0010006-77.2011.8.26.0100. doação – incomunicabilidade
Processo 0010006-77.2011.8.26.0100 – dúvida.
Protocolo 242.015 – doação – cláusula
Interessado: SLBDM
Sucessões – partilha – meação. Doação – cláusula restritiva de incomunicabilidade. O cancelamento ulterior de cláusula restritiva não alcança o ato jurídico perfeito e acabado de aquisição do imóvel pelo casamento. Cônjuge supérstite não está legitimado para figurar como meeiro se o bem não entrou na comunhão de bens.
Sérgio Jacomino, 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, atendendo ao requerimento formulado por SLBDM, nos termos do art. 198 da Lei 6.015/73, vem suscitar dúvida, pelos motivos e fundamentos seguintes.
Procedimentos preliminares
Protocolado sob o número 242.015, ingressou neste Ofício pedido de registro do Formal de Partilha extraído dos autos do Processo 2.609/2005, passado a favor dos herdeiros de JVADM.
Examinado e conferido o instrumento, o seu acesso ao Registro foi denegado em virtude do óbice levantado pelo Cartório (abaixo explicitado) contra o qual se insurgiu o interessado requerendo a suscitação de dúvida.
Cláusula de incomunicabilidade e seus efeitos temporais
O motivo que fundamentou a denegação de registro é simples: o imóvel foi doado ao de cujus com as cláusulas adjetas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Tendo o donatário contraído núpcias ao tempo da vigência de ditas cláusulas – não se comunicando, pois, o bem à parceira consorte – não se justificaria que no inventário e partilha se a contemplasse na condição de viúva-meeira. Tal fato representaria aquisição sem título.
O imóvel foi adquirido pelo inventariado a 15 de julho de 1938, a título de doação, pela transcrição 13.837, na condição de menor impúbere e solteiro. À margem da referida transcrição não consta qualquer averbação modificativa da situação jurídica, remanescendo, o registro, com a configuração original.
Posteriormente, segundo se apurou somente agora com a apresentação pelos interessados de novos documentos – que ainda não foram objeto de qualificação, averbação ou registro – verifica-se que os doadores, progenitores do de cujus, juntamente com os donatários, rerratificaram o título que deu origem à referida transcrição 13.837 para modificar o caráter da restrição – de vitalício a temporário. Assim, as cláusulas restritivas onerariam o imóvel doado “não mais vitaliciamente, mas por prazo limitado, ou seja, até a data em que cada um dos donatários (…) atinja a idade de quarenta anos”.
Em suma, as cláusulas se manteriam até que o donatário JVADM, de cujo acervo hereditário se cogita, completasse 40 anos.
Ocorre que em data de 6 de setembro de 1954, JVADM contraiu matrimônio com MAB pelo então regime legal (comunhão universal de bens). Note-se que à época do matrimônio, JVADM contava com quase 25 anos – portanto menos que os quarenta, termo extintivo das cláusulas restritivas.
A situação que exsurge do quadro enunciado é que, à época do casamento, vigiam plenamente as cláusulas convencionais restritivas de domínio, inclusive, e especialmente, a cláusula de incomunicabilidade, de modo que o cônjuge, MABDM, não teria adquirido o direito em decorrência do regime matrimonial.
Com o devido respeito, penso que a consistente e bem estruturada argumentação dos interessados pode ser aproveitada para reafirmar a posição deste cartório.
A questão que se coloca é: transcorrido o prazo de vigência e eficácia da dita restrição, podendo a mesma ser cancelada extrajudicialmente ou por mandado judicial, o ato de canceladura faz projetar seus efeitos modulando o próprio ato jurídico aquisitivo? Ou por outra: o cancelamento das cláusulas – por caducidade ou em decorrência de determinação judicial – pode ser considerada causa aquisitiva – rectius: título material – da propriedade pelo cônjuge?
Os interessados sustentam que à época da abertura da sucessão nenhuma restrição remanescia a impedir “que a meação de sua viúva fosse especificada na partilha”. Considerar de forma distinta, segundo o postulante, levaria à ideia de que “a incomunicabilidade não cessaria seus efeitos na superveniência dos 40 anos do donatário”.
De fato, nunca se defendeu uma eficácia continuada da cláusula de incomunicabilidade que evidentemente caducara – fato jurídico que ainda se encontra pendente de averbação. O óbice levantado pelo Registro é de outro cariz. Falamos especificamente da pressuposição, ínsita no arrolamento, de que os bens inventariados e partilhados com reserva de meação haviam sido adquiridos anteriormente, o que não ocorrera.
A partilha ostenta um caráter meramente declaratório (Carvalho. Afrânio de. Registro de Imóveis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 144). O acervo hereditário se singulariza na partilha, com a reserva de meação e a atribuição dos quinhões hereditários. Mas o ato declaratório faz sempre pressupor uma aquisição anterior, o que, efetivamente, não ocorreu. Não se pode falar propriamente em meação no presente caso – quando muito de herdeiro concorrente.
O herdeiro interessado argumenta que se deve estar atento à vontade dos doadores – o que permitiria se chegasse a uma conclusão diversa daquela à que chegamos. Sustenta que o casamento do donatário é evento que ocorreu em data posterior ao próprio aditamento da doação. “Esse fato demonstra”, aduz, “que a limitação da incomunicabilidade sequer ocorreu em atenção à pessoa da esposa do donatário”.
Pois bem. Nem a vontade dos doadores pode ser interpretada extrajudicialmente (Ap. Civ. 13.903-0/1, j. 9.12.1991, DOE 28.1.1992, São Paulo, rel. Onei Raphael) nem é exatamente esse o sentido que se pode extrair da leitura atenta dos documentos acostados pelos interessados. O fato de se ter modificado a extensão temporal do gravame não infirma o que se sustenta aqui. Não se qualificou formalmente a situação específica dos donatários no jogo das restrições, posto não haja qualquer declaração, reduzida formalmente a termo notarial, que pudesse levar às conclusões a que o interessado aponta. E mesmo que se pudesse chegar a essa conclusão, a vontade das partes não chegou a ser perfeitamente instrumentalizada; isto é, não se aptificou em ordem a produzir os efeitos que se estima e deduz fossem os desejados pelos doadores.
Em suma, o cônjuge supérstite não tem título aquisitivo.
De outro lado, acena o interessado com o cancelamento retro-operante do gravame – de molde a colher e modificar o ato aquisitivo do cônjuge (casamento). Sustenta que o cancelamento das cláusulas tem o efeito de modificar o trato sucessivo, o que não é correto.
É certo que em sede jurisdicional todas as questões aventadas pelo interessado podem ser livremente apreciadas pelo Juízo, que formará livre convicção e decidirá sem as peias que no âmbito administrativo naturalmente se produzem. Nesta seara administrativa, o Registrador está adstrito à legalidade estrita e ainda que se não possa vislumbrar quaisquer prejuízos aos envolvidos, ainda assim não se defere o registro sem sólida base legal ou jurídica.
Por fim, lembra o suscitado que há mandado judicial de cancelamento do gravame, requerido por JVdM, seu pai. Daí a concluir que
“Não somente há Escritura limitando a dita incomunicabilidade, aposta no momento da doação, à superveniência dos 40 (quarenta) anos de idade do Sr., como o próprio donatário veio a requerer o cancelamento dessa incomunicabilidade pela via judicial, efetivamente deferido, razão pela qual é de se entender que não era da vontade de nenhuma das partes, nem doadora, nem donatária, a extensão dos efeitos da incomunicabilidade a período superior aos quarente anos do donatário”.
Uma vez mais é preciso reiterar que não se sustenta a vigência continuada das ditas cláusulas. Simplesmente sustentamos que o seu cancelamento – por meio judicial ou extrajudicial – não tem a virtude de reverberar na situação jurídico-patrimonial criada pelo casamento. Pode-se averbar o cancelamento das ditas cláusulas e ainda assim remanesceriam as questões aqui apontadas.
Em derradeiras observações, não custa lembrar que os títulos judiciais não se forram à qualificação registral, especialmente nos casos como o discutido neste procedimento, em que se trata de arrolamento judicial, típica tutela pública de interesses privados, sendo todos os herdeiros maiores e capazes. Não há a nota característica da coisa julgada material.
Nesse sentido é o sentido da remansosa jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura. Os títulos judiciais submetem-se à qualificação do oficial registrador, principalmente para a verificação de sua conformidade com os postulados e princípios registrários (Ap. Cível nº 39.487-0/1, Catanduva, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 31.7.1997).
Divergência notável
Por lealdade ao debate trago à apreciação de Vossa Excelência a posição defendida pelo registrador paulistano Ademar Fioranelli. Enfrentando o tema posto em discussão neste procedimento, assim se manifesta o notável colega:
“Interessante observar que, com o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade devido ao cumprimento da condição ou o advento do termo (certo ou incerto), o imóvel antes gravado com referido vínculo experimenta notável transformação, recobrando o proprietário o direito de livre disposição, e os credores a garantia de seus créditos”.
E segue pontificando:
“O bem antes incomunicável, de propriedade exclusiva, passa à condição de coisa comum, na eventualidade do beneficiário casar-se ou mesmo de já estar casado no momento da liberalidade (doação ou testamento), pelo regime da comunhão universal de bens, entrando na partilha pela dissolução da sociedade conjugal ou na transmissão mortis causa”. (Fioranelli. Ademar. Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. São Paulo: Saraiva: 2009, p. 80).
Enfim, sem adentrar nas questões tributárias, entendemos que o acesso do título deve ser denegado, já que o imóvel não integra o patrimônio da viúva de molde a legitimá-la a figurar no inventário como meeira.
Devolvo a Vossa Excelência a apreciação deste caso, com as nossas saudações respeitosas.
São Paulo, 11 de fevereiro de 2011.
Sérgio Jacomino
5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo.
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Incomunicabilidade de bens – algumas divagações | Observatório do Registro
23 de agosto de 2011 at 3:23 PM