Trata-se do Processo 1106944-05.2020.8.26.0100[5], cujos fundamentos para julgamento da dúvida improcedente foram os seguintes:

  1. O art.161 da Lei de Registros Públicos revela que as certidões RTD “terão o mesmo valor probante dos originais, ressalvado o incidente de falsidade destes, oportunamente levantado em juízo”. Do mesmo jaez o item 44.1, Cap. XVIII, das NSCGJSP.
  2. O registro no RTD “é uma forma de garantir autenticidade, conservação, publicidade e segurança de um documento original, a fim de manter intacto o conteúdo do documento em caso de extravio, desgaste pelo tempo ou mesmo na ausência do original”.
  3. O documento “autenticado” pelo Oficial de RTD “equipara-se ao original para qualquer finalidade a que se destina, ainda mais se considerarmos que atualmente vigoram as certidões eletrônicas, em substituição aos papéis, o facilita o trânsito pela via digital, não sendo mais necessária a apresentação de papéis pelos usuários”.

São respeitáveis os argumentos que fundamentaram a R. decisão. Todavia, as peculiaridades deste caso concreto – em que se busca o registro de promessas instrumentalizadas por certidão de RTD e cópia reprográfica – autorizam o questionamento e o reavivamento das questões já solvidas. Além disso, a decisão do caso concreto não se revestiu de “caráter normativo”, razão pela qual reitero os fundamentos jurídicos que se mantêm como razão de denegação de registro.

Como vimos, o art. 161 da LRP não solve o título registrado de eventual invalidade. A eficácia do registro em RTD não é saneadora. Já nos alvores do século XX, o mesmo professor AZEVEDO MARQUES vislumbrava uma distinção essencial entre os documentos que eram registrados para mera perpetuação e aqueles que geram obrigações. Diz ele:

“Há a distinguir duas especies de documentos: os meramente graciosos, que se registram para serem conservados ou perpetuados (expressões synonymas), e os que geram obrigações, os quaes são registrados para marcar o inicio dos seus effeitos contra terceiros. As certidões destes ultimos nada provam, senão a época, ou a data em que produzem effeitos contra terceiros, se “apresentados em juizo os respectivos originaes”, forem contestados por terceiros. A certidão do registro, portanto, não suppre o original, quando a sua apresentação fôr necessaria por versar a controversia sobre o proprio original. Eis porque é desnecessaria a formalidade complicada e prematura da conferencia no acto do registro”[6].

As certidões eletrônicas e os títulos apresentados ao Registro de Imóveis assinados digitalmente devem conformar-se com o disposto no § 2º do art. 5º da Lei 14.063, de 23/9/2020 que exige a utilização da chamada assinatura digital qualificada – aquela que utiliza o certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da MP 2.200-2, de 24/8/2001.

Seja como for, o fundamento que permitiria o ingresso de títulos pela via eletrônica impõe a autenticidade dos firmantes e o preenchimento dos requisitos exigidos pela lei para aptificá-los para a produção dos potentes efeitos que se alcançam com o registro.

Títulos em cópia reprográfica

Por fim, resta enfrentar a questão remanescente que se relaciona com a promessa apresentada em cópia simples – a compromisso de compra e venda de 15/12/2014, anexo.

As cópias simples não ingressam no Registro de Imóveis. Brevitatis causa:

“A cópia constitui mero documento e não instrumento formal previsto como idôneo a ter acesso ao registro e tendo em vista uma reavaliação qualificativa do título, vedado o saneamento intercorrente das deficiências da documentação apresentada”[7].

Conclusões

Por todas as razões expostas o título foi devolvido. Quiçá o desiderato dos interessados pudesse ser alcançado por ação própria de obrigação de fazer – adjudicação compulsória (art. 1.418 do CC).

Devolvo a Vossa Excelência a apreciação do pedido, com o devido respeito e acatamento.

São Paulo, 23 de agosto de 2021.

SÉRGIO JACOMINO, Oficial.


Notas

[1] Ap. Civ. 65.430-0/8, São Paulo, j. 23/12/1999, DJ 3/2/2000, rel. des. Sérgio Augusto Nigro Conceição. Acesso: http://kollsys.org/11w.

[2] RT 70/297, maio de 1929.

[3] Idem, ibidem.

[4] CARVALHO SANTOS. J. M. Código Civil Brasileiro Interpretado. Vol. III, 14ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, p. 190 e 191, passim.

[5] Processo 1106944-05.2020.8.26.0100, j. 13/1/2021, DJ 15/1/2021, Dra. Tânia Mara Ahualli. Acesso: http://kollsys.org/pto.

[6] Idem, ibidem nota 2.

[7] Ap. Civ. 33.624-0/4, Ribeirão Preto, j. 12/9/1996, rel. des. Márcio Martins Bonilha. No v. aresto há citação de inúmeros precedentes. Acesso: http://kollsys.org/dc.

Todas as referências pessoais e indicações dos atos praticados foram omitidos para preservação da privacidade dos envolvidos.

Written by SJ

2 de fevereiro de 2024 às 11:34 AM

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